SEM COORDENAÇÃO A RETOMA NÃO SERÁ POSSÍVEL
T51 - Março 2020

Miguel Pedrosa Rodrigues

Vice-presidente da ATP
Q

uando, em janeiro deste ano, o surto da Covid-19 se desencadeou em Wuhan, toda a nossa atenção se focou na mitigação do impacto sobre as cadeias de fornecimento. É difícil acreditar que em apenas de quatro a seis semanas o coronavírus se tenha disseminado por todo o mundo.

Em resultado de ações rápidas e agressivas aplicadas no início do surto (em setores como os transportes e através do isolamento de pessoas e províncias inteiras), o número de infeções na China está em declínio. À data em que escrevo é noticiado o primeiro dia sem qualquer nova infeção, sugerindo que as medidas de contenção terão funcionado, permitindo o restabelecimento de cadeias de fornecimento chinesas e reposição de aproximadamente 75% da capacidade produtiva. Os envios marítimos e aéreos já começaram a mexer desde o início de março, pelo que o pipeline de stock estará novamente operacional.

A produção Euro-Mediterrânica – Turquia, Portugal, Marrocos – está em periclitante funcionamento mas, com a situação a mudar tão repentina e drasticamente, a monitorização e planeamento são um exercício para os mais corajosos, onde o sangue frio e a racionalidade serão preciosos aliados.

De acordo com a OMS, o epicentro da pandemia é agora a Europa, que apresenta mais casos reportados por dia do que a China no pico do surto. As restrições de movimento e fecho de fronteiras são o novo referencial mínimo de contingência.

A situação económica em que nos encontramos é difícil, estando à vista de todos o que está a acontecer com a indústria da aviação, a hotelaria e a restauração. O retalho está em vertiginosa desaceleração e o impacto nas vendas será devastador.

Impõe-se portanto criar, pensar, re-pensar, re-avaliar e ajustar em contínuo os planos de mitigação que tenhamos para as nossas empresas, tanto na perspetiva das vendas, das operações e finanças, como – e sobretudo – das pessoas. Mais do que uma fotografia clara e nítida da posição atual e projetada das produções, é fundamental planear a paragem, o consequente lay-off , o período de férias que potencialmente ocorrerá logo a seguir e, acima de tudo, a coordenação com a restante cadeia de fornecimento.

Se ponderarmos um cenário em que a economia arranca novamente em setembro, teremos provavelmente que ter malheiros operacionais em junho, tinturarias e estamparias em julho e confeções em agosto. Sem coordenação a retoma não será possível.

É essencial que, dentro do planeamento que cada empresa fizer, se assegure a manutenção de uma linha de comunicação com todos os seus parceiros, sejam colaboradores, fornecedores, subcontratados, clientes… Por forma a podermos coordenar um arranque atempado e eficaz das operações no pós-surto.

Uma importante nota final relativa às pequenas confeções a feitio, que merecem especial preocupação. Sejamos claros: sem elas dificilmente há setor da ITV em Portugal. Já foi explicado ao Governo vezes sem conta que um lay-off sem qualquer custo para a empresa e de fácil implementação será provavelmente a única forma de sobrevivência.

Nota: Este artigo foi escrito com base na comunicação trocada entre uma marca internacional de renome e uma fábrica em Portugal.

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