Ainda não abrimos a boca e já ela se abre de espanto
T18 Março 2017
Cantinas do Serrão

Manuel Serrão

O restaurante Cá-Te-Espero em Rebordões, na estrada, antiga, mas que ainda muitos leva de Santo Tirso a Guimarães, é um santuário regional.

O restaurante Cá-Te-Espero em Rebordões, na estrada, antiga, mas que ainda muitos leva de Santo Tirso a Guimarães, é um santuário regional como já não há muitos, mesmo no chamado Portugal profundo. Na última vez que lá estive, com o meu amigo Mário Jorge, da Adalberto Estampados, chegamos muito depois da hora marcada… mas ainda nos esperavam e ainda bem que foi mais um almoço épico. Ainda por cima na paz do Senhor à hora a que se deu.

Este Cá-Te-Espero dos dias de hoje é fruto do trabalho e da videira de um homem, António Sampaio, que enviuvou cedo, mas também cedo percebeu que a melhor maneira de homenagear a mulher amada era manter viva a chama do restaurante que ela pôs de pé. Com a colaboração inestimável da descendência, os clientes formam uma espécie de nova família que lá é esperada quase todos os dias.

Numa ementa cuidadosamente manuscrita, onde todos os dias inscreve o que chegou fresquinho da horta, da lota ou do talho, “que nesta casa não entra nada recesso”, são muitos os pratos que não se encontram nos restaurantes citadinos. Os clientes já dispensam o cardápio, fartos de saber o que podem escolher e não raro, entregam-se nas mãos do senhor António, farto que ele está de saber do que gostam.

Para quem arriba de novo, como eu arribei, está reservado um tratamento de choque. Não se sabendo as preferências do caloiro e como a última coisa que se quer no Cá-Te-Espero é que a comida não seja do agrado do comensal, ainda nem sequer abrimos a boca para um primeiro pedido e já ela se abre toda, de espanto, pelo carrossel que é literalmente despejado na mesa.

Cá-Te-Espero
O restaurante Cá-Te-Espero é um santuário regional como já não há muitos

Sem que possamos usar da palavra em nossa defesa (ou na defesa de alguma contenção, na verdade impossível) começam a aterrar as favas com chouriço, o grão de bico, os sonhos de bacalhau, os rissóis de marisco, o presunto laminado, várias espécies de pão e de queijo e quando já achamos que nos vai ser permitido respirar um segundo, dão entrada os “bocadinhos”.

Um bocadinho de alheira de caça, um bocadinho de tripas, um bocadinho de ossos de assuã, um bocadinho de moelas, um bocadinho de pernil… e por aqui me fico que por lá me ia ficando.
Como não me deixaram, ainda experimentei os filetes de pescada de uma frescura notável e já a fugir, refugiei-me no pernil, a pensar que viria outra vez o bocadinho. Acontece que guardado já estava o bocadinho, pelo que foi mesmo o bocado que veio, à espera que eu o comesse… E sou eu lá homem de desfeitas !

Diga-se em abono da verdade que quando dei por mim a tentar fintar as rabanadas, até já os da casa fecharam os olhos, conscientes da desgraça em que me tinham metido. Que só não foi maior, porque a opção por um verdinho caseiro se revelou de uma prudência assisada.

Não devem existir muitos restaurantes destes, em que a porta de saída dá directa para uma estrada nacional, mas em que o perigo maior não está na hora da saída, mas antes na hora em que lá entramos. Ainda por cima isto é um elogio!

RESTAURANTE
Cá-Te-Espero

Avenida da Boavista 113
4795-116 Rebordões
Santo Tirso

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