Luxo e sustentabilidade (II)
T88 - Novembro 23

Susana Neto

Artista Têxtil
C

resce a reciclagem têxtil, e continuará a crescer, devido à pressão do mercado e a nova legislação dentro da economia circular, como, por exemplo, a que obriga os municípios a ficarem responsáveis pela recolha e tratamento destes materiais. Legislação que entrará em vigor em 2025, terá de já estar a ser preparada. Só esta questão fará com que vá haver muito mais necessidade de empresas que reciclam.

Nunca nos adianta ficarmos a gastar energia a combater as mudanças, quando pudemos utilizar essa energia para analisar qual a melhor forma de crescermos com essas alterações. A reciclagem têxtil é fundamental. Já há têxteis mais que suficientes no mundo. Embora estejamos habituados a ver contentores para roupas usadas, apenas 1% das roupas são transformadas em novas roupas e 65% das roupas vendidas vão para aterros no espaço de um ano. 

Atualmente já começa a haver alguma preocupação pelo design circular, embora, ainda, muito insuficiente. A propósito deste tema, a Fundação Ellen McArthur, na linha da frente da economia circular, lançou o livro ‘The Foundation´s Circular Design for Fashion’, muito interessante. Até há pouco tempo, o Design de produto não levava em consideração o fim de vida dos artigos têxteis. Por essa razão, a enorme mistura de fibras, aplicações nas peças, etiquetas, os cortes dos tecidos… tornou a reciclagem demasiado dispendiosa para ser rentável.

Felizmente já se tem apostado muito no desenvolvimento de novos processos de reciclagem. No entanto, a reciclagem mecânica quebra as fibras, e o fio criado através destes processos não consegue ainda conferir aos tecidos a resistência que seria desejável, comparativamente com tecidos elaborados com matérias-primas não recicladas. 

Ora, no mercado de luxo, principalmente, é fundamental que os artigos sejam extremamente duradouros, e que mantenham um aspeto novo durante vários anos. Os jovens que têm crescido rodeados de imagens de ilhas de plástico e de aterros de roupa, preferem adquirir peças de grande qualidade e em menor quantidade, estando dispostos a pagar mais por isso.

Também existem questões extremamente preocupantes, no têxtil, a nível social. No ano passado, no Reino Unido, 70% das empresas têxteis não conseguia garantir que não usava mão de obra infantil na sua cadeia produtiva.

Na verdade, a partir do momento em que a produção passa para países onde a regulação não é “apertada”, e sabendo que a indústria têxtil utiliza muita subcontratação, mesmo que, a origem contrate empresas certificadas, não consegue garantir que essas empresas não subcontratam outras.

De qualquer forma, à exceção do que acontece no mercado de luxo, que tem o preço alto como uma das suas características inerentes e necessárias, basta fazer um rápido exercício mental, para percebermos que há algo de errado numa peça de roupa vendida a baixo custo.

Abri o Google e coloquei ‘t-shirt’ e o nome de uma loja conhecida com roupa acessível para crianças, portuguesa. A segunda imagem que me aparece, no topo da página, é a de um conjunto de duas t-shirts para menina. O conjunto custa 5,99 euros. 

Mesmo nós não sabendo quantas t-shirts se conseguem produzir por hora, sabemos que temos de ter em conta uma imensa panóplia de custos, desde a equipa de gestão, desenvolvimento de produto, qualidade, custos inerentes à produção (fiação, tecelagem, acabamento, corte, confeção), custos das matérias-primas, transportes, embalagem, distribuição, marketing… E mesmo que se consigam produzir imensas t-shirts numa hora, é difícil perceber como é que uma t-shirt de três euros ainda consegue ser vendida com lucro! É realmente um exercício que desafia a lógica.

Com o surgimento de vários movimentos, como o ‘Who made my clothes?’, que têm sido adotados por empresas sustentáveis, de relevo, o mundo passou a perceber a dimensão desta realidade chocante. Tem crescido, assim, a procura por tecidos de materiais sustentáveis e fibras naturais, tais como linho, cânhamo, algodão orgânico, tencel, bambu, seda selvagem, lã…

Começa a ser cada vez mais comum a utilização de pigmentos naturais, embora o processo a nível industrial ainda esteja em evolução. Procuram-se igualmente tecidos criados por artesão experientes, com um carácter exclusivo e único, tingidos manualmente com processos que respeitam o ambiente e o promovem o desenvolvimento das comunidades locais. São procurados tecidos com bordados, quer manuais quer à máquina.

Os trabalhos criados por artesãos que traduzem as técnicas tradicionais para um registo contemporâneo, têm uma procura crescente e muito significativa. Daí estar a haver uma ligação muito próxima entre designers e artesãos.

A implementação da economia circular tem gerado outras ideias muito interessantes, como, por exemplo a plataforma Nona Source, criada pelo grupo LVMH, que comercializa ‘deadstocks’ de tecidos provenientes de várias casas de luxo. Esta plataforma também promove a criatividade circular, através de criativos que a ela se associam em projetos comuns.

Partilhar