T51 - Março 2020

Qual o impacto da Covid-19 no negócio têxtil?

É uma ameaça sem rosto que em poucas semanas deixou o mundo em sobressalto. O novo Coronavírus espalhou-se pela Europa como fogo em erva seca, criando a maior crise epidemiológica da história. A economia travou às quatro rodas e o negócio têxtil não foi exceção. As lojas fechadas traduzem-se em encomendas adiadas ou canceladas e as empresas enfrentam agora um grande ponto de interrogação. Em resposta, os empresários do sector afirmam a necessidade de medidas adequadas ao novo paradigma, acreditam no incremento das vendas online, fazem da perseverança a grande palavra de ordem e colocam os olhos no horizonte pós-crise

António Freitas de Sousa

É uma situação inédita e de contornos imprevisíveis. Depois da Ásia, o surto do novo Coronavírus chegou ao mundo ocidental com toda a força, espalhando-se por todos os países no espaço de poucas semanas. A contenção da epidemia tornou-se a primeira necessidade, obrigando a forte condicionamento na movimentação das pessoas. Mesmo decretando o Estado de Emergência, o Presidente da República foi claro: “Só se salvam vidas e saúde se, entretanto, a economia não morrer. Em tempo de guerra, as economias não podem morrer”.

Se dentro das fábricas é possível continuar a laborar, mesmo que com constrangimentos – muitos colaboradores em teletrabalho e medidas de maior higienização e espaçamento social – fora de portas há muitos contactos que ficam em suspenso. As feiras foram interrompidas pelo menos até junho e com as lojas fechadas muitos clientes começam a adiar encomendas e pagamentos. O efeito Coronavírus afeta já o negócio têxtil, mas os empresários prevêem que o grande impacto se verifique em abril e maio.

“Para já continuamos a trabalhar, mas o mundo dos negócios é um ciclo. Mesmo que não estejamos a ser muito afectados é uma questão de tempo e será necessário um grande esforço para minimizar o impacto do vírus”, afirma Paulo Melo, administrador da Somelos. Num primeiro momento, o grupo têxtil reduziu ao mínimo o número de reuniões e colocou algumas pessoas a trabalhar a partir de casa, mas o grosso do trabalho mantem-se, dentro do possível, nos moldes habituais.

No entanto, Paulo Melo não tem dúvidas que impacto do surto de Coronavírus se vai fazer sentir. “Se as medidas certas não forem tomadas, aquilo que foi construído nos últimos anos pode ser destruído em semanas”, afirma, prevendo tempos difíceis para todo o sector. “Esta situação não vem nos livros nem em nenhuma aula de gestão, é uma situação inédita e que não sabemos quanto tempo vai demorar”, discorre.

Miguel Pedrosa Rodrigues, administrador da Pedrosa & Rodrigues, também prevê que o maior impacto se venha a sentir em abril e maio. Com mais de 100 colaboradores, a gestão ativou um plano de contingência alinhado com as orientações da Direcção Geral de Saúde. “Para além de termos algumas pessoas a trabalhar em casa, temos a sorte de ter boas condições físicas que nos permitem garantir um maior espaçamento entre todos”, ressalva o gestor.

Com a produção deste mês já alocada, a empresa continua a laborar, mas para os próximos meses prevê uma diminuição nas encomendas.

José Armindo Ferraz
"É um grande ponto de interrogação, mas temos de ter força e lutar, não podemos baixar os braços"
“Estamos à espera de um encolhimento, que vai atravessar todo o sector. Dependendo dos mercados a que cada empresa está exposta, penso que no melhor dos cenários vamos sentir uma redução na ordem dos 30%”.

Na Orfama, o impacto já se faz sentir. A produtora de Braga, especializada em vestuário de malha, regista um clima de grande incerteza entre os clientes. “Os clientes estão muito apreensivos e ninguém sabe como serão os próximos meses. Já se notam algumas anulações de encomendas”, explica António Cunha, Sales Manager da empresa.

Para o gestor, o momento traduz-se num difícil equilíbrio para todo o sector, em que as receitas serão invariavelmente afectadas. “Cada dia que passa há um agravamento da situação, temos tentado manter o máximo de actividade, mas neste momento a prioridade está em respeitar as orientações e salvaguardar as pessoas”, relembra.

A trabalhar diretamente com as lojas, a marca Cristina Barros viu a sua atividade abrandar de forma abrupta. “Está tudo em suspenso, 95% das lojas estão fechadas e isso conduz ao adiamento de encomendas”, afirma Marco Costa, diretor comercial da marca de vestuário feminino. Com Espanha e França entre os seus principais mercados, a empresa da Trofa prevê dificuldades para as próximas semanas. “Temos alguma almofada financeira, mas tudo depende do tempo que a situação se prolongar”, adianta o representante da empresa.

Com o epicentro do surto europeu em Itália, a Inarbel sentiu com especial impacto o surgimento da pandemia – a Dr.Kid, marca de vestuário infantil da empresa, tem uma forte presença no mercado italiano, com vários agentes a atuar no local. “A grande maioria dos nossos clientes em Itália, e também em Espanha, já estão fechados, e estão a fazer uma prorrogação dos pagamentos”, adianta José Armindo Ferraz, CEO da empresa.

No grupo Moretextile, a Covid-19 ganha contornos semelhantes: “Os clientes pedem o adiamento de entregas e existem casos de cancelamento de encomendas. A degradação das condições foi dramática nos últimos dias”, resume o CEO Artur Soutinho. O grupo tem procurado manter os contactos comerciais, substituindo as feiras e reuniões por um serviço de apresentação virtual, mas muitos das marcas com que trabalha, como a Zara Home, têm as lojas de portas fechadas.

A interrupção das vendas ao público leva os empresários a preverem problemas de tesouraria, sobretudo para os próximos meses. Razão pela qual afirmam a necessidade de medidas adequadas ao novo contexto.

Miguel Pedrosa Rodrigues
"As encomendas alocadas estão a ser executadas, mas prevemos que o maior impacto seja a partir de abril ou maio"
“A legislação não se adapta às atuais necessidades da indústria, neste contexto é necessário flexibilizar o layoff”, afirma Artur Soutinho. “São precisas medidas e linhas de apoio já para proteger as empresas e os postos de trabalho. A velocidade da indústria não tem nada a ver com a velocidade dos governos”, acrescenta Paulo Melo.

Preocupação reiterada pelo presidente da ATP. “As cadeias de abastecimento vão parar e a consequência de tudo isto é que o emprego vai ser colocado em causa. Os empregos não estão garantidos, mas têm de ser garantidos e a via mais adequada para isso é a flexibilização do layoff. Não faz sentido uma empresa ter de esperar para chegar a uma situação de falência para finalmente poder aplicar-se o layoff”, afirma Mário Jorge Machado. Em comunicação com o Governo, a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal fez questão de logo fazer chegar estas preocupações aos governantes.

Entretanto, muitos empresários colocam já os olhos no horizonte pós-crise. “Estamos com um grande ponto de interrogação, mas temos de ter força e continuar a lutar, não podemos baixar os braços”, diz José Armindo Ferraz, salientando que a “economia não pode parar”.

Mas a maior incógnita é o que vai ficar depois de controlada a epidemia, aquilo que vai mudar nos mercados de forma definitiva. “Não nos vamos esquecer disto tão cedo, daqui por anos ainda se vão sentir as diferenças”, afirma Artur Soutinho, prevendo novos hábitos, tanto nas empresas como no público. “O teletrabalho e as conference call vieram para ficar e a longo prazo as vendas online vão crescer, as pessoas vão habituar-se a comprar em marketplaces”

“Tenho a certeza absoluta que o mundo será totalmente diferente nos hábitos de consumo e de convivência. Esta situação vai ficar na memória”, acrescenta Paulo Melo. “Isto vai criar novas oportunidades de negócio, as pessoas estão a construir novas rotinas. As vendas online já estavam a crescer mas agora vão ter um impulso”, concorda António Cunha.

Já Marco Costa acredita que no vestuário o negócio manterá o seu perfil actual. “As vendas online vão-se sentir em bens essenciais mas não na moda, talvez apenas com algumas adaptações, mas acredito que vai voltar ao normal”, explica.  “O online está a crescer, mas quando a crise passar as pessoas vão procurar o comércio tradicional, vão querer tocar nas peças. Neste momento as pessoas precisam de se sentirem vivas de novo”, concorda José Armindo Ferraz.

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