O ano em que o PRR tem de chegar à economia
T80 - Fevereiro 23

António Saraiva

Presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal
P

or mais bem informados que estivéssemos ou por mais imaginativos que fossemos, nenhum de nós poderia antecipar um ano como o de 2022. Até a guerra voltou à Europa com a invasão da Ucrânia pela Rússia — martirizando o povo ucraniano — e com ela sofremos o monumental impacto provocado por esta agressão. O conflito infetou rapidamente a economia global e elevou a inflação a um nível como já não havia registo em Portugal há três décadas: a rondar os dois dígitos.

O ano que terminou foi de grandes incertezas e dificuldades para os empresários. Vimo-nos confrontados com a escalada do preço do gás natural, da eletricidade e dos combustíveis — na verdade, a subida atingiu a generalidade da estrutura de custos. A esta alteração súbita e profunda juntou-se o abastecimento intermitente de matérias-primas e a escassez de mão-de-obra, o que causou grandes dificuldades de produção.

Olhando para os valores agregados de 2022, para Portugal até poderia parecer que a situação é positiva, com o Governo a estimar um crescimento de 6,8%, com a dívida pública a cair e o défice orçamental a reduzir-se. A resiliência do mercado de trabalho foi mesmo um aspeto determinante para ultrapassarmos o impacto da Covid-19, com o desemprego a baixar até aos 5,9%. Contudo, nos últimos meses tem havido uma deterioração e o INE acaba de anunciar que, em novembro, o desemprego já tinha subido para os 6,4%. Certamente um sinal a ter em conta.

Mas o número relativo do PIB e o brilharete com as finanças públicas, bastante empoladas pela inflação, não podem fazer esquecer que Portugal foi dos países que mais caiu em 2020 — menos 8,4% do PIB, por efeito muito pronunciado dos confinamentos e da quebra da mobilidade e, consequentemente, do turismo. Mais: sabendo-se que a Covid-19 constituiu um choque exógeno que afetou o mundo inteiro, as respostas foram diferentes de país para país, com esforços orçamentais distintos, o que implicou que as economias recuperassem a diferentes velocidades.

Num relatório recente do FMI, confirma-se que, entre as economias avançadas, Portugal foi dos países onde os apoios públicos foram mais limitados. O FMI reporta um contributo de 5,7% do PIB de 2020 em Portugal, enquanto a média da UE foi de 6,7%, tendo Espanha atingido os 14,4% e a França aos 15,2%. No nosso país, as empresas foram empurradas para moratórias e novos instrumentos de dívida, ainda que com garantia de Estado, que agora são particularmente penalizadoras por causa do aumento das taxas de juro.

A verdade é que Portugal não sai bem deste período e continua a deixar-se ultrapassar na União Europeia por outros estados-membro, sem aumentos significativos de competitividade, com as empresas a esforçarem-se por resistir e sem a possibilidade de aumentos sustentáveis de rendimentos. 

Portugal não precisava apenas de recuperar da Covid-19, tinha mesmo necessidade de se transformar — infelizmente, 2022 não foi o momento da viragem necessária. Tenho a convicção profunda de que Portugal não pode assistir passivamente à confluência dos factores exógenos – desde o impacto da Covid-19 às consequências da Guerra na Ucrânia – e não reagir em relação ao que estruturalmente está mal no nosso país e atrasa o desenvolvimento. 

Assumidamente, o Acordo de Competitividade e Rendimentos assinado no início de outubro pelo Governo, as Confederações Patronais e a UGT constituiu um instrumento de política económica e social muito importante. O compromisso plasma uma série de matérias estruturais para o país e transmite uma mensagem tão positiva como relevante: a estabilidade e previsibilidade das políticas públicas e a sua coordenação com os agentes económicos são fatores diferenciadores essenciais. 

A concertação social surte e/surtiu efeitos e deve ser tida como essencial no processo

do nosso desenvolvimento coletivo. Apesar desta evolução, constatamos que perturbação social voltou a agravar-se. Todos os dias, cidadãos e empresas são confrontados com greves e anúncios de greves que paralisam serviços públicos e parecem ter uma motivação sistemática que extravasa a defesa direta do interesse dos trabalhadores e não contribuem para a recuperação da economia.

Pela parte da CIP, as questões estão claras e sabemos exatamente quais os problemas que se colocam às empresas portuguesas e as políticas públicas necessárias. A inflação e as taxas de juros, o PRR e o PT2030, as condições do mercado de trabalho, o Acordo de Competitividade e a reforma da Administração Pública são elementos essenciais a ter em conta para que a economia nacional retome a convergência com a UE. 

Caro empresário, caro colega:

Dentro de algumas semanas termina o mandato dos atuais órgãos sociais da CIP e termina também este ciclo de 12 anos em que tive a honra de presidir aos destinos da Confederação Empresarial de Portugal. Estes mandatos atravessaram um período muito especial da nossa história comum, com Portugal a ser confrontado com desafios (para usar um eufemismo) novos e muito duros. Assim, recordo que exerci as funções de Presidente da CIP em circunstância em que Portugal foi intervencionado pela troika, tivemos uma crise do setor financeiro que levou à falência de bancos de referência da economia nacional, fomos confrontados com uma governação de apoio sui generis em termos parlamentares que preteriram a concertação social em favor da maioria parlamentar. 

Mais recentemente, tivemos a pandemia de Covid-19, a maior recessão dos últimos 100 anos e, como referi atrás, a guerra que regressou à Europa. Tempos muito difíceis que exigiram da CIP ponderação e firmeza, mas também capacidade de resiliência e espírito de diálogo, reforço das competências internas e da capacidade de intervenção pública.

Foram 12 anos de grandes mudanças em Portugal e no mundo. Estamos hoje mais fortes e penso que posso afirmar que a CIP esteve sempre do lado certo da história, esteve sempre à altura das suas responsabilidades e com um posicionamento proativo em defesa da iniciativa privada, das empresas e do desenvolvimento do país. 

A CIP soube afirmar-se internamente e é respeitada internacionalmente. O nosso envolvimento e peso nas organizações europeias a que pertencemos atesta esta nossa força e empenho.

Muito fizemos nestes 12 anos, e aproveito para agradecer o esforço e dedicação de todos, seja como empresários, seja como parte integrante desta grande organização que é a CIP. Fizemos o que devíamos, mas Portugal está ainda longe de ser um país amigo das empresas e atrativo para o investimento. 

 

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