A fast fashion “sustentável” tem os dias contados
T90 - Fevereiro 24

Sandra Lima

Project Management e Training Officer na BEUC (The European Consumer Organisation)
T

odos os anos, cada português desperdiça 19 quilos de lixo têxtil. E este número está apenas a aumentar. A camisola gira que vimos a cinco euros, mas já não serve? Lixo. As calças da moda que afinal já não são moda este ano? Lixo. A camisola que dizia ser 100% lã, mas afinal é 10% lã e 90% poliéster e agora esticou tanto que parece um vestido? Lixo. 

E apesar disto, na verdade, os consumidores querem comprar menos e de forma mais sustentável. Um estudo recente da BEUC – a Organização Europeia de Consumidores – demonstrou que a maioria dos Europeus tenta viver de forma sustentável. Em Portugal, 80% dos inquiridos diz querer viver de forma sustentável. E isto passa por todas as áreas: das compras do supermercado até à escolha de meio de transporte, passando pela roupa que vestimos. A maioria de nós quer comprar peças de roupa duráveis e de qualidade, quer poupar dinheiro e, de certeza, que não quer estar enfiada num provador a cada dois meses a experimentar calças novas. 

Então, porque é que continuamos a comprar as calças da moda que acabam incineradas no ano seguinte? O crescimento do comércio online, das redes sociais e da fast fashion criou um ambiente enganador e, por vezes, fraudulento. O consumidor não é consumidor a tempo inteiro, mas parece ter de ser. Atualmente deparamo-nos com tantas alegações ambientais enganadoras que quase precisamos de um “doutoramento em etiqueta” para compreender o que compramos.

A criatividade das empresas já não fica limitada ao estilo das novas coleções, mas trespassa para o jogo de palavras vagas e esquemas de marketing que incentivam ao consumo excessivo. Seria de esperar que uma etiqueta com a palavra “Sustentável” fosse deveras sustentável… Não é o caso. “Ético”, “100% reciclável”, “Vegan”, “Orgânico”, “Amigo do Ambiente”. O Ambiente pode ter muitos amigos, mas certamente esta peça que estamos a comprar não é um deles. Estas etiquetas com mensagens vagas são exemplos de greenwashing. Contudo, poucas pessoas questionam a veracidade das alegações ambientais que vêm. E, na verdade, a maioria dos europeus sobrestima a sua capacidade de compreender na totalidade a informação que vê em etiquetas.

Para conseguirmos atingir os nossos objetivos ambientais, o consumismo desmedido da fast fashion tem de ter os dias contados. A BEUC recomenda mudanças sistémicas e legais para que moda e têxteis sustentáveis se tornem uma escolha real para os consumidores:

  1. Ecodesign: Os têxteis sustentáveis e duradouros têm de ser a opção mais fácil e atrativa para consumidores. Para que isto aconteça, produtos de qualidade têm de ser mais acessíveis. Isto motivará também o reparo de peças de roupa e o upcycling, aumentando o ciclo de vida das peças.
  2. Não ao greenwashing e sim a informação de confiança: A informação que chega ao consumidor tem de ser a informação real. As etiquetas não podem ter alegações vagas ou infundadas. Isto cria um sentimento de desconfiança e acaba por afetar também as empresas que estão a fazer esforços reais para melhorar a sua pegada ecológica. 
  3. Combater a sobreprodução e apoiar comportamentos de consumo sustentáveis: A fast fashion lança novas coleções, em média, a cada duas semanas. E os produtos que devolvemos quando fazemos compras on-line muitas vezes acabam no lixo ou incinerados. Isto é insustentável e contrário aos objetivos da União Europeia. Estes comportamentos terão de ser fiscalizados e punidos, por toda a União.
  4. Enfrentar os desafios da globalização e do comércio online: Garantir a fiscalização do mercado e a aplicação da lei a nível europeu é fundamental. Contudo é também um grande desafio, já que a maioria dos têxteis é produzida fora da UE e o comércio online é cada vez mais utilizado.

Felizmente, a União Europeia prepara-se para entrar num momento crucial na luta contra o greenwashing. Dentro de breves meses será aprovada uma lei que cria diretrizes para ajudar os consumidores na transição ecológica. Nomeadamente, esta lei proíbe a exibição de rótulos e etiquetas de sustentabilidade em produtos que não tenham fundamento num sistema de certificação ou que não sejam aprovados por autoridades públicas. Esta lei procura garantir que as empresas não induzem os consumidores em erro quanto aos impactos ambientais e sociais, à durabilidade e à reparabilidade dos produtos.

Com estas mudanças, podemos mesmo dizer que a fast fashion “sustentável” tem os dias contados. Finalmente! E até lá, vamos dizer todos juntos “Não existe nenhuma linha de fast fashion que seja sustentável.”

Partilhar