T81 – MEDIDAS DA AGENDA DO TRABALHO DIGNO: PROGRESSO OU RETROCESSO?
T81 - Março 23

José Carmo Teixeira

Advogado na Aguiar-Branco & Associados
A

pós meses de votações no Parlamento no âmbito da Agenda de Trabalho Digno foram, finalmente, aprovadas as alterações à lei laboral – alterações essas que visam mudar o paradigma do Direito do Trabalho. Ora, vejamos… 

De entre as várias alterações aprovadas podemos realçar o incentivo que o Estado pretende conceder à contratação coletiva, enquadrando-a no âmbito das suas políticas específicas. O objetivo do Estado é, então,  claro: promover a contratação coletiva, de modo que as convenções coletivas sejam aplicáveis ao maior número de trabalhadores e empregadores.

Recordemos, em termos gerais, que a contratação coletiva corresponde ao processo através do qual os empregadores e os representantes dos trabalhadores negoceiam condições específicas de trabalho, a aplicar à empresa ou ao setor. 

Com esta alteração, o Estado pretende conceder às empresas outorgantes de convenção coletiva recentemente celebrada e/ou revista – considera-se por “convenção coletiva recentemente celebrada e/ou revista“ aquela que tenha sido outorgada ou renovada no período até três anos – mais benefícios, privilegiando-as, por exemplo, no quadro do acesso a apoios ou financiamentos públicos, onde se incluem fundos europeus “sempre que pertinente”, contratação pública e incentivos fiscais. 

Esta é, no entanto, uma medida que acaba por ter um alcance vago e impreciso. É ao Governo a quem cabe decidir quando é que é, ou não, “pertinente” a aplicação de tal critério. Todavia, e ainda assim, é inegável que esta continua a ser uma alteração benéfica para as empresas com contratação coletiva pública, discriminando, porém, no acesso a fundos, aquelas empresas que não pretendam ter contratação coletiva.

No âmbito das alterações aprovadas, uma das medidas que tem gerado mais controvérsia é a da proibição do recurso a outsourcing durante um ano após o despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho.

De acordo com a proposta alvo de aprovação “Não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho”, constituindo, a sua violação, uma contraordenação muito grave imputável ao beneficiário da aquisição de serviços. 

Esta alteração visa impedir o recurso à terceirização para o exercício de funções que poderiam ser asseguradas por trabalhadores despedidos. Desse modo, ainda que esta pretenda, por um lado, combater a precariedade das relações laborais, acaba, por outro, por retirar às empresas a sua capacidade de gestão, flexibilidade e redução de custos. 

Assim, podemos, desde logo, levantar uma questão: até que ponto é que esta proibição não colocará em causa princípios como o da livre iniciativa económica das empresas, sendo, dessa forma, sinónimo de uma verdadeira intromissão na gestão empresarial e, consequentemente, um retrocesso para as empresas? 

Entre estas alterações existem muitas mais. O documento aprovado e que aguarda, agora, promulgação por parte do Presidente da República, para sua consequente publicação em Diário da República, conta com dezenas de alterações à lei laboral. 

As medidas da Agenda do Trabalho Digno trazem consigo diversas mudanças, no entanto as mesmas ficam aquém das expectativas… 

É opinião do Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) que estas medidas “dificultam a vida às empresas e aumentam a burocracia”.

Existe, assim, ainda um longo caminho a percorrer até ser promovida a necessária dignidade do trabalho, e um verdadeiro equilíbrio entre os interesses do trabalhador e da entidade patronal – os desta última que, aqui, parecem estar a ser postos em causa, numa altura em que o paradigma empresarial nacional vem sendo fortemente afetado por um contexto de absoluta incerteza económica e política que tanto o país, como o mundo, atravessam.

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