Pós crise pandémica e sustentabilidade
T54 - Junho 2020

Isabel Furtado

Vice-presidente da ATP
E

stando o mundo a viver uma crise sem precedentes, quer no tempo quer na sua dimensão, ainda é muito cedo para se tirarem conclusões sobre o impacto real da Covid-19. Uma certeza podemos ter – após a crise pandémica, iremos mergulhar numa crise económica e social profunda, de amplitude global e consequências devastadoras. E, ou nos reorganizamos agora e definimos estratégias de longo prazo, ou vamos ser apanhados desprevenidos, e mais uma vez reagir em vez de antecipar.

E o tema da sustentabilidade é sempre uma questão fundamental que tão depressa se deseja como logo de seguida se menospreza…

Ainda não podemos concluir se os investimentos em sustentabilidade continuarão a ser prioritários no pós ovid19. Existe o grande receio sobre os impactos estruturais deste contágio, a sua magnitude, e a duração no tempo.

Sabemos que, uma recuperação lenta arrasta consigo uma recessão profunda e duradoura, e se assim for, é provável que a agenda para o desenvolvimento sustentável passe, como na crise anterior, para segundo plano nas prioridades das empresas e dos consumidores.

No entanto, está demonstrado que as alterações climáticas, potenciando desequilíbrios nos ecossistemas, aumentam a probabilidade de pandemias e consequentemente a destabilização da economia. Nesse sentido, é essencial que a recuperação tenha em consideração a importância desta temática e a trate estrategicamente, de forma coordenada, e não apenas baseada nos impulsos de alguns.

Mas como em tudo, é importante olhar para além do momento, e aproveitar este para uma reavaliação e desafio na transição da indústria e da economia. Esta passagem, se bem orientada, poderá acelerar as mudanças já em curso. Se nos concentrarmos no que se pode tirar de positivo desta pandemia, estamos perante algumas oportunidades que merecem a nossa melhor atenção.

A oportunidade de orientar a economia para um modelo de produção e consumo mais sustentável, mais responsável e com menores riscos ambientais e geopolíticos. Estamos perante a oportunidade das empresas diminuírem o risco das suas cadeias de abastecimento e ao mesmo tempo desenvolverem relações de negócio localmente.

A possibilidade de potenciar atitudes ambientais, como a pegada ecológica, a circularidade, a utilização responsável e a posterior preocupação com o fim de vida dos produtos.  Estamos perante a possibilidade de relocalizar cadeias de valor com o objectivo de maior desenvolvimento para o nosso tecido económico.

E não menos importante, estamos perante a possibilidade de avaliar o sucesso e a real actuação sustentável que muitas empresas e marcas arrogavam.

Portugal deve utilizar este momento para rever/definir a necessidade de apostar em áreas prioritárias para a Indústria nacional e de repensar a sustentabilidade no seu todo – social, económica e ambiental. E desta forma definir uma estratégia de re- industrialização, com principal foco onde se revelou mais importante manter alguma soberania.

Cada vez faz menos sentido legislar com grandes exigências em termos ambientais, obrigando a uma escolha criteriosa de matérias primas que cumpram com normativos CE, para depois assistir a uma massiva importação isenta das mesmas exigências (e com preços esmagadores), colocando a indústria europeia, sempre em desvantagem.   É um problema já recorrente e cada vez mais pertinente numa economia global.

É fundamental informar e orientar os consumidores para a escolha de produtos com melhor desempenho ambiental e social – movimento que antes desta crise estava a crescer – de forma a que o consumidor opte por uma via mais consciente na sua compra. Doutra forma, o consumidor final irá sempre optar pelo produto de menor custo sem ter questionado em que condições foi fabricado. É necessário abandonar este modelo que assenta na escolha de produtos de baixo custo de compra mas com alto custo ambiental e social.

Sem instintos proteccionistas, mas também sem ingenuidades despropositadas, o impacto da presente crise deverá mudar a nossa perspectiva em favor do fortalecimento e preferência de activos locais, especialmente aqueles que se prendem com a nossa segurança e bem-estar.

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