O sonho comanda a vida
Para o futuro, Susana sonha com a criação de uma fábrica/ atelier, onde os designers tenham todo o tempo do mundo
Susana Bettencourt
T48 - Novembro 19
Emergente

António Freitas de Sousa

Mudar de rumo
A mudança para a área das artes adveio de seu desejo de “transformar coisas noutra coisa”

Quando percebeu que era infeliz na área das ciências, a designer Susana Bettencourt troucou-a pela das artes, um percurso que a levou até à Central Saint Martins, em Ingleterra, onde depois haveria de concluir com distinção o mestrado em Moda Digital, no London College of Fashion

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Tia Mariazinha, 97 anos, é a ‘culpada’ de tudo: ensinou-lhe todas as técnicas da arte das malhas, todas as subtilezas de cada ponto, todo o empenho e a paciência necessárias. Susana Bettencourt Lopes, que em devido tempo decidiu adotar o apelido da mãe como arma de combate, diz que “desde pequena que foi a malha que me escolheu” e que as dúvidas sobre o que queria ser quando fosse grande se foram dissipando e deixando para trás outras opções. Nos Açores – de onde diz que é, mesmo tendo nascido em Lisboa há 34 anos – “toda a gente fazia malha” e o som caraterístico das velhas máquinas de tricotar Singer serviam para sibilar o arquipélago posto no seu silêncio.

A depuração do seu caminho começou pela escolha da área das Ciências – “era muito boa aluna”, apesar dos voos solitários na TAP, que a levavam num corrupio entre Lisboa e os Açores e vice-versa – mas as subtilezas das matérias que explicam o mundo deixavam-na indiferente: “era infeliz”, confirma, para explicar que trocou aquilo tudo pela área das artes, que correspondia bem mais ao seu desejo de “transformar coisas noutra coisa”, num desassossego.

Os pais, atentos aos avatares da jovem Susana, não se opuseram, antes pelo contrário, à mudança de azimutes de uma coisa certa para outra coisa incerta, mas bem mais capaz de transmitir à filha a felicidade necessária para fazer coisas bem feitas: “as pessoas são boas naquilo que gostam de fazer”, diz, definitiva.

Para além dos pais, os docentes da Central Saint Martins, universidade de artes em Inglaterra, também perceberam o mesmo: confrontados com o seu portfólio de apresentação, não precisaram de mais nada: Susana passou por cima da enfadonha fase de entrevistas aos candidatos e foi aceite na escola, no curso de Costura e Moldes (“ali era tudo muito específico”), apesar do reduzido número de lugares destinados aos alunos vindos da União Europeia (sete, cerca de 30% do total – mais uma coisa que irá por certo perder-se na loucura do Brexit). Mais lá para a frente, ainda haveria de concluir com distinção o mestrado em Moda Digital, no London College of Fashion.

Esteve dez anos em Londres – que pontilhou com estágios em lugares tão distantes e estranhos como Portugal e a Austrália – e essa década foi necessária e suficiente para se aperceber, se é que não o tinha feito já, que “a minha cabeça funciona para isto”, e ‘isto’ é a malha.

Quando chegou à vida ativa, talvez Susana Bettencourt se tenha apercebido que esse destino que não lhe levantava qualquer dúvida nem inquietação, tem sempre o outro lado: “preciso que as fábricas percam tempo comigo, com as malhas que eu quero produzir”, diz, para explicar que esse tempo de criação e de passagem do desenho para o fio não é coisa que importe a alguém que comprou teares para ganhar dinheiro e não propriamente para fazer arte. Mas essa é a parte que menos lhe interessa: não será pelo desinteresse de quem tem outros interesses que Susana Bettencout deixará de ter interesse por aquilo que sempre a interessou.

Ou, dito de outra forma: Susana Bettencourt traçou o seu caminho e está seguir por ele, mesmo que isso às vezes a coloque numa espécie de trincheira contra os modos de funcionamento do setor onde escolheu estar. Correndo o risco de ‘sindicalismo’, não se coíbe de afirmar o que quer afirmar sobre a indústria, sobre a relação da indústria com a criação e mesmo, pecado dos pecados (para os mais distraídos), sobre o que de mais fútil existe numa passerelle: “a mensagem que queremos passar com esta coleção [apresentada há um ano no Portugal Fashion] é a da mulher de hoje não é uma raiz, não é um país, não é uma cor e não é um género. Temos de pensar em pessoas, não só em mulheres e homens”.

Susana Bettencourt parece dar-se bem com essa arte maior (não, não são as malhas): a de pensar – na sua carreira de empresária, na forma como se distingue enquanto professora do MODATEX e da Universidade do Minho – para além das palestras em Saint Martins – no impacto ‘extracurricular’ que a moda pode ter em contexto social. E também no seu sonho, talvez o desafio com que culminará este tempo de aprendizagem: a criação de uma fábrica/atelier, onde os designers tenham todo o tempo do mundo.

Cartão Do cidadão

Família Vive com o namorado, Aníbal Leite, que também trabalha na área da moda Formação Licenciada em Design de Moda com especialização em Malhas, na Central Saint Martins College of Art and Design, e mestrado em Moda Digital, no London College of Fashion Casa Acaba de comprar um apartamento em Guimarães, para deixar de ser nómada Carro Audi Q2 Portátil HP Telemóvel Huawei Hobbies Leitura, anda a ler ‘You are a badass’ Férias Servem para “respirar outras culturas”, na Austrália, no Quénia ou em Moçambique Regra de ouro As pessoas são boas naquilo que gostam de fazer

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