30 Março 21
Indústria

António Moreira Gonçalves

Algodão: preço não pára de subir e torna-se uma preocupação

O preço do algodão nas principais praças mundiais tem subido de forma constante durante os últimos meses – apenas de Setembro a Fevereiro, a matéria-prima deu um salto de 30% – o que afeta diretamente a ITV portuguesa. “Vivemos uma situação de aumentos especulativos, demoras nas entregas e possível escassez”, afirma Paulo Melo, administrador do grupo Somelos. Na raiz do problema encontra-se uma guerra entre o governo chinês e as marcas ocidentais em torno das condições de trabalho na região algodoeira de Xinjiang.

Depois do primeiro impacto da pandemia ter congelado os mercados, o preço do algodão não parou de subir desde os primeiros meses de desconfinamento da Europa. Com as empresas a reativarem as turbinas, os preços não têm parado de subir, e se em Setembro, o preço do kg de algodão estava nos 1,53 dólares, em fevereiro já foi comercializado a um preço médio de 2,05, de acordo com os dados da Indexmundi (gráfico abaixo).

CottonPrice

“O aumento começou a sentir-se no final do ano passado, mas no início deste ano verificou-se um verdadeiro aumento especulativo em torno do algodão. São aumentos extremamente rígidos e fortes, quer na fibra média, como na fibra longa, e em alguns mercados, como o americano, o algodão já está esgotado até às próximas colheitas, que decorrem quase no final do ano”, explica Paulo Melo, administrador do grupo Somelos, para quem a escassez da matéria-prima se torna uma preocupação premente. “É um assunto que acompanho todos os dias, porque o pior que pode haver neste momento, é uma empresa ter encomendas e não ter matéria-prima para lhes dar resposta”, comenta.

No centro da especulação vivida ao longo dos últimos meses parece estar a questão das condições de trabalho nos campos de algodão na região de Xinjiang. No final do ano passado, uma investigação da BBC denunciou práticas de trabalho forçado e discriminação étnica, conduzidas pelo governo de Pequim sobre o povo uigur, para manter a produção de algodão na região chinesa, que representa cerca de 20% da produção mundial.

O caso levou várias marcas internacionais, como a H&M e a Nike, a decretarem um boicote ao algodão chinês. “O caso teve um eco muito grande a nível internacional, sobretudo nas redes sociais, e as marcas começam a pedir certificações de que o algodão das suas peças não é produzido lá”, confirma Paulo Melo.

A situação conduziu a uma escalada de preços nos vários produtores internacionais, com os produtores chineses a procurarem comprar também algodão noutros mercados, como a Índia ou a Turquia. A Cotton Corporation of India afirma ter já registado um dos melhores anos em termos de vendas, com 80% da última colheita já comercializada e aumentos de 5% ao mês. No Brasil os relatos também apontam vendas expressivas a preços acima da média.

Para as empresas portuguesas, a escassez de matéria-prima pode tornar-se um problema adicional, num momento de retoma da atividade. “Vivem-se atrasos de meses nas entregas, e para além do algodão há também uma escassez na viscose e noutros filamentos. E é expectável que a situação de dificuldade se mantenha até ao final do ano”, afirma o administrador do grupo têxtil português Somelos.

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