João Almeida
Com um projeto que já vai em 30 milhões, a empresa está a investir em todos os sectores
T77 - Novembro 22

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A exportar praticamente 100% daquilo que produz e com uma previsão de facturação para este ano a rondar os 60 milhões de euros, a JF Almeida tem apostado decididamente na inovação e sustentabilidade como fator de diversificação e criação de valor.

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lhando para as últimas décadas, a JF Almeida não pára de crescer, é vício ou necessidade? 

Não diria uma coisa nem outra. Naturalmente que estamos sempre à procura de novos mercados e já está no sangue do fundador da empresa, que é o meu pai, investir. E nesta crise que estamos a atravessar, que é muito grande, estamos a fazer um investimento de 25 milhões de euros, que é o maior de sempre. E o meu pai sempre disse: meus filhos, investir é em tempos de crise.  

 

Quando arrancou este investimento? 

A ideia começou com a Covid, que para nós nem foi crise, até correu muito bem o período de Covid, mas agora sim, a crise energética está a ser muito complicada, mas estava assente que era mesmo para investir. 

 

É estratégico? 

Esta empresa investe todos os anos, mas em tempos de crise tem sido estratégico. Quando vier a bonança nós estamos preparados, tem sido essa a política.

 

Quais são em concreto os investimentos que estão em curso? 

Estamos a montar uma nova linha de acabamentos, um projeto que foi aprovado no Portugal 2020. Nunca tivemos a parte de contínuos, sempre tivemos acabamentos para felpos, para colchas, para fio, mas para roupa de cama nunca tivemos essa linha de acabamentos, sempre subcontratamos e era uma necessidade que tínhamos. 

 

Reforçar a capacidade, portanto?

Não, é uma linha completamente nova, um tipo de acabamento novo e diferenciado. Com isso vieram mais 30 teares, teares largos para fazer roupa de cama, os nossos teares só faziam felpo.

40 anos de JF Almeida
É a partir da estrutura interna de I&D que tem lançado projectos como o Infusion ou o Fio 360
Reforçamos a equipa, reforçamos o laboratório, e compramos mais duas máquinas de confecção, aqui sim para reforçar a nossa produtividade.

Dentro deste projeto, que era de 25 milhões e já vai em 30 milhões, há o grande investimento que fizemos em energia, que tem a ver com os painéis fotovoltaicos, toda a fábrica está coberta com painéis fotovoltaicos. E para a maior preocupação, que foi o gás natural – neste momento estamos a fugir a tudo que é gás natural –, compramos duas caldeiras de biomassa que já estão a funcionar, uma delas na tinturaria.  

Portanto, além do investimento na tecelagem, na confecção, na tinturaria e nos acabamentos, montamos também na fiação uma nova linha de torcedura.

 

Qual é o grau de substituição do consumo de gás? 

Neste momento 60%, mas porque ainda temos máquinas que funcionam a queima direta do gás. Já estamos a fazer as conversões para radiadores de vapor que são alimentados pela caldeira, pelo que em dois a três meses passaremos a uma substituição a rondar os 90%. Mas há uns 10% de máquinas em que vamos depender sempre do gás, não há nada a fazer. 

 

A ideia é deixar de depender do gás? 

Em princípio sim. Mas estamos também a preparar-nos para ter um botão para gás e outro para biomassa, para sermos versáteis. Estamos conscientes de que toda a gente está a ir por este caminho, toda a gente vai precisar de biomassa e os preços já começam a ficar especulativos. Ficamos assim a poder jogar com as duas alternativas, e posso já dizer que foi um investimento de quase milhão e meio que em seis meses foi pago. 

 

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Somos uma empresa, não somos nenhuma holding, explica João Almeida. Depois temos outra empresa, que também tem uma marca, que é Mi Casa Es Tu Casa, que é outra sociedade, e ainda outra que é a In Store. Há depois ainda outra, que tem a nossa marca Emoh. Chama-se Emotion, é uma empresa nova que criamos durante a pandemia, da qual somos fornecedores. Mas são todas empresas separadas, das quais a JF Almeida é fornecedora, com a particularidade de terem alguns accionistas comuns a todas. No fundo, é o mesmo grupo mas são empresas autonomas e separadas.
foco da empresa continua a ser a produção e comercialização de têxteis-lar? 

Sempre foi a parte de produto acabado, os atoalhados, o felpo, e agora também para a roupa de cama, o que representa neste momento cerca de 65% da facturação da JF Almeida, mas à cerca de dez anos eram 90%. O foco do meu pai era diversificar as linhas de negócio, se uma parte está constipada a outra está aqui para segurar. Agora 40% da produção da fiação é para venda ao exterior e também 60% dos serviços da tinturaria são para outros. As duas já representam 35% dos 52 milhões de euros de facturação da JF Almeida. 

 

Hoje a JF Almeida tem também uma grande capacidade logística, isso é estratégico? 

Sim, cada vez mais por causa do just in time e da estratégia dos nossos clientes, que tinham a sua própria logística e por causa destes problemas [dos transportes e abastecimento] muitos começaram a fugir do Oriente para o mercado europeu e começamos a ser nós a fazer a sua logística. Posso citar o caso de um cliente que tem uma grande cadeia de lojas em Espanha, eu neste momento posso colocar uma caixa em Valência, por exemplo. Os clientes pagam e nós fazemos esse serviço, eles deixaram de ter essas estruturas. 

 

Dir-se-ia que são vocês a fazer o stock desses clientes? 

Um mercado em que somos muito fortes é a hotelaria, se for preciso em 24 hores podemos abastecer um hotel novo. É uma estratégia nossa, temos cerca de quatro a cinco milhões de artigo pronto a entregar, montamos um polo logístico semiautomático onde cabem quase 550 paletes só para mercadoria de permanentes. 

 

Outro aspeto que hoje caracteriza a empresa é a oferta de produtos diferenciadores, como foram por esse caminho?

Há uma dúzia de anos o têxtil-lar passou por uma crise, e nós basicamente tínhamos um monoproduto. Além de diversificar negócios, como já falamos, nós quisemos sempre diferenciar o nosso produto e começamos a fazer artigos técnicos para entrar noutro tipo de mercados. Daí a nossa entrada na ISPO. 

 

As feiras são importantes para a JF Almeida? 

Cada vez mais. Na área dos fios há muito tempo que fazemos várias feiras, na parte do têxtil-lar sempre nos focamos na heimtextil, foi sempre uma feira importante para nós. Depois quando começamos a atacar o mercado dos EUA voltamo-nos para a Market Week , em Nova Iorque, agora a ISPO também é muito importante para nós por causa destes produtos técnicos. As feiras são muito importantes para nos apresentarmos aos nossos clientes. 

 

E têm conquistado também prémios, como é o caso da Ispo… 

E isso dá nome, dá prestígio e segurança aos clientes e isso é muito bom para nós. Neste momento estamos a pensar noutros mercados, como o Japão, e estamos também a prensar voltarmo-nos para essas feiras. Agora o nosso showroom é virtual, todos clientes têm acesso e conseguem consultar todos os artigos, mas nas feiras é onde impactam, onde apresentamos as novas coleções, novos acabamentos, é estratégico, por isso é que são importantes. 

 

Fale-nos agora do departamento de I&D, qual é o estado da ciência na empresa? 

Neste momento existe mesmo muita I&D na empresa. Isto começou há cerca de sete anos, uma equipa que construi com os engenheiros da produção e da fiação e, quase por carolice, começamos a desenvolver produtos, começamos pelos acabamentos sustentáveis. 

 

E na altura qual era o principal objectivo? 

A ideia era estar na linha da frente, não ter apenas o produto tradicional. Para muitos clientes e para o consumidor final, o têxtil-lar é um básico, nós queríamos diferenciar-nos. De tal forma que agora fala-se de sustentabilidade e economia circular e nós já lá estamos, desde há sete anos que estamos focados na sustentabilidade. Posso dizer que neste momento 10% do volume da facturação já é com artigo sustentável e reciclado. 

 

Têm agora também produtos com cânhamo e linho, justificava-se uma linha de fiação para estes materiais? 

A nossa é uma fiação open end, não é uma fiação convencional, e já conseguimos incorporar 10 a 15% de linho ou de cânhamo. Uma fiação 100% linho é complicado, tem que ter muita humidade, e para este tipo de fios e o investimento que representa não compensa produzir isso em Portugal. 

 

Até que ponto a verticalização da JF Almeida foi importante para chegar onde está hoje? 

Foi importantíssima. Se não fossemos verticais nunca teríamos crescido como crescemos. Os grandes clientes, e cito, por exemplo, o Carrefour, quando chegam cá têm que sentir capacidade, versatilidade e flexibilidade. Em praticamente 24 horas conseguimos fazer um fio e fabricar uma toalha e se eu não tivesse essa versatilidade era impossível ter capacidade de resposta e trabalhar para esses grandes grupos com os quais crescemos.

Além da qualidade, o grande serviço que prestamos aos clientes é a rapidez. Controlamos o processo todo, o meu pai comprava algodão para um ano, uma encomenda que caia aqui nós entregamos em quatro a cinco semanas.  

 

Fica a ideia que há uma atuação quase visionária do seu pai…

Sem dúvida, é visionário mesmo… 

 

E como explica isso?

Foi o traquejo, a experiência do mercado e, o mais importante, a coragem e determinação. Em plena crise, quando toda a fiação de Portugal fechou, ele montou uma fiação. 

 

Qual é o papel dele hoje na empresa? 

É o líder, é ele que gere. Nos somos administradores, eu e mais três irmãos. Eu com a parte comercial, acabamentos, confecção e logística, outro com a parte de tecelagem, outro a fiação e a outra o markting. 

 

Falemos agora das instalações, quantos são os polos da empresa? 

Temos o núcleo A, que é a sede, onde estão os recursos humanos, financeiros, informáticos e a tecelagem, que foi onde tudo nasceu. Depois temos o núcleo B, que é a parte de tinturaria e acabamentos; o núcleo C, que é a fiação; o núcleo D que é o polo logístico de distribuição, ao lado da fiação mas em espaço autónomo; e agora o novo núcleo que é onde está a confecção e a nova tecelagem. 

 

No conjunto, estamos a falar de que áreas? 

Ocupamos 65 mil metros quadrados. 

 

Funcionários?

Neste momento somos 820. 

 

Chegou a haver uma estrutura no norte de África… 

Argélia! 

 

E projectos para a América do Sul… 

Paraguai! 

 

Em que ponto está isso?  

Começando pela Argélia, foi um negócio conjunto com um amigo do meu pai, que nasceu com a ideia de produzir em Portugal e enviar em rolo, basicamente para não ser um produto acabado e não ser taxado. Basicamente uma confeção e uma logística para distribuir no Magrebe, mas praticamente um ano depois do arranque desistimos e vendemos. Trabalhar num contexto muçulmano é complicado e vendeu-se a posição ao sócio argelino. 

Quanto ao Paraguai, o projeto está em stand-by e creio que vai ser uma estratégia interessante. A ideia nasceu quando chegou a Covid, já havia um administrador, as coisas estavam apalavradas, mas deixamos de poder viajar. A estratégia é a mesma da Argélia, mas para distribuição no mercado brasileiro.  

 

Como se vai resolver o problema da mão de obra, é com a automatização

Nunca se vai conseguir automatizar uma confecção. Automatiza-se ao máximo, nós já temos uma confecção automática, mas uma parte tem que ser sempre manual. Vai haver muita falta de mão de obra, a solução vai ter que passar pela importação. Nós vamos ser a França e a Alemanha de há décadas atrás. O problema que estou a sentir neste momento é que os emigrantes chegam a pensar que Portugal é atrativo, mas depressa percebem que não é assim tão atractivo. E a habitação, as rendas, são o principal problema.

 

Perfil

João Almeida

Aos 33 anos é o administrador da Têxteis JF Almeida, S.A. para as áreas Comercial, Acabamentos, Confecção e Logística. Licenciado em Economia e com pós-graduação em Gestão Financeira, é a segunda geração na administração da empresa fundada pelo pai, Joaquim Almeida. Uma gigante do têxtil-lar que que se habituou a investir em tempos de crise e que aposta cada vez mais nos têxteis técnicos, no caminho da inovação e da sustentabilidade, não só como forma de diversificação de produtos mas também para criar valor acrescentado. 

 

As perguntas de
Juliana Almeida
Administradora da JF Almeida

Quais os maiores desafios que encaras na gestão atual? 

Claramente os que têm a ver com a crise energética e os que estão relacionados com as políticas que vamos ter nos próximos anos no que respeita às questões salariais

 

A JF Almeida é uma empresa com mais de 40 anos de história. Quais os motivos por detrás deste legado de sucesso? 

Muito se deve ao nosso pai, pela coragem com que sempre atuou e agora, com a entrada dos filhos, o amor que todos temos aqui pela empresa.

Braz Costa
Diretor Geral do CITEVE

Que importância e peso têm no negócio os drivers sustentabilidade e como prevê que possam evoluir nos próximos tempos? 

Um peso muito importante, já representam quase 20% do volume de negócios, mas indiretamente o peso é muito maior. Temos várias certificações e o HIGG FEM nivela o nosso nível de sustentabilidade e se não estivermos em determinado patamar não podemos trabalhar com muitos clientes, como é, por exemplo, o caso da H&M. Passamos recentemente para um nível de 55%, o que é muito bom no nosso mercado. 

 

Que expetativa tem face à evolução da tecnologia na compensação do aumento os custos da energia. O que está a JF Almeida a fazer neste campo? 

Como já falamos, estamos a mudar maquinaria para consumos baixos, tanto energéticos com o de água, centrais de biomassa e painéis fotovoltaicos.

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