José Costa
A nossa estratégia é não desperdiçar qualquer oportunidade
T78 - Dezembro 22

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Constituído a partir da Becri por um conjunto de cinco empresas exportadoras dedicadas ao setor das malhas e mais e outras cinco confecções que trabalham para elas em exclusivo, o Becri Group vai facturar este ano perto de 70 milhões de euros.

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um ano no mínimo desafiante, qual é o balanço para a Becri? 

Creio que não vou dizer grandes novidades, tivemos um bom primeiro semestre, o segundo já com alguma retração a fazer sentir os efeitos da guerra na Ucrânia. Pelos números que temos em mão, iremos fechar com menos 5 a 6% face ao ano passado. 

 

É marginal? 

Sim. Mas felizmente porque há um trabalho de casa que nos ajudou a ter este desfecho. Era expectável um resultado bem inferior não só face à situação de guerra mas também porque no segmento em que trabalhamos, leasure e sportwear tiveram um boom no ano passado e era previsível que baixasse este ano e que subisse o vestuário formal, pelo que era previsível um resultado bem pior. Tivemos, de facto, um grande trabalho na parte comercial, e os resultados já estão a surgir. 

 

E face a 2019, que é o padrão da normalidade? 

Em 2019, aqui só na Becri, faturamos cerca de 32 milhões de euros e agora iremos fechar à volta dos 42 milhões enquanto no ano passado fechamos com 45. 

 

Ou seja, uma passagem estável pela turbulência? 

Não será bem assim. A turbulência ainda não passou e, oxalá esteja enganado, o efeito colateral da guerra vai começar agora a sentir-se. Há economias como Alemanha e Inglaterra, que são os motores da Europa, que podem entrar em recessão. 

 

Já se nota quebra de encomendas? 

Como disse, no segundo semestre já sentimos a retracção dos clientes, creio que em resultado da conjugação do fator guerra com a inflação sente-se uma baixa do poder de compra. 

 

E com isso antevê alguma mudança do perfil do mercado ou será apenas uma reacção às circunstâncias? 

São mudanças que de alguma forma já se anteviam, a pandemia mudou muita coisa na forma de estar e de viver das pessoas.

Objetivo da Becri
A ambição do grupo é atingir os 100 milhões de euros de facturação
Mas há muitos mercados dentro do mercado e nem todos têm a mesma reacção. No nosso caso, que trabalhamos para um segmento médio-alto, temos que nos posicionar no sítio e no momento certo, é disso que estamos permanentemente em busca. 

 

Essa é uma das coisas que vos caracteriza, uma forte aposta na vertente comercial. Não é revelar a tática, mas pode explicar qual é a estratégia? 

Primeiro conhecer o posicionamento do cliente e depois trata-los todos da mesma maneira. Seja pequeno, médio ou grande, todos são tratados de forma igual, tratar, acarinhar e dar-lhe condições para que possam crescer connosco. A nossa estratégia é não desperdiçar qualquer oportunidade e estarmos em busca constante de novos clientes. O mercado tem tendência natural para encolher e nós temos que o saber esticar, a parte comercial tem que estar de uma forma constante à procura de novos clientes. 

 

O casual e sportswear foi sempre a vossa aposta? 

Sim, claramente. 

 

No início não era o segmento criança? 

(… risos) De facto pode haver aqui algum equívoco, porque Becri quer mesmo dizer bebé e criança. O meu pai explicou-me que era o que estava disponível na altura do registo da empresa, queriam um que juntasse os apelidos dos sócios, mas este é que estava disponível. 

 

Foi o seu pai que fundou a empresa?  

Sim em 1983. Era alfaiate em Barcelinhos e tanto eu como os meus irmãos também fomos alfaiates com ele. Era bombeiro e no combate a um incêndio teve um acidente que lhe provocou uma lesão nas costas e os médicos aconselharam-no a mudar de profissão. Era um tempo em que florescia a confecção de vestuário em série e essa foi a opção natural. O lógico para um alfaiate era que se dedicasse ao vestuário formal… 

 

Uma visão estratégica, já via à frente? 

Becri, um nome que pode ser enganador Face ao nome da empresa, somos à partida levados a crer que se terá de início dedicado ao fabrico de vestuário para bebé e criança. E, de facto, é isso mesmo que que dizer, resultando da junção das palavras as sílabas iniciais das palavras bebé e criança. Um nome que pode, portanto, resultar num engano, uma vez que que esse nunca foi o objectivo da empresa, que desde o início se especializou no segmento vestuário casual e de lazer. O nome Becri foi adotado apenas porque era aquele que estava disponível para o registo, face à recusa do pretendido, que associava os nomes dos fundadores.
="font-weight: 400;">Hoje pode parecer que sim, mas foi apenas por uma questão económica. Com nove filhos, todos a estudar, o dinheiro não abundava, e como as máquinas para fazer vestuário desportivo eram bastante mais baratas, foi essa a razão da opção pelo vestuário desportivo.

 

E na escala de idades, qual era a sua posição? 

Sou o do meio, é onde está a virtude (risos). Na altura éramos adolescentes, o meu pai entendeu que seria o que reunia melhores aptidões para o ajudar, fiz um curso no Citex – actual Modatex – e acabei por vir para aqui logo desde o início e dediquei-me a cem por cento. 

 

E mantem-se a estrutura familiar da empresa? 

Sim. Atualmente somos três sócios, três irmãos. Ou melhor, quatro sócios, porque a minha irmã dividiu a quota com o marido: eu, o Jorge, que é responsável pelas Tinturarias e pelo Desenvolvimento de Malhas, a Paula, Diretora de Recursos Humanos, e o meu cunhado Américo Alves, que é o Diretor Financeiro. Ou seja continua a ser a família Costa, nosso pai António José da Costa – que era também conhecido como José Costa, o que me dá muito orgulho – faleceu agora em Agosto mas já antes era esta a estrutura accionista.  

 

Mas a empresa familiar é hoje um grupo, como funciona e se organiza?

De forma sucinta, temos a Becri, que é pai e mãe do grupo, que emprega à volta e 220 pessoas, depois a Guay, que está aqui do outro lado da estrada e tem 90 colaboradores; a seguir a Gubec, que está em Esposende e tem 120 pessoas; a Posolis, que adquirimos recentemente, tem 130 trabalhadores; e, por último, a Wonder Raw, uma parceria que criamos recentemente e onde somos minoritários. Este é o grupo das exportadoras, depois temos a área das confeções com cinco unidades que temos vindo a adquirir desde 2018, mas que trabalham exclusivamente para o grupo. Estão todas debaixo da designação Títulos & Rubricas: a unidade 1 em Vila Verde, com 85 colaboradores; a 2 em Faixa, Ponte de Lima, com 25 pessoas; a 3, em Guimarães, tem cerca de 100 colaboradores; a 4 também em Ponte de Lima, tem 25 colaboradores, e estamos agora a criar de raiz uma nova, a 5, em Manhente, aqui em Barcelos, que tem 9 colaboradores mas está preparada para ter 60 a 70.

 

E como e articulam entre si, o que faz cada uma? 

A Brecri faz artigos de sportswear e casualwear, e também algum vestuário formal desde que seja em malha. Tudo o que são malhas circulares, com qualquer composição, fazemos tudo. Na Guay o segmento é similar. Nasceu dentro da Becri em condições muito especiais, por uma necessidade burocrática de um cliente que necessitava de faturar a uma empresa diferente, depois surgiu um edifício aqui ao lado e passou a ter vida própria. Trabalha no mesmo segmento mas não temos os mesmos clientes. Com a Gubec, em Esposende, foi uma oportunidade de negócio que surgiu, e embora trabalhe também no mesmo segmento tem igualmente clientes distintos. Têm as três vida própria mas não são concorrentes entre si. A mais recente aquisição foi a Posolis, uma empresa com 40 anos de vida, com génese na antiga Tebe, cujo proprietário se queria afastar por razões de idade e aposentação. Foi uma oportunidade interessante porque surgiu num momento em que andávamos tentar implementar um modelo de trabalho por células, que pudesse responder tanto a grandes como a pequenas encomendas, e esse era precisamente a o modelo da Posolis. Está lá e funciona bem, encontramos o modelo que com dificuldades andávamos a tentar implementar. Agora há também a Wonder Raw, uma parceria do Grupo Becri, com uma pequena participação mas importante para o grupo na angariação de novos clientes. Marcas novas, de jovens empreendedores, designers blogueres ou influencers que se querem lançar no mercado e não tíhamos capacidade para a colher. E nos últimos tempos rejeitávamos centenas e centenas de solicitações. Nasceu em maio, é uma espécie start-up de marcas e à medida que vão crescendo podem passar para outra parte do grupo.  

 

Têm contas consolidadas?

Sim. Este ano o Grupo Becri deverá atingir uma facturação próxima dos 70 milhões. Juntando as previsões de cerca de 42 milhões para a Becri, 6 milhões na Guay, 8,5 na Gubec, outros 6 milhões na Posolis e 1,5 milhões apontados para o arranque da Wonder Raw, se bem que esta não vai ser consolidada no grupo. No conjunto, o grupo Títulos & Rúbricas, as confecções facturam à volta de 3,5 milhões. Mas temos ambições no grupo de até 2027 chegar aos 100 milhões.  

 

Falemos agora de sustentabilidade. A Becri tem o modelo patenteado, o Fiber Loop, o que é e em que ponto está?

 Foi uma coisa que nasceu internamente, entre as equipas de design e comercial, para corresponder à necessidade dos nossos clientes e trabalhar a sustentabilidade. Uma coisa que estava aqui à frente dos nossos olhos, que é o aproveitamento dos resíduos que saem do corte, que iam para o lixo. Dai a ideia de criar uma composição com 50% de algodão reciclado e outros 50 de algodão virgem, o que garante a reciclagem de pelo menos 20% do desperdício que sai do corte.  Nasceu de uma necessidade, mas hoje a sustentabilidade já não é uma tendência, é uma obrigação imposta pelos clientes. 

 

E acrescentou valor junto dos clientes? 

Tudo o que é novidade, que tem inovação, acrescenta valor e em alguns clientes teve mesmo o efeito de ajudar a catapultar as vendas.  

 

Têm também um processo de modelação virtual inovador, em que consiste?

É o Clo 3D. Em 2018, creio que até um pouco à frente do mercado, estávamos já a tentar encontrar algumas soluções que revolucionassem um pouco o nosso negócio. Principalmente na parte das amostras que é um processo lento, demorado e com muitos custos. Já se falava na digitalização e decidimos comprar este clo, um sistema alemão que achamos que é um Ferrari do 3D, tivemos logo dois clientes que abraçaram o projeto, mas houve também resistências, como é natural. Tratamos de internamente desenvolver e adaptar o processo e quando partimos para o apresentar aos clientes chegou a Covid que pôs fim a quaisquer dúvidas ou resistências. Juntou-se a fome à vontade de comer, fez surgir uma necessidade para a qual já estávamos preparados.  E agora já não há volta a dar, é só melhorar cada vez mais o processo e andar para a frente. 

 

Qual é a estrutura de exportações no grupo? 

É 100%, todas nossas empresas exportam a totalidade daquilo que produzem, Há apenas na Becri uma pequena quantidade para o mercado interno, ma é um valor marginal, não chegará sequer aos 2%. 

 

E quais são os principais destinos, há segmentação de mercados por cada uma ou podem trabalhar todas para o mesmo mercado?

Não, não há segmentação de mercados. Como disse, não há concorrência interna, cada uma tem os seus clientes próprios, mas os mercados são livres. Trabalhamos sobretudo para França, Inglaterra, Alemanha e EUA. 

 

E há algum que tenha prevalência? 

Procuramos que não. Utilizo muito aquela lei de parede dos 80/20, procuramos que cada mercado nunca represente mais que 20 a 30 por cento no máximo. 

 

E em termos de clientes? 

A mesma lógica, o nosso maior cliente não ultrapassa os 20%. Digamos que é uma lógica calculista, ma são a regras pelas quais sempre nos regemos e vamos continuar a reger.  

 

Mas a concorrência é cada vez mais feroz, até que ponto o selo made in Portugal funciona como escudo protector?

Há, de facto, um trabalho feitos nos últimos 10 a 15 anos por várias entidades que estão ao serviço da indústria têxtil, que os empresários souberam abraçar, e hoje a marca made in Portugal é reconhecida a nível internacional e um trunfo comercial quando lidamos com os nossos clientes. Já agora, registo que apesar disso a têxtil em Portugal continua a ser o parente pobre da indústria. Apesar de ter mostrado ao longo dos anos que é resiliente, que contribui de forma crescente para o PIB nacional muitas vezes a têxtil não é olhada nem acarinhada como deveria ser.

Perfil

56 anos, CEO Becri, o grupo têxtil que nasceu há 40 anos quando o pai, alfaiate, foi aconselhado a mudar de profissão na sequência de uma lesão nas costas. Entre os nove irmãos José era o filho o meio e foi o escolhido para o ajudar no arranque do fabrico em série de roupa desportiva. Fez um curso no Citex e dedicou-se a cem por cento à empresa logo desde o início

As perguntas de
Luís Oliveira
CEO Wonder Raw, Ldª

Como vê a transição do paradigma da indústria têxtil para um modelo mais sustentável baseado na produção on-demand

É precisamente isso que está na génese a Wonder Raw, uma empresa que nasce como star-up mas também para apoio às produções sustentadas. Uma das premissas é fazer tudo em algodão orgânico, outra é produzir apenas aquilo que o cliente quer consumir. E com isso estamos a ser sustentáveis.

 

A Becri criou o processo Fiber Loop, que permite produzir vestuário de origem mais sustentável com a utilização de mistura de fibras de algodão recicladas com algodão orgânico. Qual foi a reação dos clientes da Becri a este novo produto/processo? 

A reacção foi boa e vai continuar a ser boa, porque o futuro é tudo mais ecológico e mais sustentável. E o Fibeer Loop é ecológico e sustentável.

Rui Costa
CEO da Gubec, Ldª

Com os tempos difíceis que se aproximam, resultantes da pandemia Covid, guerra na Ucrânia e inflação elevada, qual a estratégia que o têxtil de Portugal deverá adotar a longo e a curto prazo para resistir ou mesmo crescer? 

Primeiro, as empresa têm de saber muito bem qual o segmento de mercado onxde querem estar, é muito importante. Depois ter uma empresa e ser viço à altura, de forma a acarinhar e servir bem os clientes. Porque, zse acarinhar e servir bem os clientes, eles crescem.

 

A procura do sustentável e do orgânico tem aumentado cada vez mais. Será que o convencional deixará de ser opção? Haverá capacidade produtiva de orgânico para tanta procura? 

É uma boa questão e nós sabemos que não há capacidade de resposta para a procura de orgânico. Por vontade dos nossos clientes hoje já era tudo orgânico. Por isso, não sendo possível teremos, como tudo em tudo na vida, ser capazes de dosear, conjugar o algodão orgânico com o convencional, e soubermos fazê-lo vai ser uma passagem sem turbulências.

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