Ricardo Ferreira
O made in Portugal pode ser muito importante nos EUA
T80 - Fevereiro 23

T

Com 30 anos de existência, o grupo pretende ‘reviver’ uma experiência em que não foi totalmente feliz: a criação de uma marca própria. Mas os tempos mudam e o racional dos negócios também. Depois da pandemia e com a forte influência planetária da inflação – que só muito recentemente deu mostras de, em parte, se deixar controlar – o mercado português deixou de ser um ‘objeto não identificável’ no panorama da economia dos Estados Unidos.

D
D

epois dos vinhos e ao mesmo tempo que descobrem as virtudes do imobiliário, os norte-americanos parecem estar disponíveis para perceberem, por um lado, que o país fica muito perto das suas lojas, e por outro, que a produção têxtil nacional é de elevada qualidade, flexibilidade e sustentabilidade. É neste novo quadro que a possibilidade de uma marca própria volta a ter racional de negócio. Aliás, isso mesmo fica provado pelo facto de, segundo o Instituto Nacional de Estatística, o mercado norte-americano ser, em termos do sector têxtil, um dos que mais cresceu ao longo de 2022. Entre Janeiro e Novembro do ano passado (os números totais só serão conhecidos dentro de dias), os Estados Unidos responderam por compras aos têxteis nacionais da ordem dos 439 milhões de euros, o que coloca aquele país em quarto lugar do ranking, apenas ultrapassado pela Espanha, França e Alemanha.

Qual é a dimensão do grupo?

Somos duas empresas. Na Siena são 22 trabalhadores; na parte industrial, na Rivexel, são cerca de 80. A Siena tem um volume de negócios da ordem dos 10 milhões de euros. Fizemos 30 anos no ano passado. Tivemos um grande crescimento do volume de negócios em 2022: o nosso volume de faturação anda sempre nesse valor, mas a pandemia afetou-nos bastante. No ano de 2020 ainda trabalhámos normalmente – houve confinamentos mas conseguimos manter uma produção quase normal. Mas o ano de 2021, uma vez que não fizemos coleções, o volume de negócios caiu bastante, cerca de 40%.

 

Portanto, a pergunta é se 2022 já está alinhado com a pré-pandemia.

É isso: recuperámos completamente da pandemia.

 

Quais os mercados do grupo?

Nós só exportamos: não vendemos nada para Portugal. A maior parte dos nossos clientes são da União Europeia – com muito foco em Itália, França e Espanha. Temos também alguns clientes no Reino Unido, na Alemanha, alguns países nórdicos. Fora da Europa temos clientes nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão.

 

Somos duas empresas
Na Siena são 22 trabalhadores; na parte industrial, na Rivexel, são cerca de 80

Como estão a comportar-se cada um deles. Os Estados Unidos parecem ser o de melhor desempenho.

Estão a começar a crescer. Curiosamente, respondi a um inquérito da ATP relativamente aos volumes de negócio para os Estados Unidos e a nossa subiu para os cerca de 300 mil euros, o que é um bom sinal. Acho que é um mercado em que temos de apostar. Teremos que ter mais missões empresariais para lá, porque eles não nos conhecem.

 

O desconhecimento é um problema?

Acho que faz sentido irmos para lá. Nova Iorque está a sete horas do Porto. Tradicionalmente compra na Ásia, o que é muito mais longe que Portugal. Faz todo o sentido que haja mais trocas comerciais.

 

Acha que os Estados Unidos ainda não se aperceberam que a Europa é mais próxima que a Ásia.

Acho que ainda não se aperceberam disso! Curiosamente, começaram a descobrir o imobiliário em Portugal, já descobriram os nossos vinhos, pode ser que descubram os nossos têxteis…

 

Com 30 anos de existência, o grupo pretende ‘reviver’ uma experiência em que não foi totalmente feliz: a criação de uma marca própria.

O que é preciso fazer para que esse conhecimento lhes seja transmitido?

Promoção. A vários níveis. Desde a diplomacia económica até à participação em feiras. De alguma forma, aparecermos. Também marketing digital junto dos grandes operadores da moda, junto dos ‘decision makers’, para que apareçamos como sendo um país com muitas caraterísticas: qualidade, sustentabilidade, tradição.

 

A que acresce a proximidade.

Isso mesmo.

 

Na Europa, que desafios deteta?

Na Europa, estamos a viver um momento complicado. Tivemos aumentos brutais do custo das matérias-primas, aumentos brutais das energias, aumento dos custos da mão-de-obra. Todos estes fatores estão a causar muita disrupção, muitas tensões com os clientes. Em toda a União Europeia.  Não somos só nós que temos esses problemas – mas há países nossos concorrentes que têm tudo isso mas em menor escala. Temos as vantagens da proximidade, dos custos de transporte, mas o momento é complicado: há menos encomendas, temos fornecedores a pedir-nos trabalho (estão com quebras de produção).

 

Desde quando se verifica essa quebra de encomendas?

De Novembro para a frente comecei a notar um abaixamento de encomendas – numa altura que costuma ser de pleno pico. Provavelmente não teremos recessão, o que é excelente porque as notícias de uma possível recessão estão a afetar muito os consumos – as pessoas são muito sensíveis a isso. Como o nosso timing de produção é muito perto do timing de venda, notamos isso muito rapidamente.

 

A Alemanha entrou em recessão. É um mercado em retração?

De alguma forma sim. Há pouco estiava com um cliente alemão e disse-me que as coisas estão normais: não estão brilhantes, mas também não estão catastróficas. Há ainda uma confiança mediana.

 

Como está o Reino Unido, depois do Brexit?

O Reino Unido tornou-se difícil, até por causa da questão alfandegária. Mais lento, mais complexo, com maiores custos. Foi uma péssima decisão para o Reino Unido – estão a convencer-se disso tarde demais. Não era um nosso mercado tradicional, mas temos alguns clientes com marcas de pequena dimensão. Havia uma feira muito interessante, a Fashion SVP, que deixou de existir – mas onde tivemos bons resultados antes da pandemia.

 

Tinha alguma exposição à Rússia?

Tínhamos dois clientes na Rússia. Por causa do bloqueio, mas também por questões de consciência da nossa parte, deixámos de trabalhar com eles.

 

Como caraterizaria a produção da Siena?

Basicamente tem a ver com malhas – uma tradição muito forte de Portugal. Fazemos também tecido, mas cada vez mais temos foco nas matérias-primas sustentáveis. Hoje, temos de alguma forma contar uma história de sustentabilidade por trás de cada peça. Reciclados, fibras naturais, poliéster reciclado com conhecimento da origem, biodegradável – temos de ter respostas para tudo. Temos as certificações necessárias. Mas há clientes que vão além disso e temos de estar preparados para responder. Não há forma de voltar atrás: não podemos fazer nada que não seja as melhores práticas. Nós próprios também sentimos nos custos energéticos que quanto menos energia gastarmos, melhor para todos nós. Tomámos medidas a esse nível, nomeadamente na área dos painéis solares – que cobrem o máximo possível. É uma preocupação que tem quatro anos. E vamos reforçar, porque há um aumento de consumo, onde vamos investir cerca de 50 mil euros. Todos os equipamentos que vêm para a fábrica são os que gastam o menor volume possível de energia. É duplamente um racional de negócio: pela exigência dos clientes e pela poupança de produção.

 

Tudo em private label?

Sim, não temos marca própria. Já tivemos, em 2001 – no âmbito de um projeto da ATP com uma associação da indústria de malhas alemã. Várias empresas aderiram e nós, durante cerca de dois anos, tivemos uma marca própria na Alemanha. Crescemos bastante muito rapidamente mas houve uma crise e o negócio começou a ficar complicado e decidimos parar – até porque começou a prejudicar o negócio tradicional do private label.

 

Não está para repetir a experiência?

Se calhar, nos dias de hoje, ter marca própria vale a pena. Estamos a pensar nisso: os canais de distribuição são fáceis. Está no nosso horizonte, até porque temos muitos tecidos que ficam na empresa e faz sentido fazer up-cycling, uma prática considerada sustentável. Podemos criar muita coisa com o que já temos dentro de portas. É algo que um dia destes vamos pensar.

 

Um dia destes é este ano?

Por exemplo. Pode ser uma questão de termos alguém na empresa que tenha feeling para isso. Depois, é fácil.

 

Os Estados Unidos têm muita apetência pelas marcas europeias.

Sim. O ‘made in Italy’ tem uma importância muito grande nos Estados Unidos, o ‘made in Portugal’ há-de aproximar-se, certamente. É um mercado target para uma marca própria.

 

A digitalização tem acompanhado a sustentabilidade. É assim na Siena?

Precisamos de investir muito no marketing digital direcionado para o B2B – eventualmente com a marca própria. O contacto digital com os nossos clientes – por exemplo com uma news letter, é uma prioridade para este ano.

 

Que outras prioridades para este ano?

Temos uma dificuldade em Portugal: mão-de-obra. Vale a pena investir em tecnologia, mesmo que mais cara, em tudo o que for equipamento industrial automatizado. Queremos por outro lado reforçar a subcontratação em Marrocos – onde precisamos de ter uma base mais estável, com a abertura, futuramente, de uma filial naquele mercado – uma plataforma logística para gestão da subcontratação. Estamos também a procurar comerciais com um novo perfil – o mercado está a mudar.

 

Em termos de investimentos?

Para além da automação, vamos renovar as nossas instalações.

 

São áreas onde há apoio do Estado. Pensam recorrer?

Podendo fazê-lo, sim. Sabemos é que está tudo muito atrasado no que tem a ver com reembolsos. Há dois anos que esperamos alguns reembolsos, coisa comum. Há muito dinheiro do PRR e do Portugal 2030, seria criminoso não aproveitar, face às necessidades que existem.

 

O Banco de Fomento resolve alguns desses problemas?

A ideia é boa, mas tem de ser mais operacional. E mais real: o Banco de Fomento só é falado nas notícias, não temos uma perceção real da instituição.

 

A internacionalização é central nesses apoios. Acha que ainda falta fazer alguma coisa?

Há sempre coisas a fazer, até fazer mais. E é fundamental continuar-se esse apoio. A boa aposta que se pode fazer no nosso sector é a promoção em mercados onde queremos estar presentes.

 

Acredita nas promessas de reindustrialização da Europa?

É real – não é uma ficção. Mas temos um problema de mão-de- obra intensiva. O maior problema de Portugal é o problema demográfico. Dentro de dez anos vai ser um problema gravíssimo na nossa indústria. A imigração pode ajudar – mas não podemos ter critérios demasiado latos, temos de pensar no que são as necessidades do país. Não queremos vir a ter um problema de segurança, como existem em França, na Suécia ou na Alemanha.

 

O fisco já amigo das empresas?

Ainda estamos muito longe disso. O Orçamento de Estado não tem margem para nada, não tem folgas. Temos um problema de dívida externa que o Governo tem muito pouca margem para resolver. Nesse campo, não esperamos nada de muito positivo do Estado nessa área.

 

No PRR havia a hipótese de ter feito mais qualquer coisa?

No PRR, o Governo usou o dinheiro em benefício próprio, da sua despesa. Pouco vai chegar à economia real. É uma oportunidade perdida. Há muita maneira de fazer as coisas de uma forma diferente. Um exemplo: as pessoas que fazem horas extraordinárias correm o risco de passarem de escalão do IRS – há aí uma grande carga ideológica. Podia ser uma grande ferramenta para ajudar a resolver o problema da falta de mão-de-obra.

 

Como também a há na área das leis do trabalho.

A flexibilidade devia estar mais apurada. Há demasiada rigidez por um lado e por outro as pessoas estão completamente desprotegidas com os recibos verdes. Sei que temos todos de descontar para a segurança social e espero que todos possamos usufruir do que todos pagamos. Desde logo porque é também uma forma de o grupo agradecer aos seus mais de cem colaboradores: sem eles, as empresas não seriam as mesmas e não quero deixar de salientar isso mesmo.

Perfil

CEO do grupo que agrega a Siena e a Rivexel, esteve desde sempre, há 30 anos, à frente do grupo, que agregou a empresa que era dos pais. Depois de um curso de Engenharia Têxtil concluído em França, tem em 2023 vários desafios pela frente.

As perguntas de
Nuno Silva
Irivotêxtil – Tinturaria e Acabamentos Têxteis

Preço ou continuidade, qual conta mais na estratégia de relacionamento com os seus fornecedores?

É a continuidade. É sabermos que temos um parceiro do lado de lá. Termos alguém que nos apoia quando precisamos de uma urgência, de aumentarmos prazos de entrega, de trabalho ao fim-de-semana, é um apoio de que precisamos. Do outro lado, quando há um problema, também precisamos de parceiros que assumam que causaram.

 

No que respeita à Tinturaria, qual a perspectiva de evolução do negócio em 2023?

Gostaria de dizer que as coisas estão bem. Há sinais contraditórios no que tem a ver com a retoma. Vamos esperar que 2023 seja igual ao ano passado. É esse o meu desejo, e estarei cá a lutar e a trabalhar para que isso aconteça.

Alexandre Amaro
Andrade Amaro - Malhas

No momento atual, quais as maiores dificuldades face aos aumentos energéticos e de que forma estes estão a perturbar os negócios?

Obviamente perturbam, porque somos obrigados a subir os preços aos clientes. Não conseguimos passar esses custos na totalidade. Temos o argumento e temos a legitimidade de o fazer, mas quando não é possível, implica encolhermos as nossas margens.

Quais as estratégias que a Siena encontrou para contornar estas dificuldades?

Uma delas e precisamente encolher margens. Podemos tentar diluir os aumentos com outros parceiros, mas sabemos que também é difícil. Felizmente que o custo do gás vai no sentido da normalidade mas houve momentos em que tivemos de comparticipar indiretamente no pagamento de algumas faturas. Tivemos de ser solidários com alguns parceiros – temos de pensar na sua viabilidade, para não haver quebras na cadeia têxtil, o que seria o pior. E esteve perto de acontecer.

Partilhar