Paulo Vaz
screvi recentemente, num semanário especializado em temas económicos, que estávamos a caminhar para uma tempestade perfeita; ou melhor, face às circunstâncias e à convergência de acontecimentos, de uma tempestade mais que perfeita, atendendo que à crise sanitária, se juntou uma crise económica, de que a disrupção das cadeias de fornecimento, o aumento exponencial das matérias-primas, da energia, dos transportes e dos salários, correspondente à manifesta escassez de todos estes fatores produtivos em simultâneo, é a expressão mais evidente, para agora estar rematada, entre nós, por uma crise política inesperada, antecipando com elevada probabilidade uma crise financeira. O aumento da inflação determinará o disparar do custo do dinheiro nos mercados internacionais e os países mais endividados como Portugal estarão na primeira linha do seu impacto negativo, o que finalizará com uma crise social, pois serão sempre os mais vulneráveis a sofrer as consequências dos desequilíbrios precedentes.
Neste contexto, as indústrias transformadoras, como a indústria têxtil e vestuário, estão mais expostas a esta intempérie magna, pois sofrem com a falta de matérias-primas, sacrificam as margens já curtas do negócio para acompanhar a carestia das mesmas, para aguentar com a galopante subida do preços dos transportes, da energia e até para suportar a inflação dos salários, disputando o talento, sem qualquer possibilidade de repercutir o aumento do custo dos fatores de produção nos produtos e serviços, pelo menos a curto prazo e na justa proporção.
O mundo mudou dramaticamente e a pandemia foi apenas um catalisador da transformação que já estava em curso. A indústria da moda, já o tinha referido neste espaço, estava – e está – sobre pressão, pois a mudança de valores nas novas gerações de consumidores vai mostrar-se devastadora para os modelos de negócio mais clássicos e para aqueles que resistem ou ignoram a mudança.
É certo que a indústria têxtil e vestuário portuguesa tem muitos argumentos para prevalecer, como aliás a pandemia sobejamente comprovou em muitas empresas sólidas, bem geridas, resilientes, proactivas e inovadoras, mas revelando igualmente que existe parte do tecido produtivo que não tem as mesmas capacidades e que, a prazo, mais curto que longo, vai desaparecer liminarmente. O mercado, sobretudo sob a pressão da crise, funciona ainda melhor, expurgando quem não é capaz de se adaptar e de evoluir, para que os melhores progridam mais.
Os cenários para a indústria têxtil e vestuário até 2030 estão longe de serem catastróficos, mas não permitirão complacência para quem não fizer o trabalho de casa: apostar apenas na eficiência, sem valorizar a criatividade ou a inovação, apenas contribuirá para estender o sofrimento da sobrevivência sem prémio no final, o mesmo se diga que diferenciar pelo conhecimento ou pelo design, sem garantir a fortaleza da capitalização da organização e mais ainda a produtividade dos fatores, pode significar um exercício sem sentido, apenas gastador de recursos e sem consequência.
Seremos menos do que somos, teremos de fazer bem mais com bem menos, arriscar na reestruturação do “cluster”, fortalecendo a fileira a montante e deslocalizando as atividades a jusante onde ainda é possível encontrar recursos humanos abundantes e a custos moderados, de preferência em proximidade.
É habitual ouvir-se que após a tempestade chegará a bonança. Também os tempos instáveis que vivemos irão terminar, contudo, não creio que voltaremos ao estádio de onde saímos no início de 2020. Já tivemos coisas piores no passado e surpreendemos. Não há nenhuma razão para voltarmos a repetir o desempenho da nossa melhor natureza.