Jorge Pereira
Nenhuma ferramenta digital substitui o modelo presencial
T71 - MARÇO/ABRIL 2022

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Depois de passar pelo impacto da Covid – “que comparado com o que se passa atualmente parece um hotel de cinco estrelas” – a Lipaco confronta-se agora com um dos seus momentos mais desafiantes. Mas tem as armas para isso: aposta na investigação e desenvolvimento na área da inovação com azimute na sustentabilidade e investimentos que, nessa área, já estão a dar os seus frutos.

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ual é a dimensão da empresa?

A Lipaco tem 34 anos, cerca de 60 trabalhadores e fatura perto dos três milhões de euros. Andamos no negócio das linhas desde o início e mais tarde acabámos por investir no negócio dos fios e na sua tinturaria, tanto para prestação de serviços como para utilização interna. Há cerca de dez ou doze anos atrás começámos a olhar para o mercado internacional e fizemos uma primeira prospeção correndo quase meio mundo até percebermos como é que as coisas funcionavam. Hoje vendemos em 20, 22 países, para a quase totalidade da União Europeia, norte de África, um pouco na América do Norte, Canadá. Vendíamos também na Rússia…

Estão expostos à Rússia?

Tínhamos algum mercado na Rússia…

Que fechou entretanto?

Está fechado, nem sabemos se as empresas com que operávamos estão a trabalhar ou não, sabemos que uma delas está…

Qual é a percentagem das exportações em termos da faturação?

São cerca de 50% e são para crescer cada vez mais. Foi uma aposta que fizemos – na fase pré-Covid tínhamos acabado de fazer um investimento significativo…

Foram 1,8 milhões?

Exatamente, muito a contar com o futuro. Infelizmente para nós e para todos veio a Covid, o que atrasou todos os nossos projetos. Já em 2021 acabámos por conseguir recuperar a empresa até aos níveis de 2019 e 2022 era um ano de crescimento – e que agora não sabemos como é que vai terminar. Até aqui, temos registado um ritmo de crescimento dentro daquilo que nós esperávamos ou até acima, mas temos agora muitas dúvidas. Os níveis de preços das matérias-primas, o preço da energia e do gás em particular e com a conjuntura internacional, não conseguimos fazer previsões fidedignas para o final do ano.

A sustentabilidade
"Estamos prontos para apresentar os fios biodegradáveis"

Primeiro houve o aumento das matérias-primas e dos transportes e depois o aumento da energia. Qual é o impacto na Lipaco?

Sofremos e ainda estamos a padecer do primeiro problema, que foi a Covid. Tivemos vários fornecedores afetados em diferentes fases da nossa, o que acabou por gerar atrasos em expedições de mercadorias que, juntamente com o problema dos transportes, acabaram por aumentar o problema. Contratávamos contentores para uma determinada data, com produção feita para essa data, mas os embarques não aconteciam com menos de 30 dias de atraso. Depois, os contentores ainda acabavam por ficar em terra, por falta de navio… Ainda no início deste ano tivemos aqui um contentor com três meses de atraso. Depois, na China houve problemas com a energia, de excesso de poluição, o que afetou a disponibilidade de matérias-primas no mercado.

A China é vosso fornecedor?

É um deles. Trabalhamos muito com a China, com a Índia – mas cada vez mais estamos a tentar diversificar para outras origens…

Mais próximas?

Sim, o mais possível. Compramos muito na Europa, mas não é possível encontrar tudo. A Europa desindustrializou-se há muitos anos e por isso há falta das matérias-primas que compramos – acontece também na tinturaria, nomeadamente com os corantes. No fim do ano assistimos ao aumento do custo da energia e chegámos este ano a um nível que as coisas se tornam incomportáveis. É impossível as empresas continuarem a laborar se não passarem este diferencial para os clientes.

Consegue fazer essa transferência?

Os clientes têm estado renitentes, uma vez que têm o mesmo problema em transferir para os clientes deles. Mas uma coisa é certa: são não o passarmos esses custos, ou morremos nós ou morrem eles. Se as empresas que têm acabamentos pararem, bloq

"Ter preços fixados durante meses e meses acabou"
ueiam toda a cadeia. Não há outra solução senão quem tem unidades de acabamentos passar este acréscimo de custos, sucessivamente na cadeia até ao consumidor. 

Até que ponto mas medidas de apoio podem atenuar o problema?

Esperava-se que o Governo fosse muito mais pró-ativo. Estamos à espera de medidas concretas que cheguem às empresas e que possam atenuar todos estes custos excessivos. Quando empresas que recebiam faturas de 80 ou 90 mil euros por mês de energia, passam a receber faturas de 400 e 500 mil euros, a tesouraria desaparece em pouco tempo. Estamos a produzir sem saber exatamente qual é o custo que temos. Quando propomos um custo para o cliente, se ele demora dois ou três dias a decidir, no dia em que decide, o preço já não pode ser o mesmo, por causa dos custos da energia e de outras parcelas de equação. 

Isso é uma boa maneira de destruir a indústria?

Nem mais. É impossível trabalhar desta forma. O que me parece que as empresas estão a fazer, é lançarem preços para o mercado e depois vêm até onde podem ir, até que, chegando ao limite, voltam a lançar outros preços. Aquilo de ter preços fixados durante meses e meses, acabou.

Um novo paradigma perante o qual muitas empresas vão ter de fechar?

É isso mesmo. Até porque, associado a isto tudo, vem a inflação. Não é normal a indústria pedir nada aos governos, mas neste momento ou o Governo atua diretamente nas empresas ou vai acabar por atuar com subsídios de desemprego – problemas mais graves que aqueles que encontra agora e que pode ajudar a resolver. Seja de que forma for, o Governo vai ter de atuar sobre as empresas que consomem sobretudo gás, mas também na energia elétrica. Foi um erro crasso termos desativado as centrais de carvão – fizemo-lo como medida de sustentabilidade e depois vamos comprar energia a outros países, produzida por carvão. Quando olhamos para um país como o nosso, que diz que fez uma grande aposta na sustentabilidade, podemos perguntar: a nossa energia não é sol e vento? Estarão o sol e o vento mais caros? Alguma coisa aqui está muito errada. O nosso tecido empresarial vai começar a desaparecer.

Acha que neste contexto a reindustrialização na Europa não vai acontecer?

Sou capaz de discordar. Não podemos continuar eternamente a depender de países de fora da Europa. Durante a Covid, vimos que dependíamos da Ásia e a Europa assistiu a istoimpávida e serena. Não faz sentido. Por outro lado, os governos disponibilizaram incentivos para substituir estas importações, mas depois mantinham os concursos públicos abertos a esses produtos importados. Ou seja: por um lado financia, e por outro não compra. Há aqui um contra-senso. Temos de defender a indústria da Europa, para gerar emprego, haver criação de riqueza e acabar com dependências.

O novo elenco do Ministério da Economia está alerta para essa necessidade?

Sou muito cético em relação a tudo o que tenha a ver com política. Em teoria, se calhar sim, mas na prática tenho muitas dúvidas. Sou mais a favor de políticos com experiência na indústria, por exemplo, que em políticos de carreira. Obviamente que a conjuntura não é fácil, mas esse é o papel deles – supostamente são os melhores, mas depois vemos uma grande passividade.

De qualquer modo, o sector têxtil tem passado com distinção todas as provações…

Soube-se reinventar, soube encontrar soluções.

Que saída para uma empresa como a Lipaco?

Gastar o menos possível – nomeadamente concentrando produções – e investindo em processos que nos permitam usar menos gás, menos eletricidade, menos água, como já vínhamos fazendo.

Isso de que fala, a sustentabilidade, é uma estratégia da Lipaco?

Sim, temos até várias distinções nessa área, como é o caso da TechTêxtil. Tudo começou quando investimos na tinturaria, há sete, oito anos. Desde o início foi uma preocupação montar uma tinturaria que fosse moderna: que consumisse o menos possível de água, de gás, de eletricidade. Mas há também formas de fazer reaproveitamentos de fontes que são libertadas (águas, cargas térmicas) e nós investimos em todas essas tecnologias que estavam disponíveis. Neste momento, estamos a fazer um estudo referente às águas que utilizamos para tentar reaproveitar ainda mais que aquilo que já fazemos. Mas as coisas levam o seu tempo, porque as tecnologias ainda não estão maduras.

O mesmo se passa nas matérias-primas: os fios também têm de ser sustentáveis?

Exatamente. Há cerca de três ou quatro anos que vínhamos fazendo tentativas de lançar fios reciclados. Mas havia o problema da retração das empresas face aos preços. Hoje, no geral, todas as empresas têm produtos para oferecer com base em matérias-primas recicladas – e ainda bem para nós, que os produzimos, e cada vez com maior procura – quer o poliéster quer a poliamida. Estamos também a olhar muito para os biodegradáveis – que vamos agora apresentar ao mercado. 

O projeto das biodegradáveis surgiu no interior da empresa?

Surgiu também com um fornecedor: ele entra com uma componente da produção, nós fazemos o resto. Vai ser um produto que de futuro será massificado.

Quer isto dizer que a I&D é importante para a Lipaco?

Claro que é. Até passarmos a ter quadros técnicos e laboratórios, não conseguíamos entender o que é fazer I&D. Sub-contratar não faz sentido: nem sempre se consegue passar as necessidades. À medida que fomos investindo em quadros e equipamentos, percebemos que podíamos fazer desenvolvimentos à nossa medida – por isso temos produtos que fizeram sucesso e é isso que queremos continuar

Há mercados onde a sustentabilidade já não é mera opção?

Quanto mais para norte formos, maior mercado há para esses produtos. Foram sempre os que olharam para esses produtos com naturalidade e mostraram disposição para pagar por eles. O mercado norte-americano também há muito que tem essa apetência.

E que terá sido o primeiro a acordar do pior da Covid?

Desde o conflito comercial que houve entre os Estados Unidos e a China, que se nota um investimento em alternativas internas, também na indústria têxtil, privilegiando produções próximas.

Más notícias para Portugal?

Se calhar não. Nós estamos mais perto que a China. Podemos até tirar algum partido da conjuntura que rodeia os transportes. Tenho a sensação que, ao nível da confeção, estamos a ganhar terreno nos Estados Unidos. É claro que leva tempo crescer nestes mercados, que são enormíssimos. São mercados interessantes, até por uma razão: põem as regras do jogo em cima da mesa.

O regresso às feiras presenciais é importante para a Lipaco?

Fazíamos feiras mensalmente. Sou muito a favor do modelo presencial, quer em feiras quer em visitas aos clientes: nenhuma ferramenta digital é a mesma coisa. Ninguém percebe qual é vantagem de um produto sem o tocar. Ainda não estive em nenhuma feira – optámos pelo modelo de convidar o cliente a visitar-nos ou por fazer visitas a clientes- mas estamos ansiosos por voltar às feiras, mas temos de sentir que as feiras têm visitantes: encontramos clientes que ainda se sentem inseguros.

Esta é a mais deslocada de todas as perguntas: perspetivas para o final do ano?

Só Deus sabe.

Está à espera da sua sucessão familiar?

Não estou preocupado com isso. Não sou obcecado pela sucessão na família: se entendermos que sim, melhor, se não… logo se vê. Há muitos bons gestores no mercado que precisam de trabalhar. Se virmos os grandes grupos, à sua frente não estão os filhos. Em muitas empresas de grande sucesso não há familiares diretamente na gestão.

Perfil

Aos 57 anos, o CEO da Lipaco está “desde sempre” na empresa fundada pelo pai – “se me despedirem, não sei fazer mais nada” – e enfrenta agora o impacto de sucessivas crises externas que colocam desafios que até ao momento não eram sequer antecipáveis. O aumento das matérias-primas, dos transportes e das energias, a que se soma uma inflação que dá mostras de não ser meramente transitória.

As perguntas de
Ana Paula Dinis
Diretora Executiva da ATP

Qual a melhor forma para lidar com a escassez e aumento de preços das matérias-primas?

Esta é uma matéria sensível. Desde que o Covid surgiu o mercado tem estado a sofrer permanente alterações de diversas ordens, condicionando muito a disponibilidade e aumentando a pressão sobre os preços. Não há uma receita por si só válida. Cada momento é um momento. A que tem feito mais sentido tem sido tentar comprar a longo prazo por forma a evitar o mais possível as roturas, embora no que diz respeito a preços haja sempre riscos.

Quais deveriam ser as principais medidas a tomar pelo Governo e pelas empresas para fazer face à crise energética?

Muito rapidamente e sem mais atrasos ou as empresas não resistirão, será condicionar os preços do mercado das diversas fontes de energia usadas na indústria e/ou apoiar diretamente os custos acrescidos. A pensar no futuro, lançar de imediato medidas agressivas de apoio direto, simples e eficaz que cative e motive as empresas para a mudança do paradigma da sustentabilidade, levando a renovação de equipamentos por soluções mais eficazes e sustentáveis.

Pedro Guerreiro
CEO da Costa & Guerreiro

Qual a estratégia da Lipaco face à cada vez maior exigência do mercado no desenvolvimento de novas cores e prazos de entrega mais curtos? 

Estamos a apostar no reforço do nosso laboratório para que possamos ser mais rápidos no desenvolvimento de novas cores.

Como vê a loucura dos aumentos nos custos da energia face à competitividade pelos preços? 

Sem um apoio direto do governo nos custos energéticos ou no controlo dos preços, será muito difícil as empresas no curto prazo terem soluções. Óbvio que todas as empresas de uma forma ou de outra já vinham a trabalhar em soluções de otimização de processos e de racionalização energética, mas tudo leva o seu tempo e não serão suficientes para combater esta escalada de preços.

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