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A exportar praticamente 100% daquilo que produz e com uma previsão de facturação para este ano a rondar os 60 milhões de euros, a JF Almeida tem apostado decididamente na inovação e sustentabilidade como fator de diversificação e criação de valor.
lhando para as últimas décadas, a JF Almeida não pára de crescer, é vício ou necessidade?
Não diria uma coisa nem outra. Naturalmente que estamos sempre à procura de novos mercados e já está no sangue do fundador da empresa, que é o meu pai, investir. E nesta crise que estamos a atravessar, que é muito grande, estamos a fazer um investimento de 25 milhões de euros, que é o maior de sempre. E o meu pai sempre disse: meus filhos, investir é em tempos de crise.
Quando arrancou este investimento?
A ideia começou com a Covid, que para nós nem foi crise, até correu muito bem o período de Covid, mas agora sim, a crise energética está a ser muito complicada, mas estava assente que era mesmo para investir.
É estratégico?
Esta empresa investe todos os anos, mas em tempos de crise tem sido estratégico. Quando vier a bonança nós estamos preparados, tem sido essa a política.
Quais são em concreto os investimentos que estão em curso?
Estamos a montar uma nova linha de acabamentos, um projeto que foi aprovado no Portugal 2020. Nunca tivemos a parte de contínuos, sempre tivemos acabamentos para felpos, para colchas, para fio, mas para roupa de cama nunca tivemos essa linha de acabamentos, sempre subcontratamos e era uma necessidade que tínhamos.
Reforçar a capacidade, portanto?
Não, é uma linha completamente nova, um tipo de acabamento novo e diferenciado. Com isso vieram mais 30 teares, teares largos para fazer roupa de cama, os nossos teares só faziam felpo.
Dentro deste projeto, que era de 25 milhões e já vai em 30 milhões, há o grande investimento que fizemos em energia, que tem a ver com os painéis fotovoltaicos, toda a fábrica está coberta com painéis fotovoltaicos. E para a maior preocupação, que foi o gás natural – neste momento estamos a fugir a tudo que é gás natural –, compramos duas caldeiras de biomassa que já estão a funcionar, uma delas na tinturaria.
Portanto, além do investimento na tecelagem, na confecção, na tinturaria e nos acabamentos, montamos também na fiação uma nova linha de torcedura.
Qual é o grau de substituição do consumo de gás?
Neste momento 60%, mas porque ainda temos máquinas que funcionam a queima direta do gás. Já estamos a fazer as conversões para radiadores de vapor que são alimentados pela caldeira, pelo que em dois a três meses passaremos a uma substituição a rondar os 90%. Mas há uns 10% de máquinas em que vamos depender sempre do gás, não há nada a fazer.
A ideia é deixar de depender do gás?
Em princípio sim. Mas estamos também a preparar-nos para ter um botão para gás e outro para biomassa, para sermos versáteis. Estamos conscientes de que toda a gente está a ir por este caminho, toda a gente vai precisar de biomassa e os preços já começam a ficar especulativos. Ficamos assim a poder jogar com as duas alternativas, e posso já dizer que foi um investimento de quase milhão e meio que em seis meses foi pago.
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Sempre foi a parte de produto acabado, os atoalhados, o felpo, e agora também para a roupa de cama, o que representa neste momento cerca de 65% da facturação da JF Almeida, mas à cerca de dez anos eram 90%. O foco do meu pai era diversificar as linhas de negócio, se uma parte está constipada a outra está aqui para segurar. Agora 40% da produção da fiação é para venda ao exterior e também 60% dos serviços da tinturaria são para outros. As duas já representam 35% dos 52 milhões de euros de facturação da JF Almeida.
Hoje a JF Almeida tem também uma grande capacidade logística, isso é estratégico?
Sim, cada vez mais por causa do just in time e da estratégia dos nossos clientes, que tinham a sua própria logística e por causa destes problemas [dos transportes e abastecimento] muitos começaram a fugir do Oriente para o mercado europeu e começamos a ser nós a fazer a sua logística. Posso citar o caso de um cliente que tem uma grande cadeia de lojas em Espanha, eu neste momento posso colocar uma caixa em Valência, por exemplo. Os clientes pagam e nós fazemos esse serviço, eles deixaram de ter essas estruturas.
Dir-se-ia que são vocês a fazer o stock desses clientes?
Um mercado em que somos muito fortes é a hotelaria, se for preciso em 24 hores podemos abastecer um hotel novo. É uma estratégia nossa, temos cerca de quatro a cinco milhões de artigo pronto a entregar, montamos um polo logístico semiautomático onde cabem quase 550 paletes só para mercadoria de permanentes.
Outro aspeto que hoje caracteriza a empresa é a oferta de produtos diferenciadores, como foram por esse caminho?
Há uma dúzia de anos o têxtil-lar passou por uma crise, e nós basicamente tínhamos um monoproduto. Além de diversificar negócios, como já falamos, nós quisemos sempre diferenciar o nosso produto e começamos a fazer artigos técnicos para entrar noutro tipo de mercados. Daí a nossa entrada na ISPO.
As feiras são importantes para a JF Almeida?
Cada vez mais. Na área dos fios há muito tempo que fazemos várias feiras, na parte do têxtil-lar sempre nos focamos na heimtextil, foi sempre uma feira importante para nós. Depois quando começamos a atacar o mercado dos EUA voltamo-nos para a Market Week , em Nova Iorque, agora a ISPO também é muito importante para nós por causa destes produtos técnicos. As feiras são muito importantes para nos apresentarmos aos nossos clientes.
E têm conquistado também prémios, como é o caso da Ispo…
E isso dá nome, dá prestígio e segurança aos clientes e isso é muito bom para nós. Neste momento estamos a pensar noutros mercados, como o Japão, e estamos também a prensar voltarmo-nos para essas feiras. Agora o nosso showroom é virtual, todos clientes têm acesso e conseguem consultar todos os artigos, mas nas feiras é onde impactam, onde apresentamos as novas coleções, novos acabamentos, é estratégico, por isso é que são importantes.
Fale-nos agora do departamento de I&D, qual é o estado da ciência na empresa?
Neste momento existe mesmo muita I&D na empresa. Isto começou há cerca de sete anos, uma equipa que construi com os engenheiros da produção e da fiação e, quase por carolice, começamos a desenvolver produtos, começamos pelos acabamentos sustentáveis.
E na altura qual era o principal objectivo?
A ideia era estar na linha da frente, não ter apenas o produto tradicional. Para muitos clientes e para o consumidor final, o têxtil-lar é um básico, nós queríamos diferenciar-nos. De tal forma que agora fala-se de sustentabilidade e economia circular e nós já lá estamos, desde há sete anos que estamos focados na sustentabilidade. Posso dizer que neste momento 10% do volume da facturação já é com artigo sustentável e reciclado.
Têm agora também produtos com cânhamo e linho, justificava-se uma linha de fiação para estes materiais?
A nossa é uma fiação open end, não é uma fiação convencional, e já conseguimos incorporar 10 a 15% de linho ou de cânhamo. Uma fiação 100% linho é complicado, tem que ter muita humidade, e para este tipo de fios e o investimento que representa não compensa produzir isso em Portugal.
Até que ponto a verticalização da JF Almeida foi importante para chegar onde está hoje?
Foi importantíssima. Se não fossemos verticais nunca teríamos crescido como crescemos. Os grandes clientes, e cito, por exemplo, o Carrefour, quando chegam cá têm que sentir capacidade, versatilidade e flexibilidade. Em praticamente 24 horas conseguimos fazer um fio e fabricar uma toalha e se eu não tivesse essa versatilidade era impossível ter capacidade de resposta e trabalhar para esses grandes grupos com os quais crescemos.
Além da qualidade, o grande serviço que prestamos aos clientes é a rapidez. Controlamos o processo todo, o meu pai comprava algodão para um ano, uma encomenda que caia aqui nós entregamos em quatro a cinco semanas.
Fica a ideia que há uma atuação quase visionária do seu pai…
Sem dúvida, é visionário mesmo…
E como explica isso?
Foi o traquejo, a experiência do mercado e, o mais importante, a coragem e determinação. Em plena crise, quando toda a fiação de Portugal fechou, ele montou uma fiação.
Qual é o papel dele hoje na empresa?
É o líder, é ele que gere. Nos somos administradores, eu e mais três irmãos. Eu com a parte comercial, acabamentos, confecção e logística, outro com a parte de tecelagem, outro a fiação e a outra o markting.
Falemos agora das instalações, quantos são os polos da empresa?
Temos o núcleo A, que é a sede, onde estão os recursos humanos, financeiros, informáticos e a tecelagem, que foi onde tudo nasceu. Depois temos o núcleo B, que é a parte de tinturaria e acabamentos; o núcleo C, que é a fiação; o núcleo D que é o polo logístico de distribuição, ao lado da fiação mas em espaço autónomo; e agora o novo núcleo que é onde está a confecção e a nova tecelagem.
No conjunto, estamos a falar de que áreas?
Ocupamos 65 mil metros quadrados.
Funcionários?
Neste momento somos 820.
Chegou a haver uma estrutura no norte de África…
Argélia!
E projectos para a América do Sul…
Paraguai!
Em que ponto está isso?
Começando pela Argélia, foi um negócio conjunto com um amigo do meu pai, que nasceu com a ideia de produzir em Portugal e enviar em rolo, basicamente para não ser um produto acabado e não ser taxado. Basicamente uma confeção e uma logística para distribuir no Magrebe, mas praticamente um ano depois do arranque desistimos e vendemos. Trabalhar num contexto muçulmano é complicado e vendeu-se a posição ao sócio argelino.
Quanto ao Paraguai, o projeto está em stand-by e creio que vai ser uma estratégia interessante. A ideia nasceu quando chegou a Covid, já havia um administrador, as coisas estavam apalavradas, mas deixamos de poder viajar. A estratégia é a mesma da Argélia, mas para distribuição no mercado brasileiro.
Como se vai resolver o problema da mão de obra, é com a automatização?
Nunca se vai conseguir automatizar uma confecção. Automatiza-se ao máximo, nós já temos uma confecção automática, mas uma parte tem que ser sempre manual. Vai haver muita falta de mão de obra, a solução vai ter que passar pela importação. Nós vamos ser a França e a Alemanha de há décadas atrás. O problema que estou a sentir neste momento é que os emigrantes chegam a pensar que Portugal é atrativo, mas depressa percebem que não é assim tão atractivo. E a habitação, as rendas, são o principal problema.
João Almeida
Aos 33 anos é o administrador da Têxteis JF Almeida, S.A. para as áreas Comercial, Acabamentos, Confecção e Logística. Licenciado em Economia e com pós-graduação em Gestão Financeira, é a segunda geração na administração da empresa fundada pelo pai, Joaquim Almeida. Uma gigante do têxtil-lar que que se habituou a investir em tempos de crise e que aposta cada vez mais nos têxteis técnicos, no caminho da inovação e da sustentabilidade, não só como forma de diversificação de produtos mas também para criar valor acrescentado.
Quais os maiores desafios que encaras na gestão atual?
Claramente os que têm a ver com a crise energética e os que estão relacionados com as políticas que vamos ter nos próximos anos no que respeita às questões salariais
A JF Almeida é uma empresa com mais de 40 anos de história. Quais os motivos por detrás deste legado de sucesso?
Muito se deve ao nosso pai, pela coragem com que sempre atuou e agora, com a entrada dos filhos, o amor que todos temos aqui pela empresa.
Que importância e peso têm no negócio os drivers sustentabilidade e como prevê que possam evoluir nos próximos tempos?
Um peso muito importante, já representam quase 20% do volume de negócios, mas indiretamente o peso é muito maior. Temos várias certificações e o HIGG FEM nivela o nosso nível de sustentabilidade e se não estivermos em determinado patamar não podemos trabalhar com muitos clientes, como é, por exemplo, o caso da H&M. Passamos recentemente para um nível de 55%, o que é muito bom no nosso mercado.
Que expetativa tem face à evolução da tecnologia na compensação do aumento os custos da energia. O que está a JF Almeida a fazer neste campo?
Como já falamos, estamos a mudar maquinaria para consumos baixos, tanto energéticos com o de água, centrais de biomassa e painéis fotovoltaicos.