Tradição e saber fazer
T46 Setembro 19

Paulo Pereira

Diretor Geral da Singular Têxteis
N

um tempo em que todos querem ser os campeões da sustentabilidade e da responsabilidade social, há que lembrar que a têxtil sempre teve em ambas uma péssima reputação. De certa forma injusta, já que o operário têxtil sempre foi alguém que se sacrificou pelo futuro dos filhos e dos netos e sempre lutou contra as injustiças sociais. Ao mesmo tempo valorizava a competência técnica, a vontade irresoluta de lutar pela empresa, a capacidade de aprender e superar e o orgulho no trabalho bem feito. E foi este espírito que permitiu, e vai continuar a permitir, que a têxtil supere as sucessivas crises, incluindo as políticas, que a certa altura pretenderam ditar a sua extinção.

Um dos maiores desafios do momento está no entusiasmo com que se embarca em sound bites verdes, mas se os problemas do planeta não se resolvem com estratégias de markting, os mercados não se compadecem também com falsas afirmações.

Veja-se, por exemplo, o que se passou com a utilização da fibra de ‘bambu’, que levou a Food and Drug Administration (EUA) a intervir, com multas pesadas e esclarecimentos. A realidade completa é que existem dois tipos diferentes, a fibra de bambu retirada da planta e com características próximas do linho, e uma viscose que utiliza, em substituição da madeira de eucalipto, madeira de bambu. Esta viscose tem de ser marcada como viscose nas etiquetas de composição e vendida como tal. Fibra que sendo uma viscose é altamente poluente.

Existem alternativas melhores no mercado e ao ser vendida como sustentável diz tudo  acerca do produtor e dos seus reais propósitos.

Outra questão que lança confusão e desinformação é o algodão orgânico e a iniciativa do Better Cotton. O cultivo maciço de algodão tem gerado alguns dos maiores desastres ambientais, mas a solução não pode passar pela destruição da diversidade genética.

Patentear as sementes, impedir os agricultores de utilizarem parte da colheita para continuarem a produzir, fomentar a polinização cruzada de algodões orgânicos com algodões modificados é uma irresponsabilidade. Que seria do Douro, orgulho nacional, se durante a crise da filoxera apenas houvesse uma casta?

A diversidade genética é um bem que tem de ser acarinhado e reforçado. O contrário apenas serve os interesses das grandes empresas da agroquímica. Temos de manter o foco no cultivo sustentável de algodão não modificado geneticamente e sem utilização de pesticidas e fertilizantes nocivos.

Os maias tinham as três irmãs, milho, feijão e abóbora, que plantavam em conjunto e que permitiam uma regeneração dos solos e um maior aproveitamento da terra. Em Portugal também houve alturas em que se plantava feijão juntamente com o milho.

Não nos podemos esquecer desses tempos e manter as tradições. A têxtil tem sabido fazer isso e Portugal é reconhecido por saber fazer, saber esse que vem do passado e do orgulho de fazer bem.

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