T53 - Maio 20

Como vai ser a retoma depois da pandemia?

“Ninguém compra sem ter a quem vender”. A fórmula muitas vezes dita entre reuniões resume as principais preocupações dos empresários do têxtil com o futuro próximo. As previsões são de um processo de retoma lento e gradual em que a grande incógnita está no lado do consumido. Quer pelo receio em regressar às lojas, quer pela diminuição do poder de compra. Do lado das empresas, o objetivo é regressar ao ritmo pré-covid o mais rapidamente possível, enquanto vão apostando na digitalização e na produção de artigos de protecção. A grande a esperança é que os mercados europeus tenham aprendido com a excessiva dependência da Ásia e as autoridades tomem medidas que favoreçam o crescimento da produção interna

António Moreira Gonçalves

Se desconfinamento é uma expressão que entrou no dia-a-dia dos portugueses nas últimas semanas, a palavra retoma parece ainda relativamente distante para o negócio da fileira têxtil, que anseia pelo regresso da normalidade e o reestabelecer das cadeias de fornecimento. Para os empresários, no entanto, o processo não será fácil. Espera-se uma retoma lenta e gradual, marcada por uma crise económica internacional, pelo excesso de stock acumulado nas lojas e pela diminuição do consumo. Para uma indústria exportadora como a têxtil, há ainda uma preocupação acrescida em relação a mercados estratégicos, como os Estados Unidos e o Reino Unido, que estão no topo dos países mais afetados pela pandemia.

“Neste momento é tudo uma grande incógnita. Se por um lado é necessário um desconfinamento para reativar a economia, por outro a doença não desapareceu e há o fantasma de uma segunda vaga, que pode ser ainda mais severa para a indústria”, comenta José Armindo Ferraz, CEO da Inarbel. Ainda em março, a empresa viu muitos dos seus clientes diminuírem, adiarem ou cancelarem encomendas. Depois de um período em layoff parcial, a produção e certificação de batas hospitalares foi a solução encontrada para regressar à atividade a 100%.

Mesmo olhando para este novo segmento como um negócio de futuro – que já levou à aquisição de novas máquinas – José Armindo Ferraz espera que o negócio principal da Inarbel, a moda infantil, regresse o mais rapidamente possível. “A tecelagem continuou a produzir malha para o nosso negócio tradicional, mas o processo será muito lento, houve uma grande compressão da economia e vamos ver como reagem os consumidores”, adianta.

Os consumidores são claramente o busílis da questão para o negócio têxtil. “Há dois fatores essenciais que vão fazer diminuir o consumo: o medo e o aumento do desemprego. As pessoas têm receio de regressar às lojas e provavelmente o poder de compra vai diminuir”, prevê Artur Soutinho, CEO do grupo Moretextile. Orientado sobretudo para a exportação, o grupo têxtil-lar de Guimarães antecipa uma retoma a várias velocidades. “França, Alemanha, Estados Unidos, Japão e países nórdicos são os nossos principais mercados e a evolução é muito diferente de país para país”, diz o responsável do conglomerado.

Também nos têxteis-lar, a marca Mi Casa Es Tu Casa registou um forte impacto com a pandemia. “2020 começou com boas expectativas e estavamos numa rota ascendente e com previsões de terminar o ano com um crescimento de 10%. Mas logo em março registamos uma quebra de 50% nas encomendas”, lembra o director comercial Paulo Pacheco. Para além da marca própria, a Mi Casa Es Tu Casa trabalha com grandes grupos do retalho europeu, como a Zara Home e o El Corte Inglés, que ainda mantêm muitas lojas fechadas.

Inês Branco, Nortenha
"Os próximos 6 meses vão ser muito difíceis. Temos de nos manter resistentes e resilientes"
“Nota-se já um pequeno crescendo, mas Espanha e França foram dois dos países mais afectados e o recomeço será lento. Felizmente alguns mercados mantiveram a atividade, como o Japão ou a África do Sul”, comenta o responsável da empresa.

António Cunha, Sales Manager da Orfama, vê o panorama internacional também com alguma apreensão. “97% da nossa produção é para o exterior e os Estados Unidos, que estão ainda numa fase muito complicada, são um dos nossos principais mercados”, explica, avançando que mesmo nos mercados europeus a situação não permite grandes otimismos. “Muitos países foram severamente massacrados e à pandemia vai seguir-se uma situação de crise, as pessoas vão ter um menor fundo de maneio e uma maior tendência para poupar. O vestuário não será uma prioridade”.

Entretanto, a empresa de Braga está também focada na produção de máscaras de protecção e ainda mantém alguma atividade. “Vários clientes mantiveram as encomendas que tinham, e neste momento tivemos de nos adaptar. As máscaras são uma alternativa que poderá continuar a fazer sentido no futuro, talvez não com as mesmas quantidades mas ainda assim com alguma expressão”, antevê.

As mesmas preocupações são apontadas por Conceição Sá, CEO da Lurdes Sampaio: “O consumidor final é que vai determinar a retoma. Neste momento as encomendas ainda não existem, está tudo na expectativa. As lojas querem escoar primeiro os produtos que têm em stock”. Apesar de notar que algumas marcas conseguiram manter boas vendas através do online, a empresa de malhas acredita que só com o regresso das pessoas ao retalho é que a indústria poderá retomar o ritmo. “Há ainda um grupo enorme de consumidores que prefere as lojas. E a confiança com que vão regressar às lojas será determinante”, assegura.

O stock acumulado nas lojas é para João Carvalho a preocupação número um. “Espero estar enganado e que a minha opinião não valha para nada, mas prevejo um ano muito difícil. As lojas não venderam o que tinham e há muito produto em stock. Se os artigos duma estação estão em armazém, compram menos na próxima. As primeiras encomendas de inverno, que é altura mais importante para as lãs, só vão chegar no próximo ano”, antevê o CEO da Fitecom, empresa de Tortosendo especialista em lanifícios.

“Neste momento, ninguém consegue fazer previsões. Apenas sabemos que os próximos seis meses vão ser difíceis. Na indústria ainda não se sentem sinais de retoma e pela forma como os têxteis foram afectados, qualquer antevisão é prematura”, afirma Inês Branco, Head of Design da Têxtil Nortenha.

João Carvalho, Fitecom
"As primeiras encomendas de inverno, a altura mais importante para as lãs, só vão chegar no próximo ano"
Apesar do vazio da incerteza, a responsável pela empresa têxtil de Vila Nova de Famalicão tem uma certeza: “Temos de ser resistentes e resilientes”

Resiliência, que para além da produção de máscaras e outros equipamentos, se traduz para muitas empresas têxteis num esforço acrescido de digitalização. É o caso da Moretextile, que para além de um showroom digital, criou também agora uma loja online para a sua marca Cotton Care. “Todas estas soluções como as videoconferências ou as visitas virtuais são para manter. Não significa que substituam o contacto presencial, mas são uma solução, que agora se implementou e continuará a ser utilizada. E muitas vezes traduzem-se numa maior eficiência”, explica Artur Soutinho.

A prioridade está em manter a proximidade com os clientes. “Na Orfama, a cada semana fazemos uma análise do feedback dos clientes e estamos a apostar na digitalização para fazer este approach às empresas. Pelo menos enquanto as feiras não regressarem à sua dinâmica normal”, comenta António Cunha.

Quanto às feiras – cujo regresso está previsto para Setembro – João Carvalho projecta: “Vamos continuar a estar em todas as feiras onde íamos, mas certamente que esperamos menos clientes”. O líder da Fitecom procura também colocar a tónica na digitalização, mas sabe que os compradores demoram a habituar-se. “Fazemos toda a colecção em formado digital há anos, mas não há um cliente que não prefira o formato tradicional. A mudança de hábitos vai demorar”, assegura.

Na Mi Casa Es Tu Casa, o foco esta já na próxima Heimtextil, em janeiro do próximo ano. “Em 2020, por muito que corra bem, já não será possível recuperar os números que prevíamos no início do ano. A prioridade agora é entrar em 2021 ao ritmo que começamos este ano. O foco está na Heimtextil, para a qual já estamos inscritos”, afirma Paulo Pacheco.

Para acelerar o processo da retoma, resta também a esperança de que o alarme face à excessiva dependência asiática faça a Europa realinhar as suas prioridades. “As empresas estão motivadas para retomar. Em relação aos consumidores, hoje mais do que nunca será preciso comprar português. Mas para além disso, Portugal e a União Europeia têm de apoiar a sua indústria e diminuir a dependência em relação à Ásia”, afirma José Armindo Ferraz, num apelo seguido por António Cunha: “Será importante criar uma consciência que não podemos estar tão dependentes da Ásia. E na Europa, não podemos esquecer que os têxteis portugueses estão à frente em termos de inovação e quick response. Está na hora de afirmar essas mais-valias”, resume.

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