Paulo Vaz
as últimas duas décadas, a Indústria Têxtil e Vestuário portuguesa foi do inferno ao céu, para ser novamente projetada no abismo.
Depois da liberalização do comércio internacional e a ascensão da China como player à escala global, reinventou-se para sobreviver, alterando os fundamentos da sua competitividade, apostando na diferenciação e não exclusivamente na eficiência operativa e no preço. A ITV estava no limiar de uma segunda e profunda mudança, ditada pela sustentabilidade, que se tornou mainstream, entrando nas empresas pelos departamentos comerciais. Se o mercado exige, há que responder.
A indústria da moda, nos países mais desenvolvidos e com mercados maduros, estava em finais de 2019 a viver uma crise sem precedentes, pois a quebra sistemática nas vendas das principais marcas de moda tornou-se indisfarçável e a clamar soluções. As mudanças de hábitos de consumo nas gerações mais jovens explicam o fenómeno: maiores preocupações ambientais e com as condições de trabalho nos países produtores, utilização mais prolongada das peças, e a diversificação na aplicação dos rendimentos.
Esta mudança em curso estava a impactar nos modelos de negócio de fast fashion, principais clientes do setor têxtil e vestuário português, que se obrigaram a realizar alterações profundas, pois viram ameaçado o seu futuro. A solução, para muitas das marcas, foi maior investimento no comércio eletrónico e em mercados emergentes de rápido crescimento e de escassa sensibilidade ambiental e social, como o Extremo-Oriente, onde as perspetivas de expansão são ainda exponenciais, com penalização para os negócios na nossa indústria local.
Entretanto, chegou a pandemia da Covid-19 e todo o jogo voltou a ser colocado em causa, até porque, em muitos casos, esta funcionou como um acelerador da História, inflando tendências já em curso e fazendo emergir novas oportunidades. Em concreto: a pandemia fez disparar a digitalização do negócio da moda, criou disrupções na cadeia de valor e de fornecimento dos produtos têxteis e de moda, cuja produção se localiza a milhares de quilómetros, além de colocar em questão da pegada carbónica no transporte de mercadorias, que podem ser baratas para o consumidor final, mas cujo impacto ambiental é insuportável para o planeta.
Tudo isto acrescido da necessidade de se criarem reservas estratégicas de produtos, nomeadamente de proteção sanitária, algo que foi dramaticamente visível nos primeiros meses da pandemia na Europa, recolocando a discussão da necessidade por uma indústria de proximidade nos países mais desenvolvidos, potenciando políticas de reindustrialização que privilegiem a inovação, a digitalização e automação dos processos e a economia circular. Estes são os eixos de toda a política europeia até 2030 e condicionarão todos os investimentos a apoiar pela U.E., seja pelo PRR – Programa de Recuperação e Resiliência, seja pelo novo quadro plurianual, que virá substituir o atual Portugal 2020.
Este é o desafio maior que a ITV tem para esta terceira década do século. O mundo pós-Covid mudou muito e vai mudar mais ainda. A indústria da moda será ainda mais exigente pelo que, para a têxtil e vestuário portuguesa, não restarão muitas opções: mais profissional, mais exigente na sua gestão, mais capitalizada, mais capaz de inovar e surpreender, mas, sobretudo, ter a consciência que, com a pequena dimensão que a generalidade das empresas do setor possuem, não há alternativa do que escalar, através de fusões e aquisições ou de acordos entre empresas, que permitam ter dimensão para competir. Se as empresas não tiverem a humildade e a capacidade para poderem cooperar, ganhando todos, o destino é o orgulhoso isolamento, um inevitável definhamento e um fim sem qualquer glória.
A ITV portuguesa sempre sobreviveu aos desafios mais extremos, surpreendendo pela capacidade com que resiste, reconstrói e adapta às novas realidades. Desta vez não será diferente, apenas mais difícil e mais implacável para aqueles que recusam à mudança, obstinando-se me fazer desta um obstáculo em vez de uma ponte para o futuro.