Será a roupa em 2ª mão o ‘parente pobre’ da sustentabilidade?
T91 - Março/Abril 24

Luís Cristino

Cofundador da OMA
A

indústria têxtil, caracterizada pela sua criatividade, dinamismo e resiliência, enfrenta hoje um dilema: como conciliar o sucesso económico com a preservação ambiental? 

 

Debatemos todos os dias sobre a necessidade de reduzir nosso impacto ambiental e promover práticas produtivas mais sustentáveis, e é surpreendente como a indústria têxtil consegue encontrar diversos modelos de negócio diferentes mas com todo um objetivo. Modelos baseados em ecodesign, em biotecnologia, inovação produtiva, novas fibras, reciclagem, etc. Mas, muitas vezes evita-se discutir o papel crucial da roupa em segunda mão como cenário e como modelo de negócio. É como se fosse o parente pobre da sustentabilidade têxtil, que muitas vezes é esquecido no meio dos diversos discursos glamorosos que ouvimos sobre inovação, biotecnologia e ecodesign. 

A indústria têxtil precisa reconhecer que a roupa em segunda mão não é uma ameaça, mas sim uma oportunidade. Ao invés de ignorá-la, deve integrá-la na sua estratégia de sustentabilidade.

Atenção que todos os modelos de negócio, que acima indiquei e encontrados pela industria são necessários e extremamente importantes e influentes para que o sector reduza o seu impacto e quiçá atinga rapidamente a neutralidade carbónica que todos ansiamos. Todos eles complementam-se e tem evoluído bastante, da mesma forma que evoluíram os famosos R’s da Sustentabilidade, que de 3 – Reduzir, Reutilizar e Reciclar – passaram para uma lista expandida de 14, que refletem bem a complexidades das questões ambientais e sociais que todos enfrentamos. Sociedade e indústria, que mesmo assim ainda continua a extrair recursos preciosos do nosso planeta a uma velocidade alarmante, também à mesma velocidade que somos confrontados com a evolução regulamentação europeia para o sector – Recolha seletiva de têxteis, passaporte digital e responsabilidade alargada ao produtor. Enquanto que a solução para esse problema muitas vezes possa estar a ser negligenciada: a roupa em segunda mão.

Recentemente, em termos de legislação europeia, fizeram-se progressos bastantes significativos ao estimular a circularidade na moda, e em tempos de “fast fashion” e de consumo desenfreado, a sustentabilidade emerge como um imperativo como todos sabemos, contudo, abraçar a “segunda mão” como um aliado crucial na busca pela sustentabilidade pode ser também uma solução. Apesar do seu enorme potencial, pois prevê-se que o mercado global de vestuário em segunda mão cresça, em média, três vezes mais depressa do que o mercado global de vestuário em geral, e que já em 2024 represente cerca de 10% do mercado global de vestuário seja constituído por este tipo vestuário/modelo de negócio.

A ‘revenda’ está a começar a crescer globalmente, com muitos dos maiores retalhistas do mundo a adotarem estes modelos de negócio. Embora o preço continue a ser um fator essencial que motiva os consumidores a pensarem primeiro em roupa de segunda mão, as questões climáticas globais aumentaram a consciência do potencial da revenda para reduzir o impacto da moda no ambiente. Ainda estamos nos primórdios da invenção da forma como a revenda pode reduzir o excesso de produção em curso na indústria do vestuário, e não vejo um mundo em que voltemos a ser como éramos antes, mas não há peça de roupa mais sustentável que aquela que já está produzida. Frase que resume bem a grande vantagem ambiental deste modelo de negócio.

Efetivamente é um negócio em ascensão, que em Portugal quintuplicou nos últimos oito anos, como já referi consciencialização dos consumidores, impulsionada por questões éticas e ambientais e também a carteira mais reduzida, alimenta este crescimento exponencial enquanto a indústria tradicional se debate com os desafios da sustentabilidade.

Em Portugal existem perto de nove mil pontos de recolha de roupa usada, onde se recolheram cerca de 26.800 toneladas, muito longe das 200 mil toneladas de resíduos têxteis que foram recolhidos. Uns 4% do total de resíduos produzidos no nosso país.

É urgente retirar valor de toda esta quantidade de roupa e resíduos recolhidos que atualmente acabam em aterro. E se numa primeira fase após implementação da recolha seletiva de têxteis que está em risco não avançar em 2025 como previsto, as lojas em segunda mão são uma excelente opção e após uma boa triagem haverá muito artigo que pode ser revendido, assim como consequentemente haverá muita matéria-prima para reciclar e criar novas peças de roupa.

A indústria ao dar a mão à “segunda mão”, não apenas reduzir o seu impacto ambiental, mas também responder à procura de um consumidor cada vez mais consciente e exigente. É hora de reconhecer que a roupa em segunda mão não é o parente pobre da sustentabilidade têxtil, mas sim um aliado essencial na construção de um futuro mais verde para a moda.

Chegou o momento crucial de reconhecermos que a roupa em segunda mão não é apenas uma alternativa conveniente e muito menos passageira, mas sim uma necessidade imperativa para a preservação do nosso planeta. Enquanto a indústria têxtil se debate com os desafios da sustentabilidade e com evolução de tecnologia e dos modelos de negócio, a roupa em segunda mão emerge como uma luz no fim do túnel. 

É hora de deixar de lado os preconceitos e unir forças para um futuro mais verde e prospero para o vestuário e para o nosso Planeta, porque no fim de contas “O mundo tem que continuar vestir-se, e é melhor reaproveitar o que já foi fabricado do que produzir mais roupas de pior qualidade.”

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