Formação… ou não?
T69 - Janeiro 22

Noel Ferreira

Vice-presidente da ATP
N

o início do Século XX, a taxa de analfabetismo era de 75%, em 1950 era 40%, e em 1970, 25%. No Portugal moderno, civilizado e democrático era de 5% em 2010. Estes valores são aproximados e suficientes para notar a evolução da literacia dos portugueses mas não se pode dizer que foi rápida. O conceito de escolaridade foi sempre relativizado no bom sentido: se há 100 anos saber ler era bom, hoje será pelo menos com o 12º Ano completo. A obrigatoriedade do secundário até ao 12º Ano desde 2009 alterou o panorama educativo e deu uma machadada no trabalho infantil, que já era incipiente. Também habilita muitos alunos a “espreitar” a Universidade que não quereriam com o 9º Ano pois uma vaga de trabalho estava aí perto.

Uma vez vencida esta etapa da obrigatoriedade, vem a Universidade. Se o aluno chegar ao fim, vem o trabalho com canudo. Para aqueles que não entraram ou desistiram a meio, trabalho à mesma pois esse é o destino transversal a todas as classes, com algumas exceções, como não poderia deixar de ser.

Mas será que, com diploma ou não, se está apto a entrar à velocidade cruzeiro na atividade em que se começa? Até pode ser que sim (lá vêm as exceções), mas na maioria dos casos não. Outros casos há em que a incipiência do curso limita o desempenho do estreante na sua tarefa. O défice de conhecimento pode ser tão grande que a sua formação de base em pouco ajuda. 

Quem não se lembra que o Eng. Belmiro de Azevedo era um gestor que deixou a sua grande marca em Portugal e era licenciado em Química? Mas também não é menos verdade que, com mais de 35 anos foi estudar Gestão de Empresas em Harvard e não se ficou por aí. Quando um jovem estudante de Medicina pode finalmente passar receitas depois do Juramento de Hipócrates, tem 1 ano de internato mais 4 a 6 anos de especialização pela frente. Essa especialização é feita em contexto real/hospitalar. E para desempenhar uma tarefa especializada numa atividade que requer competência na sua execução, não merece algum tempo de especialização? 

Aí entra a formação que nem todos valorizam. Talvez por isso todas as empresas sejam obrigadas a consagrar uma parte do horário laboral em formação. Essa medida foi implementada há alguns anos e pode ser que tenha um impacto similar ao de 2009, quando se passou à obrigatoriedade de 12 anos de escolaridade. 

Aqui chegados, coloquemos a seguinte questão: há cursos completamente apropriados a cada profissão de cada ramo de atividade? Não há mas convinha. Já que se gasta tempo (leia-se dinheiro) por imposição legal, há que transformar esse constrangimento em oportunidade. Formar para trabalhar pode encurtar anos de prática. Trabalhador valorizado pode ganhar mais. Pode mudar para outra empresa que lhe reconheça mais valor. Passaremos a ter mais competência e menos trapalhice.

As empresas que necessitam de recursos qualificados podem e devem procurar formação junto das instituições de formação. Há tarefas simples que podem ser mal executadas só porque o operador(a) aprendeu de uma forma errada. Por que não dedicar algumas horas na fase inicial da aprendizagem e reforçar alguns meses ou anos mais tarde. Por outro lado, é necessário formadores com conhecimento de qualidade e comprovado ao que se junta aptidões pedagógicas. Essas podem ser adquiridas numa formação. Não é preciso ter formação académica, basta ser conhecedor na matéria em que se propõe dar formação.

Como disse Robert Orben, “se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância”.

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