O FUTURO DA ITV PORTUGUESA
T54 - Junho 2020

Paulo Vaz

Ex-editor do T e Diretor da Áreas de Negócio da AEP
A

indústria da moda, que conhecíamos, já estava em crise antes da pandemia do Covid 19, mas esta acelerou exponencialmente o processo de transição em curso. O problema é saber para onde nos está a conduzir esta transformação. Não sei e desconfio que ninguém sabe.

Os modelos de negócio de “fast fashion” ou “low cost fashion” encontravam-se já ameaçados pelas novas tendências do momento, nomeadamente a da sustentabilidade, que compreendia temas como a proteção ambiental e a responsabilidade social, algo difícil de compaginar com a produção massiva de produtos baratos em países onde este paradigma não é sequer considerado.

A pandemia do coronavírus obrigou a enfrentar a crueza dos factos e a redefinir políticas, especialmente na Europa. De repente, face ao surto inesperado e de rápida propagação da doença, os países, mesmo os mais desenvolvidos, acharam-se sem qualquer reserva estratégica de equipamentos de proteção individual, em artefactos tão simples como máscaras ou batas cirúrgicas, já para não mencionar ventiladores ou álcool gel para desinfeção. A dependência do Oriente, principalmente da China, destes artigos era quase total e rapidamente se percebeu que perigosa e intolerável, porque custou vidas. Muitas vidas.

Os programas de recuperação da economia e o quadro plurianual que a União Europeia irá aplicar em breve, contêm claramente a opção pela reconstrução das cadeias produtivas de proximidade em áreas estratégicas, em que a saúde, a proteção e o agroalimentar obviamente se destacam, sempre sob o pano de fundo do “green deal” e da economia digital. Isto vai trazer oportunidades interessantes para países como Portugal, que possui uma base industrial desenvolvida e com potencial para crescer. Resta esperar que sejam essas também as escolhas políticas do governo nacional.

Regressando à indústria têxtil e vestuário portuguesa, já no passado tinha antecipado a inevitabilidade de uma profunda reestruturação, maior ainda do que realizou na primeira década deste século, que agora se acha reforçada pelas circunstâncias. Muitas empresas irão desaparecer e muitos empregos serão eliminados, caso as empresas não realizem mudanças drásticas na sua estratégia e na sua gestão. Fazer mais do mesmo e esperar que após a crise iremos regressar a 2019, como se nada se tivesse passado e sem disso recolher qualquer ensinamento, é a fórmula certa para o desastre.

Nunca como agora se vai exigir resiliência, capacidade de inovar e de diversificar, de incorporar valor pela diferenciação tecnológica e criativa, ousadia a abordar os mercados internacionais e com maior sentido de risco. Contudo, “a pedra de toque” será indiscutivelmente a capacidade de cooperar, de ganhar escala, através de fusões, aquisições ou acordos entre empresas. Ficar pequeno pode ser interessante numa lógica de flexibilidade de atelier, mas jamais permitirá ter músculo financeiro para comprar e vender melhor, ter capacidade de investimento e de presença internacional. A grande questão estará, como sempre disse, na escolha entre morrer sozinho ou crescer acompanhado.

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