Semana dos 4 dias: revolução ou hipocrisia?
T78 - Dezembro 22

Nuno Cerejeira Namora

Advogado, Especialista em Direito do Trabalho
O

Governo prometeu levar a cabo um amplo debate nacional e na concertação social sobre a aplicação da semana de 4 dias de trabalho. Curiosamente, no seu programa, o inseriu esta promessa não no capítulo referente à melhoria das condições dos trabalhadores, mas no capítulo referente à natalidade, associando a semana de 4 dias às políticas públicas da natalidade e da conciliação entre a vida profissional e a familiar, na esperança de que crie condições para que as famílias tenham filhos, afastando o espetro que paira sobre a demografia do país. 

À boleia do debate internacional que recrudesceu em 2018, o Governo levou à Concertação Social um projeto-piloto em que a semana de trabalho reduzida começará a ser voluntariamente testada, por acordo entre empregadores e trabalhadores, em Junho de 2023, por um período de 6 meses. 

Em relação a outros projetos-piloto desenvolvidos internacionalmente, com destaque para os apoiados pela ONG ‘4 Day Week Global’ em países como o Reino Unido, o Canadá ou a Austrália, a principal diferença prende-se com a circunstância de a redução de um dia de trabalho não ser necessariamente sinónimo de que não se trabalharão as horas em causa. Só que isto – ou seja, a concentração do período normal de trabalho (horário concentrado) – já está há muito tempo prevista no Código do Trabalho. A semana dos 4 dias de trabalho, se quer ter algum caráter inovador, e não passar de um logro, tem de implicar a redução de um dia de trabalho, mas sem aumento da carga diária, ou seja, sem redistribuição dessas horas pelos demais dias. 

Há, todavia, um aspeto positivo e que obedece ao espírito da experiência: a participação no projeto-piloto não pode envolver para os trabalhadores qualquer perda de remuneração em função do número de horas deixadas de trabalhar, pelo que os salários serão valorizados, por via do aumento do valor remuneratório por hora. Porém, e ao contrário do que acontece noutros países (por exemplo, em Espanha), o Estado não vai compensar as empresas que adiram à experiência pelos custos acrescidos que venham a ter com a mão de obra.  

Por resolver está, ainda, o problema de saber se todas as empresas que participem na experiência ficarão obrigadas a escolher o mesmo dia de descanso semanal. Segundo o coordenador do projeto, PedroGomes, só assim se evita a descoordenação nas economias e nas empresas em resultado do desfasamento de folgas por nunca estar presente uma equipa completa. 

O saldo deste projeto-piloto parece-me, para já, evidente: é uma ideia tão bonita e inovadora, quanto perigosa e desigual, não estando ao alcance de grande parte do tecido empresarial constituído por pequenas e médias empresas. Depois, e esta é a minha principal reserva, trata-se de uma medida revolucionária, mas com efeitos meramente temporários na motivação e produtividade, que voltará a baixar com o normal e natural efeito de habituação ao novo modelo. 

Finalmente, é um projeto-piloto marcado pela hipocrisia porque, querendo ser eleitoralista e populista, apenas pede esforços e sacrifícios ao setor privado sem qualquer compensação, insistindo na desconfiança face à iniciativa privada que, não raras vezes, anda à frente do Estado na busca das melhores soluções de mercado.

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