António Faria
Uma das nossas forças é a rapidez de entrega
T81 - Março 23

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Talvez se contem pelos dedos de uma única mão as empresas portuguesas com mais de 100 anos de existência. Em 1911, Portugal debutava no pequeno conjunto de países europeus que abraçava a causa republicana em detrimento da monarquia, e a Vital – que ainda não se chamava assim, tentava a sua sorte num quadro de forte incerteza política em que tudo era novo, incerto e desconhecido. A república haveria de consolidar-se e a Vital também.

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s dores de crescimento foram ultrapassadas com empenhamento administrativo e com o acrescento metódico de inovação – quer ao nível do produto quer da indústria. O ano de 2008 foi fundamental na história da empresa: quase a chegar à situação de centenária, a administração percebeu que a chave da continuidade era insistir na diferença: novos produtos para criar novos mercados, mas também para aproveitar os conhecimentos que entretanto a Vital tinha adquirido dos mercados em que já operava.

Que dimensão atingiu a empresa no final do ano de 2022?

Atualmente somos cerca de 130 trabalhadores em dois polos industriais e a faturação está no patamar dos 13 milhões de euros. Crescemos muito nos últimos dez anos: em 2008 éramos 23 pessoas e faturávamos 1,9 milhões, desde esse ano ficou uma de três irmãos como maior acionista e assim se mantém até aos dias de hoje. 

 

Impressionante. Qual foi o segredo dessa evolução?

A diversificação. Para contextualizar, em 1911, a empresa foi criada por Etelvina de Jesus Machado e chamava-se “Manual de Tecidos de Algodão”. Em 1926, após o seu casamento com Vital Marques Rodrigues, alteraram a designação da empresa para Soc. Têxtil Vital Marques Rodrigues. Já em 1935, fundaram uma das primeiras fiações em Portugal, para ajudar as pequenas indústrias de colchas, que era então o que fazia a empresa. Com a chegada do filho Leonel à empresa iniciou-se a produção de tecido para colchão. Em 2008, a minha ideia foi, por um lado, ir buscar as produções que tínhamos abandonado e por outro investir em novas gamas de produtos. Começámos com os felpos em plena crise mundial e com uma empresa à parte, mas ao fim de quatro anos fizemos a fusão com a Vital.

 

E continuou a diversificar.

Começámos com colchas e atoalhado de mesa utilizando as sinergias existentes, depois investimos nos felpos, nas mantas de bebé, nos tapetes artesanais e no final do ano passado avançámos com a produção de cobertores. Tivemos que mostrar aos nossos clientes que também fazíamos outros produtos e procurar novos mercados. O último investimento que fizemos foi na produção de lençóis jacquard que permite a sua personalização. 

 

Investir no América do Norte
Numa região que fique próxima quer do Canadá quer dos Estados Unidos

Qual é o negócio mais importante?

Neste momento é o setor de têxteis-lar. Inicialmente, o tecido de colchão correspondia a cerca de 70% da faturação, com os têxteis-lar a responder por 30%. Neste momento, é precisamente o contrário, imagino que por termos tudo: tecelagem, tinturaria e acabamentos. Há uma enorme concorrência de outros países como por exemplo a Turquia, mas temos conseguido crescer e uma das nossas forças é a rapidez da entrega.

 

As exportações são importantes na Vital?

Bastante: cerca de 70%. Os principais mercados são Itália, França, Inglaterra e Espanha.

 

Inglaterra continua um bom mercado, mesmo com o Brexit e o Protocolo da Irlanda?

Houve uma paragem a seguir ao Brexit, mas agora há um novo arranque, que notei desde que Rishi Sunak assumiu o lugar de primeiro-ministro. Temos conseguido novos clientes e encomendas de Inglaterra e temos ganho força em novos mercados como Canadá e Estados Unidos.

 

A missão da Vital é criar e produzir malhas, tecidos e artigos de têxteis-lar que ofereçam os melhores designs e qualidade. Mas esse é apenas um dos lados da empresa: rapidez, confiabilidade e competitividade explicam por que razão a Vital acompanha as tendências e inovações dos mercados mundiais.

Como explica esse crescimento do lado de lá do oceano?

A nossa força é a rapidez – que resulta de sermos uma empresa vertical. A América do Norte procura isso: as encomendas são, geralmente, todas urgentes. E mesmo na Europa a tendência mantém-se, com a crise os clientes não querem fazer stocks e quando fazem as encomendas precisam do artigo com urgência.

 

Qual é o peso da América do Norte no total das exportações?

Está próximo dos 15%.

 

É um mercado a crescer?

É para este ano um mercado prioritário e estratégico para a Vital e recentemente também Norte de África.

 

Norte de África?

Estamos a crescer muito. Nomeadamente nos têxteis-lar – tanto na vertente hoteleira como da casa. Tínhamos um cliente desde há três anos e de repente, do final de 2022 até agora, temos cinco ou seis novos clientes com encomendas razoáveis.

 

O caminho das exportações é o mais correto?

Eu sempre tive a ideia de internacionalizar a Vital.

 

Está a dizer investir na indústria fora de Portugal? 

Sim. Muita gente pensa apenas em África, mas a minha ideia é diferente: na América do Norte – numa região que fique próxima quer do Canadá quer dos Estados Unidos. Sei que é preciso arranjar pessoas para fazer isso – e não posso esquecer que já tenho uma certa idade, mas é algo que tenho vindo a debater com a nova geração. Começar devagar, com um pequeno investimento, até porque os Estados Unidos estão a fechar-se cada vez mais ao que não é lá produzido e isso pode ser uma oportunidade. 

 

Tem um horizonte temporal para esse investimento? 

Talvez já seja com a nova geração. Acho que é um mercado que se pode e deve explorar até porque a ligação entre o Canadá e os Estados Unidos é indestrutível. É um sonho, todos nós temos um. 

 

Toda esta transformação a partir de 2008 obrigou a investimentos de vulto.

Os nossos investimentos são feitos com cautela e tendo em vista o seu retorno através da redução dos custos de produção. Em média fazemos investimentos de um milhão de euros por ano, quer para produzir algo de novo quer para substituir produção subcontratada.

 

Também foge ao dinheiro do PRR?

Tenho um PRR de 2,7 milhões à espera de ser aprovado na área da energia e que se trata de uma inovação: uma caldeira de biomassa alimentada por painéis solares. Desde 2019 que temos investido em painéis solares o que nos permitiu escapar aos enormes aumentos da energia elétrica, e estamos neste momento a fazer um reforço da nossa capacidade. 

 

Toda essa capacidade instalada leva a crer que se prepara para produzir coisas novas. 

A ideia é essa. O próximo investimento previsto engloba duas máquinas de um milhão de euros, para instalar no novo pavilhão de mil m2, que iremos construir numa das unidades da empresa. É o passo a seguir, que nos vai permitir a produção de outras gamas de produtos – ou os mesmos artigos, mas com menores custos. Há uma guerra de preços tremenda, que acontece sempre que há um período de quebra de encomendas, e muitos clientes preferem baixar a qualidade do produto para conseguir um melhor preço. Para além disso, quanto maior e variada for a nossa oferta mais produtos podemos propor aos nossos clientes, o que nos permite fazer, posteriormente, investimentos naqueles que melhor resultam para os mercados com quem trabalhamos.

 

Com essa diminuição de encomendas, 2023 será um ano difícil?

O que noto neste momento é que 2022 foi um ano em que se faturou muito, mas não se ganhou dinheiro e o principal fator foi o custo da energia. Neste momento, a comparação que fazemos é com a faturação de 2021 – e está em linha. Acho que 2023 estará alinhado com 2021 tanto em faturação como em margem. O preço dos fios desceu, mas está muito variável, o que introduz alguma incerteza no mercado. O ano de 2023 não será com certeza dos melhores anos, mas pode ser a transição para um ano bom, que esperamos que seja 2024 e por isso é que continuamos a fazer investimentos.

 

Que importância tem a sustentabilidade na produção da empresa?

É muito importante. Para além da questão das energias, temos um projeto com outra empresa para o aproveitamento do algodão que a produção desperdiça – e que será usado para voltar a fazer fio. Um projeto que também está no PRR. E ainda, temos também um tear para produzir artigos com o desperdício dos teares, o que torna a nossa oferta mais sustentável. 

 

Acredita que o têxtil português tem futuro?

Vamos ter uma oportunidade inesperada: a Turquia. A indústria turca ficou muito destruída com os terramotos que ocorreram em Fevereiro e vejo aí uma oportunidade para o mercado português crescer. Mas há coisas que têm de mudar, como por exemplo o ensino universitário, que tem de ter uma ligação maior à indústria – é preciso ter conhecimento prático, os alunos têm de sair melhor preparados para o trabalho. As empresas precisam de bons funcionários – e essa é, mesmo sendo por vezes criticado, uma preocupação que eu não deixo de ter. Os recursos humanos são das coisas mais importantes numa empresa e tenho a consciência que a experiência é uma mais-valia dentro da empresa.

 

Temos à nossa frente a próxima geração [os filhos Filipe e Pedro]. Como vai gerir a mudança?

Quero deixar-lhes uma empresa moderna e bem estruturada para que não tenham de fazer grandes investimentos nos primeiros anos e possam dedicar-se a explorar novos mercados.

Perfil

O CEO da Vital Marques Rodrigues é, aos 57 anos, o motor de uma empresa centenária que aposta na busca constante por inovação e melhoria contínua, combinando tradição com mentalidade empreendedora.

As perguntas de
Catarina Rangel
Comercial da Vital Home

Qual é o segredo da longevidade da Vital? 

O segredo é o esforço tanto da administração como das pessoas que trabalham connosco. Desde 2008 que os lucros não saem da empresa: são sistematicamente reinvestidos e todos os que aqui trabalham sabem o que têm de fazer, todos são responsáveis. Todos funcionam em equipa – com autonomia e com responsabilidade. Vestir a camisola é o que permitirá que a Vital continue a crescer. 

Como vê a Vital daqui a 10 anos?

Vejo uma empresa com cada vez mais produtos a colocar no mercado. Vejo uma empresa mais forte.

Diana Gomes
Comercial da Vital Home

Em 112 anos de vida qual foi o pior momento para a Vital Tecidos?

Foi a queda do BES. Houve uns dias em que a pressão foi muita e a incerteza foi terrível. Tínhamos dinheiro, mas não sabíamos se ele ainda existia. E depois há aquela situação: pode ter-se dinheiro e dívida num banco; se o banco fechar, o dinheiro desaparece, mas a dívida mantém-se. Cheguei a temer o pior e para nós foi mais difícil do que o ano da pandemia, pois apesar das incertezas faturámos mais que no ano anterior, também porque nos dedicamos à produção de máscaras certificadas e ao fornecimento de hospitais.

Quais as perspetivas para o futuro? 

Sou um otimista que está sempre à procura de coisas novas. Continua a haver lugar para a indústria têxtil nacional, que não pode confundir-se com o caminho de outros países: pequenas quantidades e rapidez na entrega é o que distingue os portugueses. Também noto que a nossa indústria está a ganhar nome com a ajuda das feiras e da Selectiva Moda e o design português tem melhorado muito. E, claro, a aposta na sustentabilidade, na redução do desperdício e nas preocupações ambientais, mas esta sustentabilidade só é possível com a ajuda de todos: não pode ser a Europa e os americanos a lutar por um mundo melhor e o resto do mundo a ignorar as questões ambientais.

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