T36 Outubro 18

A moda sustentável veio para ficar?

Só a moda sustentável pode estar na moda. E se dúvidas houvesse, parecem estar hoje já completamente dissipadas. A sustentabilidade já não é tema de análise teórica ou uma questão de activistas ambientais, é antes motor de desenvolvimento, condição de gestão, inovação e futuro para marcas e empresas. E também de concorrência. Que tem que ser assumida nas suas dimensões ambiental, social e económica. A questão que se coloca já não é, pois, a de saber se veio para ficar, mas antes como trabalhar o conceito e as opções práticas que lhe estão associadas.

António Freitas de Sousa

Num mundo onde a sustentabilidade está ainda longe de ser uma certeza – devido em parte à persistência de práticas que vão contra essa tendência inevitável em termos de preservação do planeta – o setor da Moda não podia deixar de dar uma resposta positiva ao manancial de desafios que a opção coloca.

De uma fase em que persistiram dúvidas fundamentadas sobre a possibilidade de acrescentar sustentabilidade ao racional de negócios, os empresários parecem ter descoberto a fórmula certa: a sustentabilidade passou a ser uma ferramenta de desenvolvimento tão ou mais importante que os instrumentos tradicionais de gestão e um elemento essencial para a inovação.

As diversas respostas obtidas à questão que se colocava em torno da sustentabilidade permite aferir que o tema já não carece de mais análise teórica, uma vez que os empresários e as empresas já a incorporaram no seu dia-a-dia.

Isso mesmo diz Braz Costa, diretor-geral do CITEVE, para quem “já não haverá cético que considere que a entrada da ‘sustentabilidade’ para o dia-a-dia dos negócios têxtil-vestuário-moda seja uma moda passageira. A questão que se coloca hoje à ITV portuguesa é: como trabalhar o conceito e as inerentes opções e práticas”.

“A sustentabilidade na moda já não é coisa para cientistas tidos como alheados da realidade nem para ativistas alternativos. Só a moda sustentável poderá estar na moda”, enfatiza, para afirmar que não há outro caminho a seguir.

Ana Silva, Head of Sustainability, da Tintex, considera que “a sustentabilidade entrou no mundo da moda tornando-se um pilar para a indústria e não apenas uma moda. Trouxe com ela novos conceitos e aguça o querer saber dos mais atentos. É neste momento o motor do desenvolvimento de novas soluções e modelos de negócio sendo um conceito transversal a toda a cadeia de valor”.

O tema está no centro da questão: a sustentabilidade deixou de ser uma espécie de etiqueta que se acrescente a uma peça de vestuário, mas um sistema de gestão que está a tornar-se no elemento distintivo entre empresas.

“Tornar a sustentabilidade um conceito intrínseco ao desenvolvimento de negócio permite-nos inovar de forma responsável e inclusiva, acrescentando valor aos produtos/serviços.

Ana Silva
“É uma ferramenta essencial para mantermos vivas as nossas empresas. É o presente e será o futuro”
É uma ferramenta essencial para mantermos vivas as nossas empresas, é o presente e será o futuro”, diz ainda Ana Silva.

Cristina Motta, representante da Messe Frankfurt, considera, por seu turno, que “já ninguém ignora que o futuro do planeta depende de nós, da nossa capacidade de alterar práticas há muito instituídas, desde a forma como consumimos ao modo como as fábricas produzem e como são distribuídos os seus produtos”.

Cristina Motta coloca a questão do racional de negócio como central: “a viabilidade de grandes fabricantes depende da capacidade de inovação sustentável e, para as empresas emergentes, a produção sustentável tornou-se sem dúvida numa oportunidade de entrar mais rapidamente num mercado que veio para ficar”.

Já para Dolores Gouveia, responsável por esta área no grupo Valerius e pelo Fórum de Tendências da Modtissimo, o tempo em que a sustentabilidade era apenas um chavão já lá vai: “acredito que a questão da sustentabilidade não é uma moda, mas antes uma macro tendência que tem vindo a ganhar expressão e cujo potencial evolutivo em termos qualitativos e quantitativos constitui algo de incontornável”.

Ou, dito de outra forma: a sustentabilidade é também, atualmente, uma questão de concorrência. Ou seja, a aposta em práticas sustentáveis pode ser o elemento que determina, do ponto de vista empresarial, a capacidade de obter (ou não) novos negócios.

“Este movimento numa primeira fase abraçado pelos países e marcas do Norte da Europa tem vindo a estender-se a outras latitudes e atualmente mesmo na China existe um forte debate sobre o tema”, refere Dolores Gouveia, para quem “há um pressão por parte dos novos consumidores sobre as marcas”, o que acaba por ter “um papel crucial no sentido de as fazerem repensar a sua forma de atuação e estas por sua vez pressionam toda a cadeia de aprovisionamento exigindo uma ação que se paute pela ética social e ambiental”.

E deixa um importante recado: “as empresas têm que abraçar um novo paradigma porque não basta apresentar coleções com gamas de produtos sustentáveis; as empresas têm que incorporar a sustentabilidade em todas as fases do seu negócio… mais: a sustentabilidade, nas suas dimensões ambiental, social e económica tem que fazer parte dos valores e princípios que regem a ação das organizações.

Daniela Pais
“A necessidade de considerar e assumir o impacto que temos quando produzimos e consumimos é imperativa”
Esse novo paradigma implica antes de mais uma alteração de mentalidades por parte da gestão de topo das empresas”.

E coloca o foco na essência: “o que me parece constituir uma moda é as empresas fazerem discursos sobre a sua oferta sustentável… uma necessidade que decorre da tal pressão exercida por parte dos parceiros/clientes e porque factualmente o mercado da moda sustentável e/ou ética é um mercado com potencial expansivo”.

Para Daniela Pais, da Elementum, “a moda da sustentabilidade, como todas as modas, vai passar mas a sustentabilidade não! A necessidade de considerar e assumir o impacto que temos quando produzimos e consumimos é imperativa”.

Aquela responsável considera que, “enquanto moda, a sustentabilidade tem vindo lentamente a assumir um papel cada vez mais importante e a provocar mudanças no sistema da moda. Trata-se de uma macrotendência que ainda não atingiu o seu pico e que quando terminar vai deixar profundas alterações”.

Finalmente, Paulo Gomes, da Manifesto Moda e coordenador do espaço Green Circle do Modtissimo, afirma que a sustentabilidade não é uma moda: “é uma questão incontornável, à qual ninguém pode virar as costas. Da digitalização do sistema (complexo) de produção, para reduzir substancialmente a agressividade dos processos face ao meio ambiente e aos trabalhadores, à escolha de matérias-primas que se preocupem com a circularidade do sistema (reciclagem de fibras ou fibras bio-degradáveis, por exemplo), até à introdução contínua do design nessas propostas, tudo tem de ser encarado com urgência e seriedade”. E conclui: a sustentabilidade “não se trata de uma moda, mas pode tornar-se cada vez mais num produto de moda”.

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