Um acelerador chamado Covid
T59 - Dezembro 2020

José Manuel Vilas Boas

Vogal da Direção da ATP
D

esde há décadas que o sector têxtil é um motor da economia nacional. O caminho não tem sido fácil. Curvas e contra-curvas na estrada, piso irregular… tudo dificulta a viagem. A velocidade de cruzeiro que queremos para a nossa indústria é, por vezes, reduzida perante limitações estruturais; ou acelerada por mercados emergentes e pressões conjunturais. Mas sobrevivemos, fortalecemos a fileira e o motor persiste.

É preciso, porém, saber quais as afinações a fazer. E se temos as peças certas para que o motor continue a funcionar num presente incerto e num futuro tão desafiante. É um contra-relógio que temos que encarar.

Começámos como meros produtores indiferenciados. Com esforço e visão, passámos a parceiros de produção, fiáveis e com vocação para apoio criativo e procurement. Mas abstivemo-nos, salvo raras excepções, do branding, visto como jogo de outro tabuleiro.

É neste contexto que surge a Covid-19. Uma crise que ataca, transversal e simultaneamente, todas as economias. Uma pandemia que ataca um têxtil ameaçado de concorrência feroz, nomeadamente da Turquia, que usa políticas cambiais que Portugal não pode ter; e apostado mais na escala de produção do que aumento de valor-acrescentado.

Chegámos a 2020 com um horizonte cinzento e com muita apreensão. Mas é um tempo de oportunidade. Como outras crises, a pandemia acentua defeitos, mas abre portas. Há que estar atento e afinar motores. E há sinais no mundo online.

Com as restrições ao consumo “físico”, recorre-se mais ao e-commerce. Vencem-se preconceitos e intensifica-se o consumo online que atinge valores previstos apenas para daqui a vários anos. A vida online fornece às marcas dados fiáveis e em tempo real, permite tomadas de decisão mais fundamentadas, mais rápidas. Mais sintonizadas com as preferências do cliente final.

Podemos e devemos integrar o têxtil português neste processo. Novamente, enquanto parceiro das marcas, conhecendo de perto o seu cliente final. Apresentando propostas baseadas no novo mundo da inteligência artificial e do big data.

A tendência para o consumo responsável é, também, de integrar. Com consistência e inovação. Há condições para inscrever o nome de Portugal como líder em estratégias sustentáveis e de economia circular, que respondam ao crescente perfil sustentável do cliente final e resolvam, do lado da produção, a problemática do desperdício.

Podemos e devemos agir com rapidez e foco para sermos cada vez mais relevantes junto dos grandes players internacionais. Aliás, podemos e devemos ser co-criadores. Às marcas internacionais deixamos as dores da criação de conceito, de storytelling, de experiência de compra, etc. A nosso cargo pode ficar (quase) tudo o resto.

Espero que a Covid-19 seja, pois, um acelerador. Um motivo extra para rever estratégias e traçar um caminho que reforce o nosso têxtil no contexto internacional. Há espaço para Portugal ter um papel diferente, que não compete por quantidade, não compete por qualidade; mas antes se eleva a um outro estatuto: o de parceiro industrial co-criador.

Espero que encontremos, pois, um acelerador chamado Covid.

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