T76 - Outubro 22

Deixar de tributar horas extra pode atenuar a falta de mão-de-obra?

Além de um incentivo para os trabalhadores, as empresas entendem que um alívio fiscal sobre os rendimentos das horas extra é também fundamental como fator de competitividade. Seria também uma ajuda preciosa para enfrentar a tradicional sazonalidade dos picos de encomendas.

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Entre um conjunto de medidas tendentes a diminuir a carga fiscal sobre o segmento do trabalho, as associações têxteis levaram ao Governo propostas com o objectivo de aumentar o rendimento dos trabalhadores que quiserem fazer horas extraordinárias e ao mesmo tempo diminuir o custo do trabalho para as empresas. 

Após a reunião, em finais de setembro, com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, o presidente da ATP explicou ao T que a intenção das associações é encontrar uma alternativa “à falta de mão de obra que assola o sector, contribuindo para que os trabalhadores que estão disponíveis para um esforço extra possam exatamente ser compensados por esse esforço”. 

Mário Jorge Machado entende que “é fundamental que o sistema fiscal não onere as horas extraordinárias em termos de subida nos escalões do IRS”, o que a acontecer funcionaria como incentivo para o trabalho a mais desaparecer ao mesmo tempo de promoveria a diminuição do rendimento líquido mensal. A proposta foi apresentada em conjunto pela ATP e pela ANIVEC, com vista a ser incluída no Orçamento de Estado, que vai agora para a fase de discussão na especialidade, tendo o secretário de Estado garantido que iriam ser levadas em consideração e avaliadas” sem que, no entanto, se tivesse comprometido com a sua aceitação. 

É neste contexto que surge a questão de saber o que pensam empresas e empresário sobre se deixar de tributar horas extra pode atenuar a falta de mão-de-obra

Para Paulo Melo, “este tema é já com alguns anos”, sendo que até hoje “os diversos governos não atenderam aos argumentos defendidos pelos empresários e as associações do setor”. O Presidente do Conselho de administração da Somelos, esta convencido de que “se a tributação das horas extraordinárias fosse abrangida por um regime especial, não a isenção, cativava mais colaboradores a trabalhar nesses períodos.

Paulo Melo, Somelos
“Não suprimia totalmente mas atenuava, além de ser uma ajuda preciosa nos picos das estações, onde é sempre necessário recorrer ao trabalho suplementar”
Estes rendimentos auferidos pelos colaboradores dentro deste enquadramento especial não deveriam contar na subida de escalões no IRS, bem como, não deixavam de auferir o abono de família”.

Mesmo assim, continua, “considero que não suprimia totalmente a falta de mão de obra, mas atenuava, além de ser uma ajuda preciosa nos picos das estações, onde é sempre necessário recorrer ao trabalho suplementar. Quem trabalha neste sector sabe muito bem que o negócio ao longo do ano tem ciclos fortes de chegada e entrega de encomendas e outros não tão fortes, e é assim que funciona e vai continuar a funcionar”.

Recorrendo aos exemplos que encontra na sua empresa, José Armindo Ferraz, CEO Inarbel, aplaude e subscreve a proposta: “Concordo plenamente com esta ideia, eu tenho funcionários que não fazem horas extras por essa mesma razão”, adianta, enquanto o responsável da Lipaco entende que esta pode ser mesmo uma das principais soluções para o problema da falta e mão de obra. Para Jorge Pereira, “obviamente que pode e seria talvez até uma das principais soluções uma vez que os colaboradores fiscalmente deixam de ser prejudicados em sede de IRS, como acontece muitas das vezes, e até passam a estar muito mais motivados e disponíveis para trabalharem mais horas sobretudo na conjuntura atual em que o custo de vida é superior e as necessidades financeiras são superiores para combater a perda de poder de compra que estão a sofrer”.

Mas o CEO da Lipaco vai ainda mais longe: “por outro lado permite combater sazonalidades no volume de encomendas das empresas e ainda, e não menos importante, ser mais competitivo, porque o custo-hora médio acabaria por baixar. E até reduziam a necessidade que muitos tem de fazer part-times com a possibilidade de sem deslocações obterem um rendimento extra superior”, discorre Jorge Pereira, concluindo que também por outras razões se justifica o incentivo. “Afinal, a taxa de empregabilidade ainda é neste momento praticamente de 100% na maior parte das regiões do país”.

Para Miguel Pedrosa Rodrigues, da Pedrosa & Rodrigues, deixar de tributar as horas extras é mesmo “algo que a indústria necessita urgentemente”.

Jorge Pereira, Lipaco
“Os trabalhadores passam a estar muito mais motivados até reduziam a necessidade que muitos têm de fazer part-times para obter um rendimento extra”
Não só porque “estas horas são essenciais para aferir alguma flexibilidade ao contexto operacional nas empresas”, uma vez que “as flutuações da procura, pela sua imprevisibilidade, só são acomodáveis se houverem incentivos ao aumento reativo da capacidade de produção, neste caso, por via das horas extraordinárias. Trata-se, portanto, de um factor de competitividade e de mitigação da falta de mão de obra.

Olhando mais para o fundo do problema, José Carlos Castanheira, CEO Goucam Group, entende sobretudo que deixar de tributar “elimina uma injustiça, que é as pessoas pagarem para trabalhar em casos de limite de isenção de IRS, ao fazer horas passam a ser abrangidas e taxadas”.

Mas o empresário entende que pode ser “ainda mais grave” uma vez que perdem toda uma quantidade de regalias que só assistem aos rendimentos mínimos. Daí compreender que os trabalhadores “se sintam desmotivados a colaborar com as empresas quando necessário, já que quando o fazem por vezes saem prejudicados”.

Assim há, no seu entender, que distinguir as coisas. “Do meu ponto meu ponto de vista, são duas coisas completamente diferentes. Falta de mão de obra permanente nunca poderá ser coberta por horas extra. Horas extra servem para resolver imprevistos de curta duração e nunca devem ultrapassar uma pequena percentagem do tempo normal de trabalho, nem nunca devem comprometer o período de descanso dos funcionários, deve-se entender como a exceção e não a regra”.

O que o leva a concluir que deveria ser outra a solução. “Defendo, sempre defendi e defenderei, que deverá haver uma discrepância entre o SMN e o valor taxado em IRS de pelo menos 125 a 150€/mês, o que viabilizaria não só um plafond para horas como alguma justa diferenciação entre funcionários”.

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