A sustentável leveza do têxtil
T28 Janeiro 2018

Artur Soutinho

CEO Grupo Moretextile
S

erá a têxtil uma indústria sustentável? É uma boa pergunta que se feita, terá diversas possíveis respostas:

a) Talvez se…;

b) Não porque não é de futuro;

c) Sim, sem dúvida.

Estas respostas tão díspares, advém na maior parte das vezes de uma análise superficial do sector ou de uma análise emotiva ou oportunista.

1. Os que têm responsabilidade política dirão que talvez e que eles ali estão para dar todo o apoio a um sector, tão politicamente importante, mas que aos seus olhos não é sexy, pois tem fábricas e as fábricas são feias, deitam fumo e por vezes cheiram mal, logo não são politicamente correctas principalmente quando este sector está a mais de 300 kms da capital do império.

2. Os que imaginam uma economia estruturada em sectores como o turismo – bastante sexy -, em serviços ou em tecnológicas que procuram um novo sucesso empresarial tipo facebook que não deita cheiro, não precisa de tratamento de resíduos e dá uma falsa ideia de modernidade, dirão que a têxtil já era.

3. Os empresários e associações do sector, dirão por razões óbvias que o sector tem um futuro brilhante e que só não vê quem não quer ver.

Mas vamos aprofundar ligeiramente o tema e veremos onde vamos chegar.

Sustentável ? Ou de sustento?

Como pode não ser sustentável uma indústria que existe há mais de 200 anos e apesar dos ciclos mais altos e baixos, contribui ainda hoje com cerca de 5.000 milhões de euros em exportações, sendo o quarto maior exportador nacional, gerando cerca de 150 mil empregos directos? Pois é, parece que sustenta muita gente.

No meu caso e para se ter uma ideia do que contribui o grupo Moretextile, diria que exporta cerca de €70 milhões, representando 12% das exportações nos produtos de têxteis-lar, com cerca de 1 000 colaboradores directos e o dobro pelo menos de indirectos, tendo pago mais de 60 milhões de euros em impostos e contribuições e mais de 30 milhões de euros em juros nos últimos seis anos… podia continuar mas, ufff, já chega, os números são avassaladores.

Portanto, quanto a sustento estamos conversados, sendo que se falarmos de sustentável tenho de dizer que não somos uma indústria Kodak. E o que é uma indústria Kodak? É mesmo essa que está a pensar e que acompanhou o nosso crescimento, as nossas vidas em família, namoradas, casamentos, sucessos pessoais e que achávamos estar connosco para sempre. Não foi verdade, uma mudança tecnológica acabou com a Kodak. Acham que vamos deixar de utilizar produtos têxteis, acham que vamos deixar de nos vestir, dormir, ou limpar a produtos que não têxteis? Isto para não falar na utilização de fibras e tecnologia têxtil em sectores tão diversos como o automóvel, a saúde ou armamento….

Sendo assim, então será evidente que é um sector de sustento e sustentável, mas como em todas as indústrias existem riscos. E a questão é como se podem minimizar esses riscos e reduzir os eventos que ponham em causa a sustentabilidade do sector, que em minha opinião serão :

a) Localização. A nossa indústria está na zona económica mais rica, a Europa, e central em relação aos mercados chave do sector como a América do Norte. Se olharmos para o planisfério usado no século XVI, vemos que Portugal tem uma localização estratégica, diria no centro do mundo e sempre aqui estivemos e não será fácil tirarem-nos daqui;

b) Cluster. A dimensão crítica do sector é extremamente importante, pois só com dimensão se podem atrair clientes, atrair tecnologia, atrair conhecimento e investimento – lembram-se de termos pago a um consultor americano que nos ensinou o que eram clusters? Pois foi nos anos 80;

c) Universidades e investigação. Fundamental o investimento no ensino das tecnologias têxteis e no reforço dos centros de investigação, ver o exemplo do CITEVE, de forma a criar uma dinâmica permanente de inovação e saber;

d) Flexibilidade e fiabilidade. Os portugueses têm uma capacidade natural em perceber os outros e em se adaptarem às novas dinâmicas de mercado, além de sermos fiáveis nos negócios e nos compromissos;

e) Design e inovação. A nossa criatividade e capacidade de inovar é reconhecida internacionalmente. E o nosso bom gosto foi criado ao longo de vários séculos;

f) Conhecimento intrínseco. Existe um conhecimento técnico e operativo que é algo pouco mensurável mas que passa de geração em geração, acumulando experiência que não é possível reproduzir em outro local;
Para lá destes existem outros factores que ainda hoje são fragilidades e que deverão ter uma atenção particular:

g) Matéria-prima. O algodão continua a ser uma matéria prima base do sector, sendo que Portugal não é produtor, nem detém direitos sobre reservas estratégicas. Sendo verdade que o algodão tem perdido importância, exige-se, no entanto, que o Estado português defenda nos fóruns internacionais a predominância da transparência dos mercados e do comércio livre;

h) Energia. O excessivo custo da energia reduz a capacidade competitiva do sector. Não é possível desenvolver industrialmente um país com energia cara;

i) Fiscalidade. A excessiva carga fiscal sobre as empresas e particulares já não merece comentários, dada a sua evidência;

j) Pirâmide. A inversão da pirâmide etária limita ou restringe a capacidade de crescimento, pelo que uma política de atração de imigrantes seria bem-vinda;

l) União Europeia. A necessidade duma presença efectiva, com uma estratégia clara em defesa do sector junto das autoridades europeias onde é desenhado o nosso destino, a exemplo das recentes iniciativas da ATP em Bruxelas.

Não sendo os factores referidos os únicos que tornam o sector têxtil mais ou menos sustentável, são seguramente alguns dos mais importantes e que devem ser analisados profundamente, de forma a definirmos uma estratégia segura que torne o sector mais sustentável.

Se repararem, falei acima na sustentabilidade do sector e não se é sustentável. Na verdade, estou a assumir por vivência diária que o sector têxtil é sem dúvida sustentável, mas terá de dar passos decisivos no caminho da sustentabilidade.

Não é possível imaginar hoje uma indústria sem uma estratégia clara duma política de sustentabilidade. Não será possível continuar a usar os recursos, sem uma preocupação de defesa das gerações futuras. Recursos escassos para necessidades múltiplas, é a chave de toda a teoria económica e quem o perceber, seguramente perceberá a generalidade dos manuais de economia, mas também terá de perceber como se defendem as gerações futuras.

A discussão mais profunda sobre sustentabilidade ficará para reflexões futuras, mas para quem se quiser ir preparando, aconselho a leitura do canto IX dos Lusíadas, escrito por Luís Vaz de Camões em 1556.

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