T20 Maio 2017
Dois cafés & a conta

Jorge Fiel

Recuperação
"Estamos a conseguir recuperar os clientes mais depressa do que estávamos à espera"
Fecho da Fitor
"Não podia aceitar o fecho da fábrica de a ter conseguido salvar do naufrágio"
António Pereira

Com 52 anos de idade, António Pereira, conta como tomou a mais importante decisão da sua vida profissional, recolhido na praia da Amorosa, em Viana do Castelo, onde vive.

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oi na Primavera de 2015, tinha ele 50 anos exactos, que foi chamado a tomar a decisão mais difícil da sua vida. Os alemães da K4, que tinham acabado de comprar a divisão têxtil da sua compatriota Daun, chamaram-no a Munique para lhe comunicar que iam fechar a Fitor e concentrar o fabrico de fios sintéticos na Alemanha, na fiação TWD. Mas, acrescentaram, o futuro dele não estava em risco, pois estava convidado a ficar como responsável de vendas para o sul da Europa. António Pereira não estava nada à espera daquilo – e pediu-lhes uma semana para pensar.

“No regresso, até me senti mal no avião”, confessa. Recolheu para a praia da Amorosa, Viana do Castelo, onde vive há uma dúzia de anos, e foi ali à beira-mar, no mesmo sítio onde escolheu almoçarmos um belo arroz de robalo na Tasca do Gomes, que tomou a grande decisão. Não podia aceitar o fecho da fábrica que conseguira salvar do naufrágio à custa de tantas canseiras e noites mal dormidas.

“Quando entrei na Fitor, em Setembro de 2008, toda a gente dizia que eu não chegava ao Natal. Não havia dinheiro. Tive de improvisar. Pedir aos clientes pagamentos antecipados. Implorar aos fornecedores que nos adiantassem matéria-prima. Mais tarde, quando já estávamos com a cabeça fora de água, levamos em cima com a crise de 2011/12, que não foi só cá com o resgate e a troika, mas afectou toda a têxtil europeia, onde estão os nossos clientes. Foi muito duro”, recorda.

Também foi muito complexo e doloroso liderar um violento downsizing da Fitor (de um pico de 280 trabalhadores tinha minguado para 20), que os alemães foram progressivamente transformando numa mera unidade comercial, enquanto a iam esvaziando da componente industrial, transferida para a alemã TWD.

“Do ponto de vista financeiro fazia sentido, porque a energia era mais barata lá e havia ganhos na concentração da produção, daí a minha dificuldade em criar obstáculos à deslocalização”, explica António, que recusou desempenhar o papel de carrasco da Fitor e contrapropôs aos alemães fazer um MBO. Foi a vez deles ficarem surpreendidos.

“Não estavam nada à espera, mas acabaram por aceitar. Durante o Verão negociámos um contrato em termos bastante razoáveis”, reconhece o António, que tinha no bolso um plano quase tão simples como o do Marquês do Pombal (cuidar dos vivos e enterrar os mortos) após o grande terramoto de 1755.

O plano consistia em recuperar os clientes perdidos, pôr a produção a funcionar, reactivar a tinturaria, comprar novas máquinas, investir em inovação (“a têxtil é metade engenharia e metade design e criatividade”) e subir na escala de valor (“saímos das commodities, do fio cru”).

Dois milhões de euros investidos e 18 meses volvidos, os números garantem que a coisa está a resultar: o efectivo cresceu de 20 para 75 trabalhadores e a facturação dos cinco milhões (2015), para sete milhões (2016) – 70% dos quais em exportação directa. Este ano, o objectivo é chegar aos oito milhões de euros.

“Estamos a conseguir recuperar os clientes mais depressa do que estávamos à espera – e a um ritmo superior ao da nossa capacidade instalada. As máquinas novas que estamos a comprar são mais eficientes, produzem mais com menos custos e são para acrescentar às que temos – não para as substituir”, conta o engenheiro informático reconvertido em gestor e empresário que salvou a Fitor.

Perfil

Filho de um motorista do STCP, cresceu no Porto - morava na rua da Boavista, fez a primária em Cedofeita e o Secundário no Rodrigues de Freitas. Na adolescência desdobrou-se em biscates diversos, como a colaboração em jornais (Voz Portucalense, Notícias da Tarde e JN) ou a venda de enciclopédias. Apaixonado por computadores, por influência de séries como o Star Trek e Espaço 1999, escolheu fazer Engenharia de Sistemas, na UMinho. Foi bom aluno (no 3º ano já era monitor) mas não ficou fã da informática que lhe abriu a porta dos dois primeiros empregos - na Pinto Azevedo & Rangel e depois da PwC. Filado em emigrar para a gestão, fez um MBA na AEP/ESAD e um mestrado em Finanças na UM. No ano 2000 desembarcou na têxtil. Demorou-se quatro anos na Holanda como director de operações da Lankhorst (cordas e redes de pesca). No caminho que o levou até à Fitor, em 2008, fez escalas na Tebe, TMG e Organtex China (viveu entre Xangai e Hong Kong). Ao fim-de-semana gosta de correr e jogar ténis.

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