Nuno Cerejeira Namora
Gender Pay Gap na União Europeia atingiu, em 2021, 12.7 %, tendo apenas sofrido uma variação mínima durante a última década, segundo dados disponibilizados pela Comissão Europeia.
Tal como na conhecida fábula de Esopo, o esforço e labor árduo da formiga não podem ser recompensados da mesma forma que a preguiça e o ócio da cigarra. Para trabalho igual ou de valor igual, assim deve ser a remuneração, não se podendo recompensar da mesma forma o que é diferente, nem diferenciar o que é igual.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 60/2018, o legislador fixou um conjunto de medidas de promoção da igualdade remuneratória entre homens e mulheres por trabalho igual, ou de igual valor. Nos termos deste diploma, a entidade empregadora tem o dever de assegurar a existência de uma política remuneratória transparente, baseada em critérios objetivos, comuns a homens e a mulheres.
Como mecanismo de controlo dessa política, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) notificou, no início deste ano, cerca de 1.500 empresas para apresentarem um Plano de Avaliação das Diferenças Remuneratórias, com vista à correcção das diferenças salariais detectadas entre homens e mulheres, para as quais não se aponte uma justificação objectiva, o que fez com base nos dados reportados pelas empresas no respectivo Relatório Único referente a 2021.
Para elaboração deste Plano de Avaliação das Diferenças Remuneratórias, as empresas notificadas têm de efectuar uma verdadeira auditoria às remunerações praticadas e à respectiva política retributiva, através de um levantamento exaustivo de todos os postos de trabalho existentes na empresa e funções concretamente exercidas em cada posto; agrupamento dos trabalhadores por sexo; identificação das respectivas componentes remuneratórias, trabalhador a trabalhador, entre outros.
Neste processo de auditoria remuneratória devem ser identificas as situações em que um homem e uma mulher aufiram uma remuneração diferente, embora exerçam as mesmas funções, partindo-se, de seguida, para a sua justificação (caso exista), ou, na ausência de justificação, para as medidas correctivas, cujo prazo de implementação é de um ano.
Nunca o objectivo será (nem poderia ser) o de eliminar todas e quaisquer diferenças remuneratórias no seio de uma empresa, existindo diferenças retributivas plenamente justificadas e legítimas (relembre-se a sábia fábula da Cigarra e a Formiga), as quais não se traduzem em qualquer tipo de discriminação por parte da Entidade Empregadora. No entanto, esta análise casuística tem de ser efectuada e justificada.
Será impossível para as empresas ignorar este tema, devendo precaver-se e, cada vez mais, focar-se em averiguar se existem diferenças remuneratórias no seu seio, e, a existirem, se as mesmas se encontram fundamentadas por qualquer motivo objectivo, legítimo, e imparcial, e não apenas pelo facto de se tratar de um homem ou de uma mulher.
Ainda é cedo para se poder avaliar, criticamente, se esta medida terá efeitos reais na mitigação da desigualdade salarial entre homens e mulheres, ou se, na prática, não desencadeará qualquer avanço.
De qualquer forma, as consequências de incumprimento são um mote suficientemente ameaçador para que os empresários se dediquem a este tema, uma vez que a não apresentação do Plano de Avaliação das Diferenças Remuneratórias ou a existência de diferenças remuneratórias não justificadas constitui uma contra-ordenação grave, cuja coima pode alcançar os 13.000,00 Euros e ser acompanhada de sanção acessória de exclusão de participação em arrematações ou concursos públicos por um período de até dois anos.
É expectável que a breve trecho surjam novas notificações da ACT, após a análise do Relatório Único de 2022, cujo prazo de submissão terminou no passado dia 30 de Abril de 2023. Por esse motivo, devem ser realizadas auditorias internas às políticas remuneratórias para total compliance laboral, corrigindo, a priori, qualquer diferença remuneratória entre homens e mulheres, que seja injustificada, evitando-se a notificação da ACT e, consequentemente, possível coima.
Tendo acompanhado de perto dezenas das empresas notificadas nesta “primeira leva experimental” de notificações da ACT para apresentação do Plano de Avaliação das Diferenças Remuneratórias, verificou-se ab initio que as Autoridades envolvidas no processo (ACT e CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) tinham, elas próprias, muitas dúvidas quanto à forma como o tema deveria ser tratado, com divergências de interpretação, quer quanto a prazos, quer quanto a procedimentos – o que, naturalmente, gerou desconforto e alguma indignação no tecido empresarial a quem foi pedido que apresentasse algo absolutamente novo, sem orientações concretas e objectivas para o trabalho que haviam de desenvolver num curto período de tempo, ao que acresce o facto de Portugal ter sido pioneiro nesta matéria!
Resta saber se na próxima leva de notificações, as orientações se apresentam de forma mais clara, ou se a ACT continuará numa verdadeira caça à multa de forma indiscriminada.