Eu Gosto de Cor e de Fazer Browsing em Santa Catarina!
T82 - Abril 23

Cristina Rodrigues

Artista Plástica e Arquiteta
H

á dias relia o livro ‘Hungry City. How Food Shapes Our Lives.” (2008) da Carolyn Steel, onde a autora estabelece uma clara relação entre a tipologia e meios de distribuição dos alimentos e a forma como evolui a planta das cidades ao longo da história de modo a responder a estas necessidades. Um dos núcleos basilares da cidade do Porto foi, sem dúvida, o Mercado do Bolhão. Os mercados, supermercados e mercados abastecedores, e os percursos que os alimentos fazem até chegarem a estes pontos de distribuição, moldaram a forma como as cidades foram desenhadas e como evoluíram as suas vias de circulação.

De uma forma análoga, os têxteis moldaram o território rural e urbano. Dos campos de algodão, de linho, e de seda, tingidos com banhos de cor, passando em fio pelos teares manuais e industriais, chegando em forma de tecidos ou peças de vestuário às elegantes lojas da cidade. 

Uma das memórias mais marcantes da cidade do Porto são os passeios pelas Ruas de Cedofeita e de Santa Catarina com o único objetivo de fazer browsing das tendências de moda. Claro que atualmente os percursos que fazia pela cidade para ver as lojas de vestuário, ver as cores dos tecidos, as estereotomias dos padrões e, sentir as suas texturas nas mãos, deram lugar ao browsing no telemóvel ou no tablet onde as imagens perfeitas digitais vendem o produto, e dão, muitas vezes, lugar à deceção de receber por correio, na comodidade da nossa casa, uma peça têxtil com um toque áspero e sintético e uma cor, mais ou menos, deslavada. As lojas físicas eram poesia visual e táctil, onde podíamos experimentar “as modas” nos nossos corpos imperfeitos. Atualmente, somos conquistados por modelos virtuais perfeitos e recebemos uma experiência, por vezes, imperfeita mesmo à porta da nossa casa.

Eu gosto de cor! Azul Klein, vermelho carmim, verde-água, azul-turquesa, amarelo açafrão. A cor transforma os lugares e transfigura as pessoas. As minhas expedições pela Rua de Cedofeita culminavam sempre na Feira dos Tecidos, onde podia ver as sedas, os algodões, as licras, os tules e os fascinantes jacquards. Todas as cores reunidas num espaço, exibidas em enormes cilindros de tecido e as infindáveis caixas com retalhos de vários tamanhos – os restos em promoção. Este lugar oferecia criatividade sem limites. Os tecidos permitem criar todas as formas numa infinitude de cores, padrões e estereotomias.

Precisamente há uma semana, foi publicado na revista Visão o artigo com o título “Retalho Camaleónico” (Campos, 2023), no qual a sua autora defende que: “O papel das redes sociais e dos influencers é cada vez mais relevante na comunicação com o seu público-alvo. A proximidade destes canais a uma audiência seletiva gera uma maior fidelização dos consumidores, uma maior interatividade e capacidade de conversão em vendas.”. Os influencers vendem a ideia de que as suas publicações nas redes sociais podem atingir um publico muito alargado através das partilhas online e a possibilidade de tornar um determinado conteúdo viral. O conceito é que alguém com muitos seguidores nas redes sociais poderá ter muita influência nos gostos e tendências de um grupo demográfico muito desejável – as pessoas, em geral, darão importância ao que as Kylie Jenners do mundo vestem, comem, os locais para onde viajam, a forma como decoram as suas casas, entre outras tendências, e tentarão replicar esses comportamentos. Assim, a autora defende ainda que “(…) as reviews tornam-se incontornáveis no processo de escolha, conduzindo-nos aos restaurantes, a comprar um novo gadget ou a viajar para um destino de férias.”.

O dinheiro envolvido no conteúdo gerado pelo usuário – influencer – tem vindo a contribuir para o surgimento de uma economia de atenção em que todos querem ser uma celebridade. Assim, uma série de anónimos, que se tornaram influencers digitais por auto-recriação, compram milhares de seguidores e likes numa busca incessante para conseguir aquele momento viral que lhes poderá trazer dinheiro e fama. A Joana Marques, com o seu programa de humor “Extramente Desagradável” tem dado um grande contributo para desmistificar a profissão de influencer.

Acima de tudo, os têxteis são uma experiência real. Sentir o conforto de uma t-shirt de algodão, a frescura de uma camisa de linho, ou o deslizar macio do cetim, é algo que todos já sentimos na pele. Nem os posts da Shein, nem nenhum influencer me vão dizer como devo sentir, e, por este motivo, vou continuar a fazer browsing na cidade, percorrendo Santa Catarina e Cedofeita, em busca de sensações e modas expressas em narrativas têxteis. 

Partilhar