ROUPA QUE AQUECE
T61 - Fevereiro 2021

Luís Campos Ferreira

Advogado e ex-Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros
O

inverno castigava. O dia escurecia no final da merenda, e logo ficava como breu. Noites longas, dias curtos. Chovia a cântaros, trovejava e por vezes o vento assobiava músicas que os mais fortes ramos das tílias, que se impunham em redor do meu colégio, dançavam com alvoroço. O frio cortava. Magoava. Valiam-nos as lareiras, os aquecedores a gás, a resistência e o ter que ser. Valia-nos o amor de mãe. As suas mãos, a sua paciência e a sua maestria!

Tudo começava com a meada de lã. A primeira tarefa era abri-la entre os dois pulsos e num movimento repetido, e por vezes desconchavado, desenvencilha-la. Nessa tarefa todos podíamos participar. Era o nosso contributo para um futuro mais aconchegado e, nesse momento, percebíamos qual era a cor da nossa camisola de inverno. A surpresa reservava-se ao desenho. E no meu caso à gola. Não gostava de golas que chegassem ao pescoço, picavam como agulhas na pele. Um tormento, a roupa quando picava e fazia comichão. Não era hábito os ganapos reclamarem muito, melhor, nem muito nem pouco. Fazia parte.

Valença do Minho, no meu norte, no meu alto Minho. Terra raiana, cortante nos invernos mas que tinha a delícia do natal e a ilusão das janelas que nos entretinham com temporais que tinham tanto de assustadores como de sonhadores. O circo chegava por essa época. Uma tenda de fantasias que se instalava na zona dos eucaliptos. Tão perto da minha casa como dos meus desejos!

Nestes nostálgicos anos sessenta, lembro-me bem dessas enormes e esguias agulhas de tricô. Agulhas que a minha mãe manejava com talento cirúrgico. Lembro-me bem desses novelos de lã grossa, da atmosfera cúmplice e serena da casa das madrinhas onde a obra de arte era esgalhada com agilidade, amor, ternura…

Que peça de roupa mais marcante podemos ter? Que peça nos pode acompanhar mais pela vida fora que a que sai das mãos da nossa mãe?

Vesti muitas camisolas de tricô de várias cores com diferentes e carinhosos desenhos. Uma delas, castanha clara com cotoveleiras em camurça, ficou-me mais na memória. Durou mais tempo e não me picava no pescoço. Todas elas eram quentinhas. Todas elas me protegeram do gelo dos invernos e do frio da vida. Todas elas  tinham o calor de mãe!

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