Fiquei a pensar no meu país…
T26 Novembro 2017

Braz Costa

Diretor-geral do CITEVE
A

digitalização da manufatura, chamada genericamente indústria 4.0, é um tema visto pela indústria têxtil e do vestuário em Portugal como um comboio que dificilmente conduziremos mas que, ao mesmo tempo, não podemos deixar de apanhar.

Nas páginas do Jornal T, já tive oportunidade de defender que não sendo Portugal um país à partida posicionado como origem das tecnologias de produção que levarão à digitalização da manufatura, será obrigatoriamente um early adopter, porquanto a nossa competitividade, sobretudo nos processos de confeção, dependerá sempre de elevados níveis de produtividade física.
Em inúmeras conversas que tenho mantido com empresas portuguesas, este conceito é geralmente abordado com alguma distância, mas com expectativa e curiosidade.

As empresas adotam geralmente uma posição de espetadoras, à espera que os fornecedores de bens de equipamento lhes venham propor soluções, para então avaliar eventuais investimentos. É cauteloso e, nessa medida, não estará errado este posicionamento. Idêntico posicionamento tenho encontrado em conversas com empresas de outros países europeus, perfeitamente alinhadas com o sentimento português.

No entanto, há cerca de duas semanas tive oportunidade de conversar em simultâneo com o CEO da gigante chinesa Esquel e com o diretor-geral da, também gigante, alemã Hugo Boss sobre indústria 4.0 aplicada a operações de confeção, até à completa automatização da confeção. Não poderia ter melhores interlocutores quer pela sua excelência profissional, quer pela dimensão das suas empresas, mas também pela diferença das suas localizações geográficas.

Bem sei que o leitor se estará a interrogar sobre a motivação que terão estas duas empresas no conceito da indústria 4.0, já que a primeira tem origem num país de mão de obra ainda relativamente barata, porventura não muito preocupada com o peso no custo do trabalho, e a segunda tem origem num país que não apostará especialmente em operações de confeção no seu país, dados os elevados custos da mão de obra local.

Ao contrário, ambas as empresas apresentaram os seus desenvolvimentos ao nível da automatização completa de operações de confeção, devidamente suportadas por vídeos das suas instalações piloto, onde se pode constatar ser já possível confecionar alguns tipos de peças sem intervenção de mão de obra, recorrendo a sistemas intensos em cabeça de obra.

Conclusão: estas duas empresas são verdadeiramente early adopters, mas não ficaram à espera que os produtores de bens de equipamento lhes viessem propor soluções. O que tem em comum estas duas empresas é que decidiram avançar com instalações piloto completamente automatizadas, definindo os seus objetivos, envolvendo-se no desenvolvimento de conceitos, e chamando ao processo os fornecedores de bens de equipamento para desenvolverem sistemas especialmente adaptados às suas visões.

Fiquei a pensar no meu país…

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