T56 - Setembro 2020

Como está a correr a aventura dos marketplaces?

As feiras digitais, ou marketplaces, entraram definitivamente no vocabulário das empresas têxteis ao longo dos últimos meses. Com o calendário das feiras presenciais em stand by e as viagens internacionais interrompidas, muitos empresários avançaram para as novas plataformas, apresentando os seus catálogos ao mundo através do ecrã. Num primeiro balanço desta nova aventura os empresários registam muitos contactos, sobretudo vindos de mercados apetecíveis como a Alemanha, a França ou os países nórdicos, mas poucas encomendas, a digital não será uma alternativa mas antesum complemento às feiras presenciais, que se mostram mais eficazes em trazer ordens de produção para a indústria portuguesa

António Moreira Gonçalves

É uma transição anunciada, que em 2020 recebeu um impulso inesperado. A digitalização da indústria e do comércio já fazem parte das previsões há vários anos, mas com o distanciamento social e a interrupção do tráfego áereo, o processo foi acelerado de uma forma inédita. Com as feiras presenciais fora da agenda, muitas empresas têxteis e de vestuário lançaram-se na nova aventura dos markeplaces, asplataformas digitais exclusivamente desenhadas para profissionais do sector.

Algumas soluções já estavam presentes no mercado – e com expositores portugueses inscritos – como é o caso da plataforma alemã Foursource ou da norte-americana Joor. Nos últimos meses também as principais feiras convencionais reforçaram as suas plataformas online, como foi o caso da Première Vision, d Playtime ou dTexworld USA, entre outras. Uma tendência que culminou até na organização da Global Apparel Sourcing Expo, a primeira feira integralmente digital, que decorreu entre os dias 15 de julho e 14 de Agosto e onde a comitiva From Portugal reuniu o primeiro pavilhão português numa feira online com 15 expositores de diferentes sectores da têxtil nacional.

“Já conhecíamos as plataformas, já tínhamos recebido propostas semelhantes no passado, mas pareceu-nos que esta era a altura para experimentar o modo profissional e fazer um investimento”, conta Pedro Libório, comercial no grupo Goucam e responsável pela presença da empresa no marketplace Foursource, onde tem os seus artigos em exposição até ao final de 2020. A têxtil de Viseu, especializada na confecção de fatos, foi uma das muitas empresas que ao longo dos últimos meses se estreou em plataformas digitais.

Também a Ultra Creative, especializada em Workwear, viu no contexto da pandemia o momento para entrar nos markeplaces. “Estamos presentes há dois meses”, começa por contar o CEO António Ferreira. No entanto, os resultados não são ainda os desejados. “Todos os dias fazemos incursões no site, todos os dias trocamos mensagens, em dois meses tivemos cerca de 60 contactos, sobretudo de ateliers e pequenas empresas. Mas até agora ainda não tivemos nenhuma encomenda, porque procuram ou quantidades muito pequenas ou preços muito baixos”, explica o empresário.

A mesma realidade é relatada por Pedro Libório: “No mercado da Goucam, que é o segmento formal médio-alto, não surgem muitos clientes. Percebemos que noutras áreas da moda surge uma maior procura, com marcas de nicho, que procuram pequenas quantidades ou outra gama de preços”, conta.

Bruno Ferreira
"Mesmo sem pandemia, o nosso objetivo é sempre estar junto dos clientes, seja qual for o meio”

Já com uma maior experiência, a empresa O Segredo do Mar é a verdadeira decana dos marketplaces, onde investiu ainda antes da pandemia. “Já estamos a trabalhar em plataformas B2B desde fevereiro de 2019 e no início estava tudo muito verde, ainda não havia aquele hábito, em ambiente industrial, de fazer encomendas pelo online. Aos poucos nota-se uma evolução”, comenta Alexandra Pereira, gestora comercial na O Segredo do Mar, que tem recebido sobretudo contactos de novas marcas a arrancarem com os seus projectos. “O que nos aparece maioritariamente são startups e é normal que assim seja porque quem cria uma marca no início tem sempre problemas de quantidades e procura outras soluções. É mais fácil ir online do que viajar a um país e visitar 30 fábricas”, constata.

A Condição Padrão, empresa de confecção sediada em Famalicão, também começou a investir em marketplaces ainda antes da pandemia e pouco a pouco vai registando alguns resultados. “Estamos inscritos desde o início do ano e notamos que com a crise registou-se um aumento da atividade. Registamos vários contactos, estamos a enviar amostras, e até agora tive produção de um cliente da Alemanha”, conta Margarida Pinho, gestora da empresa.

Bruno Ferreira, administrador da Siena também já abriu algumas produções para clientes oriundos de markeplaces. “Há um ou outro cliente para o qual já começamos a produzir, 3 ou 4 no máximo. Aparecem algumas coisas, mas sobretudo pequenas produções, para marcas que estão a começar ou a diversificar os seus produtos”, explica.

“Há uma progressão para o digital, mas ainda há muitos factores que têm de ser melhorados. Os clientes parecem contactar mais por curiosidade do que para fazer encomendas”, relata ainda Carla Areal, CEO da Meia Pata, marca de moda infantil que está presente no marketplace da Playtime. Uma experiência que leva a empresária a não ter dúvidas: “Estas plataformas não são capazes de substituir as feiras presenciais, nem de perto nem de longe, porque há uma grande diferença: quando as pessoas se deslocam a uma feira vão para comprar. Os clientes pagam a viagem e a estadia e entram focados no negócio”.

A ideia de que estes marketplaces são alternativas ao contacto presencial também é afastada por Alexandra Pereira. “O têxtil é muito feito de relacionamento e empatia, uma fotografia não espelha o que fazemos. Eu posso comprar peças de alta-costura e coloca-las no showroom e dizer que as produzo, mas um comprador que trabalha nesse mercado ao falar comigo vai perceber se isso é verdade ou não.

António Ferreira
"Em dois meses tivemos cerca de 60 contactos, sobretudo de ateliers e pequenas empresas”
As feiras trazem isso, uma maior realidade ao negócio.”, explica a gestora comercial da O Segredo do Mar.

No entanto, mesmo com o ritmo de encomendas ainda longe das expectativas, todos os expositores veem nestas ferramentas a antecipação de um futuro cada vez mais próximo. Até porque os contactos surgem de mercados estratégicos para as exportações portuguesas. “Os contactos vêm dos mais variados lugares, do Canadá, da Austrália, do Panamá. Mas estamos focados sobretudo nos que surgem na Europa, de países como a Holanda, Alemanha, Inglaterra e França”, explica António Ferreira, CEO da Ultra Creative. “Já recebemos contactos do Canadá, EUA, Noruega, Suécia e Suíça. Não há bem um padrão, são muitos os países representados”, acrescenta Alexandra Pereira.

Uma mundividência que leva as empresas a olharem para estas ferramentas com uma seriedade crescente. “Precisamos de uma pessoa para fazer a gestão diária e falta-nos essa parte para dar uma resposta e atenção constante. É algo que estamos a começar a trabalhar e que vamos decidir depois das férias se será necessário ter alguém em exclusivo a responder aos emails e pedidos que nos chegam”, adianta o administrador da têxtil Siena. “Todos os dias fazemos a nossa gestão. Já enviei catálogos, já respondi a questões, vamos mantendo o contacto”, salienta Carla Areal, que através do marketplace da Playtime tem contactado sobretudo clientes franceses.

No final de contas, o que importa aos empresários é abrir um novo canal de comunicação com os mercados externos, sobretudo perante um ambiente recheado de interrogações. “O mercado está estranho, isso nota-se, e esta é uma oportunidade muito grande de contactar diretamente os cliente e explicar o que melhor fazemos”, salienta Margarida Pinho, gestora na Condição Padrão.

“Vamos continuar a participar, definitivamente, porque isto é o futuro. Mas os Markeplaces precisam de fornecer um report mais completo aos expositores, nós estamos presentes mas não conseguimos saber o que estamos a fazer bem e o que poderíamos estar a fazer melhor, parece que tudo é controlado por algoritmos e não nos dão informações suficientes”, comenta Alexandra Pereira.

Para o  administrador da Siena também não há dúvidas. “Faz sentido apostar cada vez mais nestas plataformas. Mesmo sem pensar na pandemia, o nosso objetivo é sempre estar junto dos clientes, seja qual for o meio. E esta é uma nova forma de criar essa proximidade”.

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