T18 Março 2017
Dois cafés & a conta

Jorge Fiel

Defeito zero
"Os clientes são cada vez mais exigentes. Inspeccionam tudo."
Sem garantias
"Dantes cultivávamos relações duradouras de amizade com os clientes."
Inês Branco

Aos 51 anos de idade, Inês Branco é Partner e Head of Design da Têxtil Nortenha. Na adolescência, perdeu a conta aos dias de férias passados no armazém da Nortenha, à Via Rápida, a empilhar peças, fazer cintas nas caixas com a máquina de fita verde ou a guiar o porta paletes.

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onsegue imaginar o que é estar numa discoteca, absolutamente proibido de abandonar a pista, apesar do DJ estar possuído, pois vai pondo sucessivamente nos pratos, em modo random, música eletrónica, metálica, fados, pop, valsas, salsa, kizomba, rock, tangos e slows? Nos dias de hoje, gerir uma têxtil é uma experiência parecida, apenas ao alcance de alguém capaz de adormecer na montanha russa.

“O que assusta é a volatilidade. Não há sossego. Dantes tínhamos 60 a 90 dias para entregar uma encomenda. Agora toda a gente quer tudo para ontem. Não há garantias de nada. Dantes cultivávamos relações duradouras de amizade com os clientes. Fomos fornecedores da Levi’s durante 30 anos. Agora ligamos para um CEO que foi contratado há seis meses e respondem-nos que acaba de ser despedido por não cumprir os objectivos. A rapidez com que as coisas estão mudar é muito desgastante”, explica Inês Branco, que fala do alto de 30 anos de experiência na têxtil.

Inês sabe de cor e salteado os ingredientes da receita para sobreviver e prosperar num mundo em permanente mudança e aceleração. É preciso saber dançar ao sabor da música que os clientes lhes dão. “Somos versáteis e muito flexíveis. Já há muito que deixamos de produzir grandes quantidades a preços baixos. Agora trabalhamos com séries pequenas e qualidade muito elevada”, afirma Inês que escolheu almoçarmos no local habitual – uma sala contígua à cantina da Nortenha.

A única coisa que mudou da rotina diária foi o elenco de comensais (e o melhoramento da entrada, decidido pela cozinheira mal soube que o director do T era um dos convidados). No dia-a-dia, o director financeiro e as duas comerciais séniores almoçam com Inês e Paulo (o seu irmão um ano mais novo e CEO da Nortenha), aproveitando a refeição para uma troca informal de opiniões e informações. “Temos uma carteira de clientes espectacular e uma boa reputação no mercado, pois respeitamos os compromissos e entregamos a horas. Mas para contrariar a volatilidade temos de estar sempre a angariar novos clientes e a propor-lhes artigos cada vez mais complexos”, diz Inês. A Nortenha faz um volume de negócios de oito milhões de euros, 100% exportado, para uma geografia – Alemanha (Marc Cain), Inglaterra (o catálogo de criança Boden; a cadeia Reiss, de que Kate Middleton é cliente; e a Thomas Pink, do grupo LVMH) – reveladora da exigência dos clientes.

“Passam o corte em revista à lupa. Cada peça tem de estar literalmente perfeita, por dentro e por fora. Os clientes são cada vez mais exigentes. Inspeccionam tudo. Trabalhamos com defeito zero para entregarmos a qualidade que eles nos pagam”, conta Inês, dando como exemplo um top fabricado na Nortenha que é vendida ao público de 279 euros, pois tem bordado, estampado, transferes e uma operação de garment dyed – e demorou dois anos a desenvolver para atingir aquela qualidade específica.

A Têxtil Nortenha é uma sobrevivente, porque soube começar a por o pé no travão logo no final do século XX, quando detectou os sinais de uma crise anunciada e mudança de paradigma. “Não fizemos uma travagem brusca, mas uma adaptação gradual. Entramos em modo de ajustamento permanente, que nos permitiu reduzir a capacidade instalada e o efectivo – de 1 100 para cem trabalhadores – sem grandes solavancos e notícias no jornal”, conclui Inês, que gera a Têxtil Nortenha, em parceria com o irmão Paulo, sempre com um pé no travão e o outro a dar um cheirinho no acelerador…

Perfil

É a filha do meio do casamento entre a rodesiana Johanna Olievier e Carlos Branco, um engenheiro industrial, que regressado de Moçambique (onde se apaixonou pela mulher), se empregou na Têxtil Nortenha, uma pequena trading que ele transformou num poderoso grupo industrial, que no seu auge tinha cinco fábricas e 1 100 pessoas. Inês cresceu nas Antas. Vivia no Covelo e estudou na Ellen Key. Na adolescência, perdeu a conta aos dias de férias passados no armazém da Nortenha, à Via Rápida, a empilhar peças, fazer cintas nas caixas com a máquina de fita verde ou a guiar o porta paletes. Como nunca teve dúvidas de que iria passar a vida nos trapos, fez o curso de Design de Moda, a que acrescentaria uma pós graduação em Gestão (AESE). Casada com Jorge Monteiro (que trabalha na Dell), têm um filho, Jorge, com 18 anos.

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