Teletrabalho: Quando a ocasião faz o “ladrão”
T79 - Janeiro 23

Nuno Cerejeira Namora

Advogado, especialista em Direito do Trabalho
A

partir de 1 de janeiro de 2022, entrou em vigor uma nova lei que, modificando o Código do Trabalho, veio estabelecer o regime do teletrabalho, e tem suscitado uma série de dúvidas no que concerne à sua aplicação prática, dúvidas essas que, na sua grande maioria, resultam do facto de o ímpeto legislativo ter revestido um caráter notoriamente favor laboris

A designada “lei do teletrabalho” criou, efetivamente, um novo paradigma no que toca às condições em que o trabalho pode ser prestado à distância, prevendo, nomeadamente, a necessidade de um acordo para a prestação de teletrabalho que defina o regime de permanência ou de alternância de períodos de trabalho à distância e de trabalho presencial. Este último vem comummente designado como “regime híbrido de teletrabalho”.

Ora, uma das grandes questões que não encontra resposta na lei é saber o que sucede quando o trabalhador incumpre, sem razão justificativa, o regime de alternância fixado no acordo para prestação de teletrabalho. Vamos a um exemplo: suponha-se que um dado trabalhador está obrigado a prestar, semanalmente, dois dias de trabalho em regime presencial e três dias em regime de trabalho à distância (teletrabalho). Este trabalhador, numa determinada semana, decide, motu proprio, prestar funções em regime de teletrabalho durante cinco dias, feito que repete mensalmente. Como pode a entidade empregadora enquadrar este incumprimento do acordo de teletrabalho?

A primeira tentação, até de ordem prática, seria considerar que a ausência do trabalhador do local de trabalho no horário fixado importaria a existência de uma falta injustificada. Porém, não é líquido que assim seja ou, sequer, deva ser. Realmente, oferece dúvidas considerar que existiu uma violação do dever de assiduidade, importando a perda de retribuição, quando, apesar da ausência no local de trabalho, o trabalhador tenha prestado as suas funções, mas à distância.

Não obstante o silêncio da lei, parece que esta questão se enquadra melhor, em termos gerais, na violação do dever de obediência. É a própria lei que salienta a importância de, mesmo no regime de teletrabalho permanente, garantir que o trabalhador não se queda dessocializado, sem quaisquer contactos com a empresa, com os colegas e com os superiores hierárquicos. Nesta medida, a lei obriga, como instrumento de proteção do teletrabalhador, que e entidade empregadora diligencie no sentido da redução do isolamento do trabalhador, promovendo, com a periodicidade estabelecida no acordo de teletrabalho, ou, em caso de omissão, com intervalos não superiores a dois meses, contactos presenciais dele com as chefias e demais trabalhadores. Salvo melhor opinião, não pode o teletrabalhador furtar-se a esta comparência física nas instalações da empresa, por mais que prefira a execução da prestação laboral totalmente à distância.

As entidades empregadoras que adiram ao regime do teletrabalho, em regime permanente ou híbrido, devem, pois, manter-se especialmente atentas e vigilantes, garantindo que os seus trabalhadores comparecem fisicamente nas empresas quando a tal estejam obrigados. Quando assim não suceda, os empregadores têm de, proativamente, lançar mão do seu poder disciplinar, sancionando aqueles que incumpram os seus deveres, de modo a evitar que uma lacuna legislativa se transforme numa verdadeira oportunidade para aqueles trabalhadores que pretendem extremar a flexibilidade trazida pela implementação de um regime híbrido de teletrabalho. 

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