T42 Abril 19

Como deve a ITV reagir à retração da Inditex?

A questão voltou repentinamente ao topo do debate, mas a resposta parece ter sido dada por antecipação. Investindo na inovação, na sustentabilidade, sofisticação do produto e verticalidade da oferta, a ITV soube a tempo fazer o seu trabalho de casa. Com inovação tecnológica, design e serviço, as empresas diversificaram clientes, avançaram para internacionalização e subiram na cadeia de valor. O risco é para os poucos que ficaram no fim da linha e continuam muito expostos a um único comprador.

António Freitas de Sousa

Duas décadas de investimento na inovação, na sustentabilidade, na investigação e na verticalidade da oferta – caminhos que se revelaram seguros para fazer subir a generalidade da fileira têxtil vários patamares em termos do valor acrescentado com que se apresentam ao mercado – foram suficientes para tornar falsa uma máxima que chegou a ser verdadeira: ‘quando a Inditex espirra, a ITV apanha uma pneumonia’.

A questão voltou repentinamente ao topo do debate quando ficou a saber-se – os sinais acumulavam-se há alguns meses – que o poderoso grupo de origem galega, o maior do mundo no setor, tinha cortado em 20% a produção encomendada à fileira nacional. O motivo mais próximo residiu na decisão dos governos da Turquia e de Marrocos de baixarem as taxas cambiais – as depreciações da moeda permitem uma repentina energização das exportações, que é apenas o lado bom de uma decisão de bondade duvidosa, com que aqueles países terão de se haver a prazo.

Com o crescimento das margens brutas a fazer parte em lugar de destaque do caderno de encargos da administração da Inditex para o exercício de 2018, o grupo não podia deixar de responder a este apelo – e a ITV nacional teve que acomodar esse impacto que ninguém, há um ano, podia antecipar.

Mas a ITV está muito longe do que era quando a China entrou na OMC (Organização Mundial do Comércio, e dezembro de 2001) e esse impacto parece ter-se ficado mais pela recordação de histórias passadas, que propriamente pela perspetiva de destruição que poderia estar a avizinhar-se.

Paulo Vaz, diretor-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), não tem dúvida: “a única reação que a ITV deve ter é procurar novos clientes”, refere – e isso é do mais simples que há: “as empresas subiram na cadeia de valor e diferenciam-se pela inovação tecnológica, pelo design, pelo serviço”.

A própria associação está no cerne dessa mudança: “oferecemos ao setor a possibilidade de internacionalizar, de ir à procura de outros clientes quer em Espanha quer no resto do mundo. Por muito bom que parece um determinado cliente numa determinada altura, é um risco para qualquer empresa ter demasiada exposição a um único comprador”.

O reforço daquela que é a aposta de agora – a sofisticação de produto, de produção e de serviço – “é o caminho a continuar a seguir, não há outra forma, não me parece que pedidos ao governo ou qualquer outra coisa venha a resultar”.

Impacto Reduzido
Com um caminho consolidado na produção de maior valor, a indústria têxtil está hoje mais protegida das oscilações
O que não tem a ver, ressalva, “com a reivindicação de melhores condições de competitividade, isso continuaremos a fazer. Mas isso não é por causa da Inditex”. E deixa um aviso: “já tivemos uma lição no passado, aqueles que apostam no pouco valor e se entregam à dependência de um escasso grupo de clientes ou de mercados, não costumam dar-se bem”.

Braz Costa, diretor-geral do CITEVE, corrobora: “o setor está a dar um tiro no pé ao sobrevalorizar os movimentos de algumas empresas para fora do país, que não começou agora. Não tenho dúvida que há problemas específicos para algumas empresas, mas quero acreditar que o impacto vai ser reduzido”.

Para aquele responsável, “não posso alinhar nem na lamechice nem nos pedidos para que o Estado intervenha. A alternativa é aquela que o setor tem feito na sua globalidade”, que tem exatamente a ver com o valor acrescentado e com a internacionalização. “Não tenho dúvida que as empresas que trabalharam áreas mais difíceis são as que vêm o seu mercado mais protegido”, recorda.

Ora, Virgínia Abreu, responsável pela Crispim Abreu, também não está para lamechices. E podia estar: a empresa tem um volume de negócios da ordem dos 30 milhões de euros e um grau de exposição à inditex que cresceu até aos 70%. “É preciso arranjar alternativas, novos clientes, mas é uma situação muito temporária: a Inditex vai continuar a comprar”. E coloca uma questão premente: “não acredito que a situação da Turquia seja só cambial – há de haver alguma comparticipação do Estado ou outros incentivos à laboração das empresas” que vem distorcendo os preços nos mercados internacionais, na ordem dos 15% a 20% mais baratos que nós”. “Só não aproveita quem é tolo”, conclui.

Virgínia Abreu está mais preocupada com o ‘fundo’ da fileira: as empresas que são subcontratadas pelos clientes diretos da Inditex e onde as pessoas “também têm de comer. Não poderei responder a todos, mas é uma preocupação”. Mas deixa uma esperança: “a Inditex não vai abandonar Portugal, isto é uma fase, a proximidade vai continuar a ser-nos favorável”, até porque o enorme investimento do grupo galego no canal online (onde o timing das entregas, ou seja, a proximidade, é fundamental) vai obrigar a que o mercado nacional continue ativo.

Concorrência mais forte
Com a Turquia a baixar as taxas cambiais, o grupo Inditex começou a fornecer-se mais nesse mercado

Para Mário Jorge Machado, da Adalberto Estampados, “uma retração das compras da Inditex merece reflexão, para percebermos o que os fará alterar a sua postura”. “Estamos a perder alguma competitividade relativamente a países terceiros – e podemos fazer alguma coisa: melhorando a nossa produtividade, e esse é que deve ser o motivo de preocupação para a indústria têxtil e para todas as indústrias em geral”, refere.

E, nesse quadro, Mário Jorge Marchado não tem dúvidas: “temos fatores de contexto muito rígidos e isto deve ser um ‘cartão amarelo’ que devemos observar com alguma apreensão”. “Voltamos às questões de contexto em termos de energia, de flexibilidade laboral, dos bancos de horas”, afirma, para deixar um aviso: “todos os fatores que estão a contribuir para a ‘rigidificação’ da lei laboral, acompanhas de tudo o resto, vão ter um preço em termos da competitividade do país”.

Já para Miguel Mendes, administrador da A. Sampaio & Filhos, que não tem uma exposição relevante à Inditex, “as marcas do grupo são um cliente muito importante da nossa indústria, sendo responsáveis por volumes que são fundamentais para mantermos uma massa crítica atrativa aos olhos dos grandes marcas internacionais”.

O mesmo se passa com a Pedrosa & Rodrigues: “a Inditex não é nossa cliente direta. Mas vê-la a encolher as encomendas em Portugal deixa-nos preocupados. A Inditex é muito importante para a nossa ITV pois é uma geradora de escala. Precisamos dela para mantermos a massa critica que, numa lógica de cluster, é um dos mais importantes fatores de competitividade da nossa têxtil”, refere Miguel Pedrosa Rodrigues, administrador.

Finalmente, para Abel Barbosa, CEO da Soeiro, “há mais de dez anos que não fazemos nada para as Zaras, Benettons e Mangos. Só trabalhamos para os segmentos médio e alto do mercado. Optamos nos focar em produtos com maior valor acrescentado”, refere, dando de razão àquilo que disse Paulo Vaz.

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