O mito de que o português produz pouco
T57 - Outubro 2020

Noel Ferreira

Vice-Presidente da ATP
H

á uns anos atrás, estava num seminário em Guimarães. O palestrante era designer e contou uma experiência muito elucidativa: era expositor em Paris e o stand era muito visitado. Tratava-se de cortiça, setor onde Portugal é líder. Um visitante estava fascinado com o produto e perguntou de onde vinham. “Somos portugueses” ao que a resposta foi “para portugueses, são muito caros” e saiu.

E se fosse alemão ou francês? Resumindo: o mesmo produto não tem o mesmo valor, consoante a origem. Aqui temos a perceção do valor do produto. A partir de abril de 1974 Portugal encetou um caminho de crescimento e o setor têxtil foi o espelho desse progresso. Chegou a mais de 20% das exportações nacionais. Porém, fomos e somos ainda grandes especialistas em private label (produzir para marcas que não são propriedade do produtor) mas cada vez mais distanciada dos quase 100% de outrora.

Para quem está familiarizado ou minimamente informado, sabe-se que a relação do preço entre a saída da fábrica e ao consumidor (markup) começa em 2,2 e pode ir a mais de 8, embora com o IVA incluído. Se o nosso produto é vendido a 10 e revendido por 40 numa loja qualquer do Mundo, temos um markup de 4, o que é muito corrente. Para onde vão os 30? Aí está a grande diferença. A detentora da marca tem com certeza uma estrutura que custa dinheiro e também retira o proveito, não fosse esse o objetivo de qualquer empresa seja ela de qual ramo for. Fica também o IVA para o fisco. Não está aqui em causa se é justo um markup de 4. Até pode ser insuficiente em alguns casos. O que interessa reter é que quem compra a matéria prima e produz tem uma pequena participação no preço. Aqui chegados, vamos a contas: quem faturou mais? Aquele que vendeu a 10 ou 40? Obviamente que é este. Assim a produção é medida e assim conta.

Sendo a concorrência interna muito grande, a Turquia e Extremo Oriente mais fortes ainda, quem determina o preço não é o produtor. É o cliente pois ele decide onde encomendar. Um dos desafios do privat label é ser melhor que a concorrência, mas não pelo produto pois esse é determinado pelo cliente. Ser tomador de preço é assim a triste sina da maioria das empresas.

A diferenciação pela especialização, pelo serviço, pela qualidade e alguns fatores mais constituem o que de bom se tem feito e daí Portugal ser bom no setor têxtil. Porém, só o avanço na cadeia de valor vai poder conceder ao empresário português o estatuto de gerar valor.

Quando os tais 40 forem faturados aqui, os números vão subir. Até lá, há que investir nas marcas para podermos arrecadar a margem de comercialização nas fases seguintes do negócio. Esse trabalho é longo e requer uma estratégia de longo prazo e que pode muito bem ultrapassar uma geração. No entanto, a pandemia alterou o panorama da distribuição por via da alteração do perfil do consumidor. As vendas online aceleraram e há uma janela de oportunidade para novos negócios. Assumamos que ser produtor é uma mais-valia e que podemos ter uma posição de charneira. A ideia de que “o trabalhador português produz menos que a maioria dos europeus” é, assim, um equívoco.

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