Paulo Pereira
uem passava todos os dias junto do rio Ave olhava, com tristeza, para o leito lamacento de cor indeterminada e pensava nas horas perdidas de diversão não pode ser contra as políticas ambientais. Quem ouviu dizer que a incidência de cancro do estômago no concelho de Santo Tirso era a maior do país, devido à má qualidade da água dos poços, impregnada com pesticidas e fertilizantes, só pode ser a favor das políticas ambientais. Também quem viu uma geração lutar por melhores condições de trabalho, não pode ser contra políticas de responsabilidade social!
Isto não implica, no entanto, que tudo esteja bem. Apenas quer dizer que nalguns aspetos houve melhorias. Melhorias efetivas. O rio Ave está a passar por um processo de despoluição, a dependência da água dos poços foi muito reduzida e a qualidade da água municipal é de recomendar. Também é certo que podemos olhar para as auditorias de responsabilidade social com algum orgulho, mas ainda com uma ponta de aborrecimento por podermos estar a ser comparados com países de terceiro mundo.
Neste momento vive-se num clima de sustentabilidade e responsabilidade social. Todos pretendem ser campeões e defensores de ambos e a têxtil sempre teve uma péssima reputação em ambos. Uma reputação de certa forma injusta.
O operário têxtil sempre foi alguém que se sacrificou pelo futuro dos filhos e dos netos e lutou contra as injustiças sociais. Ao mesmo tempo valorizava a competência técnica, a vontade irresoluta de lutar pela empresa, a capacidade de aprender e superar e o orgulho no trabalho bem feito. Foi este espírito que permitiu, e vai continuar a permitir, que a têxtil supere as sucessivas crises, incluindo as políticas, que a certa altura pretenderam ditar a sua extinção.
Um dos maiores desafios do momento é o entusiasmo com que se embarca em sound bites verdes. Entusiasmo reforçado pela necessidade de justificar projetos e alimentar modas. Mas os mercados não se compadecem com falsas afirmações, mesmo que movidas por boas intenções, e com certeza o planeta também não.
Outros temas do momento são a reciclagem e o excesso de plástico. A reciclagem do algodão não será a melhor das ideias, já que o resultado é um produto de qualidade inferior e com uma pegada de CO2 superior. Não podemos esquecer que cultivar plantas permite a redução do mesmo e caso utilizemos práticas sustentáveis e produção local estaremos a promover a redução do CO2 de uma forma mais efetiva do que reciclando.
Mas a verdadeira questão que se coloca com a reciclagem – e reciclar é positivo, reutilizar é óptimo e só podemos estar de acordo com políticas e práticas que aumentem as suas taxas de execução – é que estamos a retirar o foco do problema. Temos uma sociedade que, desde a segunda guerra mundial, se sustenta no aumento do consumo. Se juntarmos a isso a invenção de uma embalagem barata e descartável que dura para sempre, temos um problema gigantesco.
Reciclar reduz o problema, mas a solução não pode ser essa. A solução é terminar com o conceito de obsolescência programada, a solução é permitir às pessoas repararem o que compram, tornando-as verdadeiras possuidoras do que adquiriram.
A solução é produzir com qualidade durável, peças intemporais de bom gosto e próximas dos mercados consumidores. Nisso a têxtil nacional, se souber manter e acarinhar as pessoas que nela trabalham, contribuirá para o futuro de todos.