T70 - Fevereiro 2022

Portugal vai mesmo beneficiar com a reindustrialização na Europa?

É uma realidade há muito sonhada pelos empresários e que o têxtil português está mais que pronto para receber de braços abertos. A crise pandémica veio expor as debilidades da Europa em termos de abastecimento e a consequente necessidade de reindustrialização, numa altura em que a ITV nacional já apontava aos segmento de valor acrescentado, com foco na sustentabilidade, inovação e com forte incorporação técnica. Cresce a tendência para a produção de proximidade e isso pode ser uma oportunidade sem precedentes para Portugal.

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Se os prazos e a qualidade não fossem já razões de sobra, o aumento sem precedentes do preço do transporte e as crescentes preocupações dos consumidores com as questões de sustentabilidade valorizam definitivamente as vantagens da produção de proximidade. Um caminho que só pode beneficiar a têxtil nacional e impulsionar a retomas rumo ao crescimento que registava antes da pandemia.

“Portugal terá certamente um papel determinante neste ecossistema renovado. A marca Portugal está mais forte do que nunca, pela qualidade e fiabilidade dos serviços e dos produtos”, reconhece Ricardo Silva, CEO da Tintex, que acredita que a reindustrialização da Europa já está em curso, motivada pela tendência de rotatividade de coleções, customização e rapidez exigidas pelos consumidores, assim como pelos problemas logísticos que se têm registado por todo o mundo. “Este cenário permite que tenhamos novas oportunidades, mas também uma concorrência diferente. A Roménia e Lituânia estão com boa reputação e a Turquia tem um papel preponderante na produção para a Europa. Devemos manter a vigilância sobre estes países, pois são concorrentes mas também potenciais parceiros de negócio”. 

O empresário não tem dúvidas de que vem aí uma nova vaga de oportunidades e que as empresas portuguesas estão preparadas. “Não podemos ter dúvidas de que a mudança é inevitável, caso contrário corremos o risco de ficar no meio da ponte. A grande mudança nas empresas está na digitalização dos seus processos internos. É preciso ser mais ágil do que antes e isso só se consegue com processos mais automáticos, com uma forma de gestão mais eficiente”, adverte ainda.

Igualmente convicto de que foram os problemas nas cadeias de abastecimento globais, evidenciados pela pandemia, a trazer para a ordem do dia a discussão acerca da necessidade de reindustrializar a Europa, Carlos Ferreira, do Departamento de Produção da A. Ferreira & Filhos, considera que os olhos estão agora todos postos no comercio regional, como forma de diminuir futuras disrupções e a dependência de zonas mais longínquas do globo, contexto que pode em muito beneficiar a empresa e o setor têxtil em geral.  

“Estamos certos de que vai haver uma expansão de clientes, podendo levar ao aumento da oferta e produção da empresa. Esta pode ser a oportunidade de recuperar parte da indústria têxtil que se perdeu no início do milénio, mas agora com o foco nos produtos de valor acrescentado, porque temos a concorrência dos países de Leste e da Turquia”, acredita o administrador, que considera também ser essencial para alavancar o processo que as empresas antecipem as necessidades dos clientes e prepararem o aumento de capacidade nos produtos de valor acrescentado.

José Alexandre Oliveira, Riopele
“A legislação e a política europeia continuam a ser um entrave"
“Reduzir a dependência de matérias-primas de fora da Europa e apostar na formação” fecham o ciclo de propostas para o sucesso português nesta nova fase.

Mais cético, José Alexandre Oliveira, Presidente da Riopele, regista que a estratégia para a reindustrialização da Europa ainda não saiu da gaveta e que de lá nunca sairá se não existir uma abertura justa dos mercados internacionais. “A legislação e política europeia continuam a ser um entrave ao desenvolvimento da indústria. Por um lado, é necessário criar um ambiente económico atrativo que reduza o caráter excessivamente condicionador e burocratizado da União Europeia. Por outro, são necessárias políticas que tornem as relações económicas menos desiguais na competição entre empresas europeias e empresas de outros continentes, nomeadamente nas questões energéticas e ambientais”, explica. 

A acontecer, este novo despertar industrial europeu significará o desenvolvimento de uma nova indústria, onde a sustentabilidade e a digitalização são os novos paradigmas, e por isso mesmo cabe às empresas “investir em tecnologias digitais assentes nos conceitos de Indústria 4.0, com implicações na automatização e eficiência dos processos produtivos”. Apostar nos recursos humanos, através da formação e em parceria com universidades e centros  ecnológicos, é para o presidente da Riopele igualmente essencial, de forma a atrair novas gerações de talentos. “Não é possível pensar numa indústria de futuro se não fornos capazes de assegurar profissionais altamente qualificados”, avisa.

“Portugal encontra-se num estágio de desenvolvimento económico diferente da maioria dos países da Europa. Será consideravelmente difícil assumirmos, como país, um papel determinante neste processo sem a implementação de um conjunto de reformas significativas do sistema fiscal, do sistema laboral, do sistema judicial e do próprio papel do Estado, visando criar um ambiente empresarial mais atrativo para o investimento, para a inovação e para a criação de emprego”, completa o presidente da Riopele.

Quem não tem dúvidas que a reindustrialização tem mesmo de acontecer, sendo um imperativo estratégico fundamental para o futuro da Europa, é o administrador da JF Almeida, que não vai deixar esta oportunidade passar ao lado dos destinos da empresa. 

“O regresso da produção à europa tem um significado muito importante para a JFAlmeida, pois pode implicar um aumento do volume de negócios. E nós já estamos a trabalhar nesse sentido”, revela Joaquim Almeida, que acredita que em todo estre processo “Portugal vai ter um papel muito importante”.

Carla Pimenta, Texser
"Não estamos com condições de sermos competitivos"

Agora, diz, cabe às empresas não deixar as oportunidades passar ao lado e aproveitar esta nova dinâmica para dar o passo em frente no desenvolvimento das suas estruturas industriais. “As empresas têm de se atualizar, investindo em equipamentos, processos, I&D e recursos humanos para se tornarem mais competitivas”. 

Fernando Dias, administrador da B Sousa Dias, também está seguro do processo de reindustrialização europeia, uma realidade que, segundo o empresário, é há muito “amplamente desejada” por todos os players do setor e que irá trazer muitas vantagens, não só para as empresas como para os consumidores.

“As pessoas vão ter a possibilidade de terem consciência do made in EU, que oferece produtos que cumprem normas ambientais e empresas que respeitam as leis laborais, ajudando também à segurança na fixação dos postos de trabalho. E para nós é benéfico porque acaba com a não observância a regras bem definidas na EU, como o jogo comercial do dumping e outras situações que provocam concorrência desleal”, explica.

Um novo paradigma que em nada assusta Fernando Dias, certo de que a B Sousa Dias está mais do que preparada para lidar com as novas exigências do mercado e perfeitamente alinhada com aquilo que os clientes europeus procuram. “Temos uma longa experiencia do que o exigente mercado Europeu tem com preocupações ambientais e procura por mudança constante de novas ideias, novas matérias-primas pois foi sempre nosso principal alvo de vendas”, reforça o empresário.

Já Carla Pimenta, CEO Da Texser, não está muito otimista acerca de uma possível reindustrialização europeia. “Penso que tal só muito dificilmente acontecerá, pois não estamos com condições de sermos competitivos em comparação com outros países”, justifica a empresária para quem a reindustrialização seria não só muito bem-vinda como faria todo o sentido para a Texser, “visto que somos produtores”. 

A acontecer, acredita que Portugal poderá assumiu um papel dianteiro em todo o processo. “Ainda temos custos de mão-de-obra e outros custos associados relativamente mais baixos que outros países europeus, apesar de esta tendência estar a inverter-se”, afirma, salientando que agora o importante é que as empresas portuguesas ponham mãos á obra para estarem preparadas para qualquer que seja o desfecho deste processo. “Devemos avaliar as nossas capacidades produtivas, apostar na modernização e formação, e apontar para uma oferta de qualidade média/alta”, sentencia.

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