Aprendizagens pandémicas
T63 - Maio/Junho 2021

Hélder Rosendo

Membro do Conselho Consultivo da ATP
A

crise pandémica tem afetado toda a cadeia de valor do têxtil e vestuário, mesmo em segmentos que se pensou estarem menos expostos ou onde se imaginou que a retoma da atividade pudesse ser mais imediata. De acordo com a Euratex, o volume de negócios do têxtil e vestuário Europeu caiu perto de 20%. De acordo com a Mckinsey, mesmo marcas globais já com presença consolidada e consistência no comércio on-line, têm assistido a retomas mais tímidas ou continuam com quebras significativas nas vendas.

É absolutamente inquestionável que o comportamento do consumidor face à moda mudou, que os racionais por trás da decisão de compra mudaram, que novos valores se levantam e que outros ganham nova importância relativa – essa é a primeira aprendizagem que devemos retirar desta crise. Aprendemos definitivamente que já não se vende, nem se comunica da mesma forma, que a informação sobre o produto é agora muito mais relevante e que há toda uma nova tribo de consumidores que não quer regredir no que toca às suas exigências na compra.

Outra aprendizagem que esta crise pandémica veio confirmar foi a excessiva dependência externa da Europa, tanto em termos produtivos como em termos de matérias-primas. O estudo prospetivo publicado pela UE sob o título “Critical Raw Materials For Strategic Technologies and Sectors in the EU”, mostra bem os níveis de risco de fornecimento em sectores e tecnologias estratégicas para a economia europeia. Este mês foram várias as notícias de paragens de produção em empresas nacionais por falta de semicondutores fornecidos maioritariamente pela China e por Taiwan…

Recordemos o que aconteceu mal começou a corrida à produção de máscaras, em que a “caça” aos materiais certificáveis para as respetivas normas (FFP2/N95) colocou uma pressão inédita sobre os tecidos não tecidos de PP, produzidos maioritariamente por tecnologia melt-blown, evidenciando imediatamente uma ponta deste iceberg.

Pensando na ITV, parece-me que deveríamos ter iniciado mais cedo a procura de soluções locais para o problema das matérias-primas, capazes de reduzir a excessiva dependência externa, que agora se faz já sentir com outras implicações. Veja-se o exemplo do projecto TreeToTextile, que juntou o grupo Stora Enso, Ikea e H&M que promove uma alternativa mais sustentável ao algodão, ao poliéster e à viscose obtida pelo método tradicional, apostando mesmo na escala industrial do projeto. Gosto deste exemplo por três razões principais: Aproveita resultados de anos de investigação levando o projeto até a escala industrial concretizada numa instalação piloto; Por ser um projeto Europeu que junta em co-promoção várias empresas (muito para além dos três promotores referidos); Por ter dimensão crítica (35 milhões de euros de investimento).

Se por cima de todo o impacto já visível desta pandemia, conseguirmos retirar outras aprendizagens realmente importantes, transformá-las (em tempo útil) em vantagens para a nossa indústria, talvez ainda possamos ir a tempo de pensar numa indústria europeia de nova geração.

Poucos sectores industriais têm mostrado a resiliência e a capacidade de aprender a reinventar-se como a ITV, por isso, com o otimismo que sempre me acompanha, acredito que efetivamente aprendemos muito com esta crise e que em breve, se formos ágeis na formulação e aplicação, estaremos mais fortes.

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