T 7 MARÇO 2016
Dois cafés & a conta

Jorge Fiel

Cadeia de valor
O segredo do sucesso está na flexibilidade e em subir na cadeia de valor
Proximidade
Creio que o pior já passou. Estamos numa fase de ascensão. Temos a vantagem de estarmos perto dos clientes
Ana Vaz Pinheiro

A administradora da Mundotêxtil tem 35 anos, licenciou-se em Direito em Coimbra e foi advogada em Guimarães antes de voltar a Vizela, para trabalhar na têxtil lar fundada pelo pai e avô

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unca lhe passou pela cabeça ir trabalhar para a fábrica onde tirava fotocópias dos apontamentos quando andava no Secundário e sonhava com tribunais – não com teares. Fez o seu caminho, até que há cinco anos o pai a chamou para uma conversa séria, no preciso momento em que ela estava numa esquina da vida, a pensar em fechar o seu escritório em Vizela e ir trabalhar para uma sociedade de advogados no Porto.

“Somos uma empresa familiar e eu não estou a ir para novo. Ou vendemos, ou tu e a tua irmã vêm trabalhar comigo e fazemos uma transição suave”, explicou o pai, José, que três anos antes comprara as posições dos seus dois irmãos mais novos na Mundotêxtil, que criara em 1976, como empresa comercial e transformara no maior produtor de felpos da Europa, com 600 trabalhadores, uma faturação de 43 milhões de euros (96% exportados) e uma rede de 14 lojas Blank na Alemanha.

“Vamos experimentar”, respondeu Ana, avisando que até ver como paravam as modas, ficaria em part-time, de manhã na fábrica, à tarde no escritório. Estávamos em 2011.

“O part-time durou duas semanas!”, conta Ana, que escolheu almoçarmos no Águia d’Ouro, restaurante de que o pai foi sócio. Fez uma refeição frugal (o que explica porque é tão magra), começada por uma sopa (“Como sempre sopa”), em que resistiu às tentações das entradas e sobremesa, petiscando apenas o cozido, que empurrou com uma Coca-Cola.

A experimentação da transição suave  iniciou-se com um estágio com o diretor financeiro, que a decidiu a voltar a estudar, fazendo um Master em Gestão para juristas na Católica do Porto. ”Foi duro, mas muito útil”, conta, antes de gracejar:  “Os únicos números de que eu era familiar eram os dos artigos do Código Penal”.

Até em 2014 se mudar para junto da direção comercial (a área que lhe ficou atribuída no Tratado de Tordesilhas com a mana Helena, arbitrado pelo pai), percorreu todos os setores da Mundotextil, conheceu os clientes (estreou-se na Heimtextil em 2012), falou com os técnicos, inteirou-se do fluxo produtivo, num processo de aprendizagem obrigatório: “Um comercial tem de saber de tudo, preços, possibilidades, etc”.

Não se arrepende de ter metido na gaveta o sonho de ser advogada e aceite o desafio do pai. “Dá muitas dores de cabeça, mas também muitas alegrias. Apanhei muita coisa má. As pessoas andavam tristes. Mas creio que o pior já passou. Nunca mais voltaremos a ter os teares a fazerem a mesma toalha para um só cliente americano. Mas estamos numa fase de ascensão. Temos a vantagem de estarmos perto dos clientes. E sabemos que o segredo do sucesso está na flexibilidade e em fabricar produtos com cada vez mais valor acrescentado”

A transição suave está a caminho de estar concluída. O pai já começou a tirar férias e tem tempo para se dedicar ao sonho de controlar a fileira, do campo até à prateleira, projeto que será possível com o amadurecimento da joint venture moçambicana com a Crispim Abreu e a Mundifios, que contempla plantações de algodão em Xaixai e uma fiação em Maputo, nas antigas instalações da Riopele.

Perfil

Ana Vaz Pinheiro, 35 anos, administradora da Mundotêxtil, nasceu e cresceu em Vizela, a cinco minutos da empresa que fundada há 40 exactos anos pelo pai e o avô, Domingos Pinheiro, um antigo operário têxtil. Em Coimbra, licenciou-se em Direito. Em Guimarães, fez o estágio e cumpriu o sonho de ser advogada, que alimentava desde miúda. Voltou a Vizela, onde teve escritório e exerceu a advocacia, até que no ano em que fez 30 anos teve com o pai uma conserva tão séria que lhe mudou por completo o rumo da vida. Filha mais velha do casamento entre uma professora primária e um estudante de Economia, Ana tem uma irmã quatro anos mais nova (a Helena), é casada, vive em Braga e tem três filhos, a Inês, 17 anos, que em setembro vai estudar para Inglaterra, o Francisco, 10 anos, que tem muito jeito para jogar futebol, e o Manuel, que tem um ano

RESTAURANTE
Águia de Ouro

Rua Ferreira Caldas  94,

4815-431 Caldas de Vizela

Entradas: Presunto, queijos, pataniscas de bacalhau, petingas e senhorinha Pratos: sopa e cozido à portuguesa. Sobremesa: leite creme. Bebidas: Verde branco e Coca Cola. Dois cafés

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