O síndrome de Imelda Marcos
T2 Outubro 2015

António de Souza Cardoso

Consultor HOP
T

odos nos recordamos de Imelda Marcos, essa incrível personagem da política filipina, conhecida por mandar no marido, como efectivamente fazem boa parte das nossas mulheres, e por deter um número insignificante de pares de sapatos – 3000, como gostariam de ter boa parte das nossas mulheres.

Eu, que tento fugir à categoria de “pau mandado”, já não tenho tanto sucesso em controlar o ímpeto monstruoso de Imelda Marcos que se instalou no cérebro da minha mulher. Fico mais convencido disso quando em casa procuro alguma coisa e pondo-me no heróico exercício de abrir armários me caiem dezenas de sapatos em cima da cabeça.

Tudo isto para conferir que o sapato é, pelo menos no imaginário de muitas mulheres (o metrosexualismo pode ter alargado o problema), uma peça de moda incontornável.

Mas nem que a maioria das mulheres portuguesas fosse violentamente atacada por este síndrome, continuo a não ver razões para a “deusificação” que se fez do sector quando se fala de crescimento, inovação e exportação. Nem muito menos que o calçado, como se nos subisse pelo corpo acima, vá tomando conta e presença nas atenções dadas à moda portuguesa.

A verdade é que se apanharmos um incauto deputado, vereador de câmara ou mesmo secretário de Estado ou Ministro e o interrogarmos sobre um sector em amplo desenvolvimento a palavra mágica que dormia com Imelda Marcos aparece num ápice – “calçado”.

E isto tem mérito indiscutível, feito das empresas portuguesas de calçado e, em especial, da única associação que as represente.  Mas também resulta do facto de o sector ter sabido criar o seu ego, afagá-lo diariamente, em campanhas de imagens nacionais e internacionais bem-feitas e muito bem sucedidas, numa relação benigna e atenta com a imprensa e, claro na promoção de novos designers e na aposta segura pela inovação e pela qualidade.

Mas este mérito não chega para confundir a árvore e a floresta. Quero dizer, apesar de muito mais concentrado na incorporação de valor dos seus produtos, na tecnologia e investigação, na sofisticação das matérias-primas, na refinação do design, no estudo do ponto de venda e dos mercados do futuro o sector têxtil, se calhar por não ter as “biqueiras” dos sapatos, não se soube ainda pôr em “bicos de pés”.

Reclamando para si a posição de domínio que detêm no universo da moda. Mesmo as nossas mulheres não dizem de ninguém depois de um encontro social qualquer que esta ou aquela “estava bem calçada” dizem que estava (ou mais provavelmente que não estava) bem vestida.

E isto que é pueril tem, claro, uma representação grande quer no número de subsectores e empresas que constituem a fileira têxtil, quer na expressão das suas exportações.

Nada disto tira os méritos referidos do sector do calçado, antes sugere que as mesmas políticas públicas de promoção internacional sejam feitas pelo sector têxtil e que o seu associativismo retome o processo de fusão que iniciou há alguns anos, com tanto sucesso.

Numa palavra. Não se podendo pôr em bicos de pés, sem que as unhas se magoem, vamos pôr um chapéu alto de gala no nosso sector têxtil para que todos, com justiça lhe possamos, justamente “tirar o chapéu”!

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