Pausa ou desglobalização?
T52 - Abril 20

Jorge Pereira

Membro da Direção da ATP
A

pergunta é se estas tendências comerciais, financeiras e políticas que assistimos ao longo dos últimos anos a que chamamos globalização, agora que estão a sofrer o impacto da Covid-19 vão marcar uma nova era ou se não vão passar de um fenómeno transitório.

Será que o mundo da moda vai ter a capacidade de capitalizar com a revolta dos que mais têm sofrido e com o sentimento cada vez maior de um possível responsável ou irresponsável causador de toda esta dor, morte e queda económica?

Há cada vez mais um sentimento de revolta contra a dependência generalizada a que temos assistido nos últimos tempos do made in China. Não só ao nível da moda e dos têxteis técnicos, mas acabamos por descobrir que dependemos em quase tudo, pois qualquer produto acaba sempre por integrar um qualquer componente made in China.

Será razoável o mundo estar nas mãos de um continente que se tem dedicado de forma tão discreta e paciente nos últimos anos a construir uma nova rota da seda?

Todas estas questões deixam muito que pensar. Apesar de não se poder subestimar o poder das forças que têm contribuído para a globalização, a fragilidade da economia europeia tornou-se num fator desta desaceleração.

Agora, talvez tenhamos ganho consciência daquilo que sentíamos, mas como o poder económico é sempre foi mais forte foi-se agindo na negação.

Temos consciência do erro que se tem vindo a cometer ao nível europeu. Fala-se cada vez mais na desglobalização, mas até que ponto vai acontecer? Até que ponto vamos todos ter a coragem de assumir a defesa das empresas europeias, do emprego, da riqueza e criar uma União Europeia unida, forte e industrializada cada vez mais capaz de se auto-abastecer, capaz de gerar solidez económica e social?

Vivemos a oportunidade de fazer voltar à Europa as empresas, as encomendas, as cadeias de valor, mas não de forma temporária. Saibamos todos ter essa coragem de defender e construir o europeu.

Para que possamos sair desta crise teremos de ter a coragem de pensar um projeto nacional, europeu, unificado a longo prazo. Delinear um projeto de industrialização em todos os segmentos, ou acabaremos todos por morrer velhos, cabeludos e falidos, como dizia uma amiga há dias.

Num passado muito recente em qualquer debate político-económico a palavra de ordem era a globalização. Hoje defende-se que desde a crise global financeira em 2008 houve uma inegável mudança nesta tendência. É inegável que existe uma consciencialização cada vez maior de que temos cada vez mais recursos qualificados, prontos a construir, inovar e produzir em todas as áreas. Em poucas semanas o nosso know how conseguiu criar ventiladores de baixo custo, que com o tempo ainda poderão ser melhores, testes para detetar infetados… que a nossa indústria têxtil se reinventou mais uma vez e produz EPI’s, que somos capazes de produzir com qualidade e custos justos.

Provavelmente vamos assistir a uma nova era, a da “ desglobalização”, onde cada país irá lutar pelos seus interesses, onde as empresas terão de ser mais justas e olhar para os seus clientes e  fornecedores como parceiros de negócio.

Na moda, como um pouco por todos os outros sectores, o modelo de negócio irá mudar e mais uma vez vamos ter de nos reinventar, quer pelas limitações em viajar e promover os produtos, quer pelas mudanças na sociedade. Quanto mais não seja, porque o mundo já será diferente.

Tenhamos consciência de que nada mais será como foi.

Partilhar