Indústria Têxtil desiludida com o Parlamento Europeu
T84 - Junho 23

Mário Jorge Machado

Presidente da ATP
O

Parlamento Europeu adotou recentemente um Relatório sobre a Estratégia da UE para os Têxteis Sustentáveis e Circulares, defendendo que é necessário intensificar ainda mais a ambição da UE em direção à sustentabilidade e à circularidade, não reconhecendo o papel estratégico da indústria têxtil europeia para aumentar a sustentabilidade, nem avaliando a ameaça competitiva global nem o atual contexto económico que as empresas enfrentam (no meio de uma crise inflacionista, no rescaldo de uma crise energética, com graves impactos no consumo e na confiança das famílias e das empresas), nem reconhecendo que este é um sector muito diverso que, para além do heterogéneo negócio da moda, serve também um conjunto de mercados técnicos com realidades muito distintas. 

A ATP em conjunto com a Associação Europeia do Setor, a EURATEX, tem vindo a trabalhar com a Comissão Europeia na Estratégia que foi aprovada o ano passado para os Têxteis Sustentáveis e Circulares, dando igualmente a conhecer à sociedade civil que as empresas deste setor têm vindo a investir avultadamente na sustentabilidade, no desenvolvimento de processos e modelos de negócios mais sustentáveis, mais responsáveis e mais circulares, continuando a investir na qualidade e durabilidade dos produtos e reduzindo o seu impacto ambiental. 

Sabemos que este novo contexto trará um novo enquadramento regulatório que tenderá a clarificar algumas das práticas em uso mas impondo também novas regras e requisitos que as empresas e os produtos terão de cumprir. Não nos desresponsabilizamos mas é fundamental que as autoridades reconheçam que se as empresas não forem competitivas não há futuro. Estamos a falar de 160 mil empresas, 1,3 milhões de trabalhadores e 169 mil milhões de euros de faturação que poderão estar em jogo.

E o Parlamento Europeu parece não ter avaliado corretamente que sustentabilidade e competitividade têm obrigatoriamente de caminhar de mãos dadas. É necessário um equilibrio entre ambos os objetivos. Não podemos igualmente esquecer que este não é apenas um desígnio para a indústria, é necessário que marcas e consumidores assumam a sua responsabilidade, pois apenas com todos os players envolvidos e comprometidos, nos objetivos e na ação, se poderão dar passos eficazes nesta evolução. Há muito caminho a fazer do lado do consumidor, da procura e da valorização dos têxteis sustentáveis, sendo necessário melhorar a comunicação e a transparência. A inovação, o investimento, o financiamento e a capacitação são igualmente vetores fundamentais para o sucesso desta estratégia. A contratação pública e o comércio eletrónico também não poderão ficar esquecidos neste debate. 

Outra questão que os responsáveis políticos não poderão olvidar é que estamos a falar do mercado único, e não podemos ter um negócio sustentável e circular se os produtos importados não cumprirem exatamente com os mesmos requisitos do que os produzidos na UE. E já sabemos que a fiscalização no mercado dificilmente resolverá o problema – não há recursos suficientes para que seja bem-sucedida e muitos Estados membros não terão vontade de a implementar – a solução terá sempre de passar por outras ferramentas, credíveis, fiáveis, razoáveis, mas sobretudo que garantam a veracidade, a sustentabilidade e a circularidade dos produtos e dos negócios na UE. Tendo em conta os investimentos necessários para se atingirem os objetivos da sustentabilidade e circularidade, termos a garantia de que, de facto, os produtos importados cumprem as mesmas condições dos produtos comunitários, é fundamental para garantir a competitividade da indústria europeia.

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