Paulo Vaz
ivemos tempos de profunda transformação de paradigma. Há dois anos tudo mudou com a pandemia do COVID 19, e, há pouco mais de um mês, tudo voltou a mudar com a invasão da Ucrânia pela Rússia, trazendo novamente a guerra à Europa e fazendo ressurgir o espectro de um conflito nuclear.
Tudo isto tem tido impactos profundos na ordem internacional em que nos habituamos a viver, que estava assente no processo de globalização, em que, pela simultânea cedência da soberania dos estados e pelo desenvolvimento exponencial e disseminação das novas tecnologias de informação, usufruímos por um longo período de ampla liberdade de circulação de pessoas, de capitais e de mercadorias. Democratizamos, por essa via, o acesso a um grande número de bens e serviços, controlando a inflação e possibilitando a saída da miséria a centenas de milhões de pessoas em muitas partes do mundo, embora com a contrapartida de vermos sair dos países industrializados atividades transformadoras, como o têxtil e o vestuário, apagando-se em definitivo as respetivas competências e a memória do “saber fazer”, para as transferir para geografias longínquas e delas ficarmos perigosamente dependentes.
Com a pandemia, muitas cadeias de fornecimento entraram em colapso, evidenciando a dependência do Extremo-Oriente de produtos tão simples como máscaras cirúrgicas a complexos como ventiladores para unidades de cuidados intensivos. O aumento exponencial custos dos transportes e a falta de matérias-primas foram efeitos duradouros, mostrando que nada iria ficar como dantes. A reindustrialização e a relocalização da produção em proximidade voltaram ao discurso dos políticos.
A invasão da Ucrânia e as sanções à Rússia acrescentaram novos motivos de ansiedade e de incerteza, com o escalar dos preços das “comodities” e da energia.
Tudo mudou subitamente. O próprio processo de globalização entrou num novo estádio, se não mesmo num retrocesso, com o mundo a procurar reorganizar-se em blocos económicos e comerciais, atendendo que, mesmo que a situação da pandemia se resolva a breve prazo e se alcance um compromisso para a paz, uma nova ordem mundial está a ser irreversivelmente criada, o que acrescenta riscos difíceis de prever, mas indiscutivelmente inquietantes.
Algo é certo, na incerteza geral: não voltaremos a 2019, teremos de nos adaptar aos novos desafios, algo que, simultaneamente, coloca ameaças e abre oportunidades. Nestes novos tempos, resulta claro que não é uma fatalidade que o epicentro do mundo se situe exclusivamente na Ásia/Pacífico, pois a necessidade de uma defesa e segurança comuns, naquilo que é a salvaguarda sem complexos ou culpa dos valores do Ocidente, da liberdade, da democracia representativa e do livre mercado, volta a unir os Estados Unidos à União Europeia, criando nova centralidade no Atlântico Norte, abrindo caminho para a negociação de um novo acordo de livre comércio e investimento entre os dois maiores blocos económicos do mundo, arrastando igualmente a América Latina para, finalmente, ratificar o acordo União Europeia com o Mercosul.
Em tudo isto, a indústria têxtil e vestuário portuguesa, inovadora e competitiva, tem muito a ganhar, haja resiliência e políticas públicas orientadas a apoios concretos e reprodutivos, capazes de oferecer o caminho possível para que os melhores possam prevalecer e o sector sobreviva, sempre melhor e mais forte. Hoje, como ontem, e certamente amanhã.