O FUTURO BRILHANTE DEPENDE MAIS DE NÓS DO QUE OUTROS
T56 - Setembro 2020

Paulo Vaz

Assessor Direção da ATP
O

ano de 2020 será recordado não apenas como o da pandemia, mas como o acelerador da História, que irá moldar todo o resto do século XXI. Havia muitas coisas em que já percebíamos a mudança, mas o seu ritmo, relativamente lento, permitia-nos digerir a transformação e, sobretudo, adiar muitas das ações que nos obrigavam a acompanhá-la.

A indústria da moda está incluída forçosamente neste universo em alteração. Há cerca de três anos o consumo de artigos de moda encontra-se em queda nos países desenvolvidos, fruto da profunda mudança de hábitos de consumo, especialmente das gerações mais jovens, sensíveis às questões da sustentabilidade e da responsabilidade social. Ou seja, a indústria da moda, à escala global, estava a enfrentar um problema sério e estrutural, à escala global, e a pandemia do COVID 19 apenas o tornou mais visível e urgente a sua consideração e solução.

Para a indústria têxtil e vestuário portuguesa, um paradigma pós-Covid apresenta uma rutura definitiva com um passado em que o custo minuto do trabalho ainda subsistia, muitas vezes numa lógica a roçar a ilegalidade quando não mesmo a habitar na informalidade. Esse tempo acabou e, por muito que custe a alguns, ainda bem.

Também é certo que o tempo pós-Covid, como em todas as crises, especialmente as mais graves e disruptivas, vai trazer muitas oportunidades e haverá muitas empresas e empreendedores, provavelmente ainda nem sequer constituídas no tempo em que escrevo estas palavras, que as saberão aproveitar. Na economia, como em tudo no mundo, já dizia Lavoisier, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. A ITV portuguesa não vai desaparecer, talvez emagrecer um bocadinho, mas permanecerá dinâmica, ativa, inovadora e criativa, como sempre o tem sido ao longo das últimas décadas, sobrevivendo sempre, regressando sempre, mais forte, mais moderna, mais global.

Há, contudo, que ter presente que nada do que atrás referi se fará sem dor e sem esforço. As empresas terão de se reestruturar para seguirem em frente, destruindo empregos e capacidades produtivas, que não voltarão jamais a ser usadas. O mundo exigirá outras coisas e o mercado, como sempre, comandará a mudança. Importa não esquecer que a sustentabilidade só se tornou “mainstream” nos negócios da moda quando entrou pelos departamentos comerciais das empresas.

Há que estar atentos, mais do que nunca, aos sinais que serão transportados para os departamentos de compra e os departamentos de venda das organizações, às tendências na moda e no consumo, que mais cedo ou mais tarde, regressarão às feiras e às “fashion weeks”, assim como aos centros de inovação tecnológica que assistem o sector, como as universidades e os centros tecnológicos, pois irão ganhar peso e espaço enquanto “trendsetters” no sistema.

Portugal tem uma indústria têxtil e vestuário posicionada como nunca para capitalizar os seus ativos e argumentos nos anos que virão, mas sem organização, união, investimento assertivo, capacidade de continuar a apostar na inovação e criatividade, com um propósito estratégico e de “cluster” , tudo se perderá, pois existem outros países concorrentes que, melhor ou pior, estarão atentos às nossas fragilidades para delas se aproveitarem, tal como já nós fizemos no passado com tantos outros.

O futuro pode ser brilhante, mas o sucesso depende mais de nós próprios do que dos outros.

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