António Freitas de Sousa
O lançamento de um banco nacional promocional é o grande projeto agregador de todo o sistema de incentivos que o ministro da Economia tem em mãos e que poderá viabilizar o apoio estatal às grandes empresas e não apenas às PME
ual é o grande problema que deteta no país?
A saída de talentos para o exterior. A geração que acabou a sua formação em 2012 e 2013 foi muito mal-tratada neste país. Tudo isso está agora muito diferente. Acho mesmo que o nosso país tem o problema de ter de dar uma resposta aos nossos filhos e aos nossos netos: dizer-lhes que há aqui condições para viverem uma vida e para terem uma ocupação profissional As suas qualificações e às aspirações que um cidadão europeu tem direito a reclamar.
As saídas ainda acontecem.
É muito mau que um jovem português, seja um licenciado em engenharia, seja alguém que trabalha na construção civil ou outra coisa qualquer, pense que, se for para a Alemanha ou para Inglaterra, consegue trabalhar, pagar uma casa, poupar alguma coisa, criar uma família e que no seu país tudo isso seja mais difícil. É preciso dizer que neste país vale a pena viver. E mostrar isso por atos.
O que falta para os convencer a regressar?
A geranção de menos de 35 anos continua a partir muito. No ano passado partiram menos, mas dos que partem, 40% são jovens com menos de 29 anos.
Principalmente pessoas qualificadas.
Claro. E não apenas do ponto de vista académico: falam línguas, têm outra maneira de olhar para o mundo e são muito valorizados noutros lados. Todos dizem que gostam muito de Portugal, mas há um grande diferencial…
Desde logo o salarial.
Exatamente, a que se acrescenta uma maior facilidade no acesso à habitação. Ou seja, ser um cidadão autónomo é mais difícil no nosso país.
Não há empregos qualificados para pessoas qualificadas.
Há empregos qualificados. O meu principal contributo, o que ando aqui a fazer, é responder a esta questão – como é que ajudamos as nossas empresas a fazer duas coisas: como reter aqui os portugueses qualificados, que condições de produtividade e competitividade para criarem melhores empregos, que se tornem atrativos; e ao mesmo tempo, as empresas precisam destas pessoas para continuarem a ser competitivas.
São duas forças no mesmo sentido.
Uma empresa no setor têxtil, por exemplo, que quer crescer pela qualidade de produto ou pela maior eficiência de processos ou por melhor conhecimento dos mercados, precisa de pessoas muito qualificadas. E se não conseguimos retê-las agora, daqui a dez anos não vamos conseguir fazer isto. Acho que esta é mesmo a tarefa mais importante do país.
Para isso tem de haver uma conjugação de esforços entre a indústria e a Academia. Está tudo feito nessa área?
Não…
A que têm de se acrescentar os centros de excelência, como, no caso dos têxteis, o CeNTI e o CITEVE. Esta trilogia virtuosa está pronta para contribuir para que o próximo ciclo seja de desenvolvimento?
A resposta tem matizes. A primeira coisa que quero dizer é que isso já está a acontecer. A segunda é que não é suficiente. Trabalhar em clusters, trabalhar em conjunto em temas de investigação e desenvolvimento, fortalecer os centros de interface tecnológico, para que todo o setor industrial possa conseguir incorporar mais conhecimento e mais valor na produção são fundamentais.
Um exemplo.
Dou sempre o exemplo do têxtil. Todos temos a consciência que o CeNTI, o CITEVE, deram uma contribuição decisiva para que o setor tenha não só sobrevivido mas criado outras condições de competitividade. É um ótimo modelo – mas é um modelo que estamos neste momento a tentar reformular porque precisa de outros esquemas de financiamento, mais estruturado, mais seguro – que possa robustecer toda a parte do equipamento – e precisa também de reforçar toda a colaboração com a Academia, quer do ponto de vista da formação, quer do ponto de vista da investigação.
Formação, investigação, financiamento, o que é que falta?
Falta capital.
É aí que entra o novo banco do Estado. Em que pé está a sua formação?
Sabemos que continua a haver dificuldade de as empresas portuguesas acederem ao crédito – os nossos bancos, e tenho tido muitas conversas com eles a este propósito, têm um conjunto de regras e de restrições na definição do crédito, que torna muito difícil responder a certas empresas com certas caraterísticas, financiar com prazos mais longos, adequados às caraterísticas dos investimentos ou financiar certo tipo de operações: aquisições, ganhos de escala, etc.. Os custos do financiamento até são baixos, mas o acesso é muito difícil.
São quase todos fatores que não está nas nossas mãos alterar.
Não está. Mais que isso, significa que os bancos estão todos a bater às portas das mesmas empresas – aquelas poucas que cumprem os critérios todos – ou então estão a financiar crédito imobiliário, onde têm garantias reais, que é aquilo que aparentemente o BCE favorece. A lição a tirar é que o acesso ao crédito por parte das PME voltou a fluir por causa da garantia mútua – foram as linhas Capitalizar que permitiram que continuasse a chegar crédito às PME. Temos portanto a noção de que hoje em dia só mesmo com este esquema de garantias públicas é que conseguimos fazer chegar crédito às empresas.
O peso da garantia mútua na economia já é grande.
Pesa mais que em qualquer outro país europeu, mas não é suficiente.
Ainda não? Porquê?
Primeiro, porque só chega mesmo às PME; portanto, aquelas empresas que, pelo número de trabalhadores ou outra razão já não qualificam como PME, não têm esta porta aberta. Por outro lado, a garantia mútua dá essencialmente apoio de tesouraria – não está preparada para fazer financiamento ao investimento em mais larga escala.
Mas não é o único instrumento.
Do lado do Ministério da Economia, temos três sociedades financeiras: a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua, a PME Investimentos e a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD). Estas entidades têm recursos que se multiplicam, produtos que se sobrepõem, áreas que não estão contempladas. Fizemos uma larga refleção com as administrações sobre a melhor forma de coordenar este universo.
O que resultou daí?
O primeiro passo foi a criação do Portal do Financiamento do IAPMEI. Uma empresa tende a não saber que apoios financeiros tem disponíveis. Pedimos que trabalhassem em conjunto o Portal do Financiamento, que permite num único sítio perceber quais são os produtos financeiros com o apoio do Estado mais adequado a cada necessidade ou a cada setor. Chegámos à conclusão que havia 49 linhas de crédito – algumas delas sem utilização, mas que estão a consumir recursos públicos e que nem os bancos têm interesse em distribuir.
Uma questão de organização, portanto.
Percebemos que isto tem de ser melhor organizado e estruturado. Dizemos: vamos fundir estas coisas para criar uma instituição que, com os mesmos recursos, consiga dirigir melhor os apoios financeiros onde eles são mais necessários e que possa fazer outras coisas. Depois, percebemos mais duas coisas: no próximo quadro financeiro pluri-anual, vamos ter menos verbas para os sistemas de incentivos e mais verbas para os instrumentos financeiros. E vamos ter o sucedâneo do Plano Juncker, que vai ter um grande número de garantias a dar a linhas de crédito para as empresas. Tudo isto vai ser gerido pelo BEI.
Falta aqui uma instituição de primeira linha para responder.
Se um país tiver o chamado banco nacional promocional, pode gerir autonomamente uma parte destas verbas. Portugal era dos poucos países da União Europeia que não tinha o banco deste género. A nossa IFD originalmente era para ser, mas não tem sequer a capacitação em termos de capital, de sistemas, etc., para se qualificar para isso. Se queremos ter uma instituição para gerir bem os recursos do próximo quadro, então temos de ter um banco nacional promocional – vamos fazê-lo aproveitando o que já existe. A segunda coisa que percebemos é que temos de ser muito mais agressivos na relação com a União Europeia, por exemplo para termos autorização para fazer garantia para as grandes empresas.
Essa é das maiores queixas dos empresários. É uma garantia que podemos deixar aos empresários: as grandes empresas vão passar a ter apoios?
Não. Não gosto de dar garantias que não posso cumprir. O que neste momento posso dizer é o seguinte: temos os pedidos de autorização junto da Comissão Europeia para fazer financiamento às ‘mid caps’, temos na lei do Orçamento do Estado uma proposta para que as ‘mid caps’ possam beneficiar do regime da dedução de lucros obtidos e reinvestidos e estamos com a Comissão Europeia a bater-nos para que tudo isto seja autorizado. Porquer, ao contrário do que sucede noutros países europeus, as nossas empresas com uma determinada dimensão ainda precisam de grande apoio para a modernização produtiva, etc..
Em termos logísticos, digamos assim, como vai ‘arrumar’ o banco?
Vamos criar uma sociedade financeira a partir da fusão das três sociedades que temos. Irá fazer tudo o que as outras já podem fazer, mais alguma coisa. Qual será a incorporante? Ainda não está decido.
Não será a SPGM?
Pode ser a SPGM, mas não interessa quem incorpora, mas o que vai nascer.
É extemporâneo dizer que Beatriz Freitas, presidente da SPGM, será a presidente da nova instituição?
É extemporâneo. Está muito envolvida neste esforço, mas o mais importante é que sejam pessoas consistentes e disponíveis.
Quais são as caraterísticas mais importantes do Portugal 2030 para o desenvolvimento do tecido empresarial?
Os temas críticos são inovação, qualificação e financiamento – temos de trabalhar em todas estas áreas. É indispensável que o PT2030 esteja alinhado com estas prioridades. Na qualificação, estamos a discutir uma reforma do sistema de formação profissional, quer no ensino técnico-profissional, quer na formação de ativos – o PT 2020 deu muito poucos recursos para a formação profissional. Por outro lado, achamos que temos de continuar a apoiar muito o sistema científico e tecnológico porque o crescimento em valor pressupõe conhecimento transformável pelo tecido empresarial. Não chega o acesso ao financiamento.
Que filosofia presidirá às alterações na formação profissional?
A oferta tem de estar mais próxima das necessidades das empresas, não só das atuais, mas sobretudo das futuras. Em segundo lugar, temos de ter muito mais formação na empresa.
Como observa o próximo ciclo de crescimento do setor têxtil e do vestuário, depois de um longo ciclo de dez anos de forte crescimento?
Há um percurso que já atingiu um grau de maturidade que vai continuar a funcionar: em algumas zonas de excelência, como nos têxteis-lar, nos têxteis técnicos, no vestuário etc. – aí, é continuar. Mas há coisas críticas nos próximos tempos: economia circular e sustentabilidade – é a preferência dos consumidores e o enquadramento europeu que o vai exigir; depois, a digitalização – não é só a automação, e temos de ter apoios disponíveis a postos, nomeadamente ao nível da formação; e finalmente a internacionalização – diversificação de mercados, mas também a relação com o consumidor, o acesso direto ao consumidor: estamos sempre dependentes de quem tem a marca, de quem tem o circuito de comercialização, e como as coisas estão a mudar tanto, os nossos clientes tradicionais estão a ficar mais em crise – a transição para o digital, os novos canais de distribuição também serão exigentes.
Entrou em Direito em Coimbra, mas a adaptação à cidade dos estudantes não foi do seu agrado. “Era altura de tomar conta de mim”, admite, para explicar que se transferiu para Lisboa, a cidade onde nasceu há 55 anos. Chegou a ser monitor antes de passar a ser professor universitário, atividade que foi mantendo com regularidade, sempre em disciplinas jurídico-económicas. A política viria mais tarde, depois de ter passado por Macau.
O investimento estrangeiro cresceu aprenas no turismo e não na indústria transformadora. Porque razão?
Não é exato. Tivemos um grande crescimento na indústria transformadora, nomeadamente grandes crescimentos no setor autómovel, crescimentos interessantíssimos na aeronáutica e no aeroespacial, e em várias outras áreas da indústria transformadora. Já não estamos a ter os grandes investimentos – não estamos a ter as ‘Autoeuropas’, mas estamos a ter muitos médios investimentos. Tivemos também investimentos importantes na área das tecnologias de informação e comunicação.
Ao competitividade do pais no exterior é baixa – estamos abaixo do 40º lugar em termos planetários. Que medidas são necessárias para colocar o país no TOP 10?
Inovação, qualificação e capital. Mas também é preciso dizer: esse 40º lugar tem a ver com o índice de competitividade do World Economic Forum, feito através de inquéritos aos gestores e empresários de cada país. Estivemos a fazer uma análise das respostas. Cerca de 40% das perguntas são baseadas em dados objetivos, o resto é inquérito. No que tem a ver com dados objetivos estamos entre o 20º e o 30º lugar; no que tem a ver com as outras estamos abaixo do 50º. Fico muito surpreendido quando os indicadores nos dizem que a nossa burocracia é pior que a da Nigéria ou do Burquina Faso. Não é verdade. Faço um apelo aos senhores empresários para, sendo rigorosos na apreciação, ponham as coisas em contexto e não pensem que somos os piores do mundo.
As normas REACH, elaboradas pela União Europeia implicam a indústria nacional. Para quando um estudo sobre a aplicação do regulamento aos têxteis importados?
É uma questão muito relevante que tem a ver com a política comercial da União Europeia. É uma batalha que a indústria tem há muito tempo, que eu repito nas reuniões do Conselho de Competitividade. Agora que os franceses e os alemães estão preocupados com a concorrência que os chineses lhes fazem nos automóveis ou nos comboios, talvez possam perceber melhor porque é que nós estamos tão preocupados com o cumprimento dos standards ambientais por parte dos nossos próprios concorrentes externos.
É objetivo do Governo para a legislatura diminuir a sufocante carga fiscal sobre as empresas, que não lhes permite investirem para se adaptarem aos mercados?
Ao longo de última legislatura, os apoios fiscais ao investimento sob a forma de benefícios ou com o apoio contratual ao investimento, foram sistematicamente alargados. Em 2018, a despesa fiscal – ou seja, a receita de IRC que deixámos de cobrar por esta via, andou quase nos 300 milhões de euros. O que fizemos foi dizer que as empresas que investem, deixam de pagar imposto. Não fizemos uma redução geral da taxa de IRC, mas dirigimos os recursos para apoiar as empresas que investem. É um bom exemplo.