T74 - julho/agosto 22

Aposta em novas fiações pode ser trunfo para a reindustrialização da Europa?

Confrontada pela pandemia com a dependência da produção asiática, a Europa sonha agora em fazer renascer toda a sua indústria. Uma proximidade que alinha também com as metas de sustentabilidade, onde o têxtil português está bem posicionado. Podem a fiações ser mais um trunfo competitivo para a nossa ITV?

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O tema é complexo e são múltiplas as variantes para a sua análise, mas no final tudo se resume à questão da rentabilidade num contexto em que o a concorrência não joga todas com as mesmas armas. Num mundo em convulsão, e numa conjuntura em que a guerra desencadeada pela Rússia veio acrescentar ainda novas condicionantes, as opiniões dividem-se e foram poucos os que ousaram responder. Há quem, pura e simplesmente, entenda que há questões mais urgentes e que deverão ser outras as prioridades, quem aplauda a ideia mas veja difícil a sua aplicação, e também quem olhe para as novas fiações como um elo indispensável para garantir a autonomia como suporte de uma produção de proximidade que possa impulsionar o desejado processo reindustrialização da Europa. Principalmente porque a proximidade é também uma das vertentes da produção sustentável. 

“Tudo o que possa contribuir para uma maior proximidade geográfica das várias fases da cadeia produtiva é de certeza positivo para uma maior competitividade do sector têxtil na Europa, logo um forte contributo para a sua reindustrializacão”, conclui o presidente do grupo Indutex, Vitor Abreu, ciente de que autonomia e consequente estabilidade no abastecimento são fatores decisivos de competitividade. 

Sem condicionantes é também a resposta de Miguel Fernandes, administrador da Penteadora, que não hesita: “sou de opinião que sim”, respondeu à questão colocada pelo T, enquanto Paulo Melo entende que “hoje em dia ter uma fiação rentável na Europa é na minha opinião um desafio enorme e muito complicado”. O presidente da Somelos deixa entender que o fator rentabilidade é a chave para a resposta e que para isso, será necessário avaliar pressupostos relacionados com os custos de energia, preço do fio e concorrência. 

O que existe mais hoje em dia é uma procura por fios produzidos na europa e para que isso exista o preço de venda tem que ser diferente, mais elevado, e por isso o cliente final  vai ter que pagar um preço adicional por essa produção”, avança.

Carla Pimenta, Texser
“Não faz grande sentido apostar em fiações em países distanciados da produção de algodão, a não ser que estejamos a falar de matérias-primas diferenciadas”
 

“Sabemos que sem fio não existe roupa / vestuário mas mesmo assim o fio não pode ser considerado como uma commoditie. Países como a Turquia Egipto, Índia, China e Paquistão são os grandes concorrentes e com estes em termos europeus não se pode competir. Não é pela situação actual do mundo em que vivemos, mas já era na pré-pandemia. Por isso para se investir em fiação temos que ter logo à partida custos de energia totalmente diferentes dos actuais e mesmo dos do passado”, avisa Paulo Melo, lembrando adida “outras condicionantes, como é o caso do “elevado investimento”. 

Um desafio enorme e complicado, mas que o leva a concluir pela sua sua importância estratégica: “apesar desta posição acho que existe um espaço para termos fiações na Europa, mas será sempre um desafio muito grande em termos de gestão”.

Mas há também quem veja logo à partida uma condição que pode desaconselhar o investimento em fiações. “Penso que não faz grande sentido apostar em fiações em países distanciados da produção de matéria-prima, a não ser que estejamos a falar de matérias primas diferenciadas do tradicional algodão”, analisa a CEO da Texser – A Têxtil de Serzedelo, Carla Pimenta. 

O fator sustentabilidade é, por outro lado, um elemento de peso para justificar o investimento, sobretudo tendo em conta o posicionamento da têxtil portuguesa na vanguarda da produção responsável, que tem na proximidade um decisivo complemento. “Para uma Europa mais sustentável e menos dependente de países terceiros, é muito importante que novas empresas surjam, bem como novas fiações que terão um papel essencial na produção indústria têxtil”, diz Miguel Silva, Administrador Sasia, empresa especializada na reciclagem de fibras têxteis.

Um objectivo que o fundador da Tintex gostaria até de ver promovido e dinamizado pela Confederação Europeia do Têxtil e Vestuário.

Vitor Abreu, Indutex
“Tudo o que possa contribuir para uma maior proximidade geográfica é de certeza positivo para aumentar a competitividade do sector têxtil na Europa”

“Acho mesmo que a Euratex deveria ter um papel muito importante na dinamização de um cluster europeu que agregasse num espaço regional toda a cadeia produtiva, desde a fibra à  fiação até ao confeccionador”, avança Mário Jorge Silva. E isto, “de forma a garantir a economia de proximidade, a glocalização, que tanta necessidade faz para cavalgar a onda da sustentabilidade, da redução da pegada ecológica, da rastreabilidade e da transparência”, concretiza o empresário que fala ainda “dos preços e dos salários justos e da manutenção de um clima económico favorável e amigo das empresas e dos investidores”.

No polo oposto está administrador da Fábrica de Tecidos de Vilarinho, Jorge Pereira, entendendo que a criação de novas fiações não é uma questão central para o crescimento da nossa ITV e chama até a atenção dos responsáveis políticos para outro tipo prioridades é neste momento mais importante analisar

Quando ao investimento em novas fiações, “Penso que não é por aí que vamos resolver o problema da têxtil”, diz Jorge Pereira, que avança com outras questões. “Existem outro tipo de prioridades para matérias-primas diferentes do algodão que nós Europa entregamos de mão beijada a outros continentes.

Nós Europeus entregamos tudo, até as potências europeias deram o que hoje lhes faz falta, foi uma estratégia completamente errada da classe política que nos governa, que estão sentados em assembleias e não percebem absolutamente nada das verdadeiras necessidades e problemas dos países.” 

Tinha, por isso, “tanta coisa para dizer sobre esta conjuntura de problemas que vivemos, mal geridos”, avançando apenas que “além dos problemas frisados, temos outro monstruoso que é a falta de mão-de-obra, seja ela em que setor for é uma calamidade que ninguém quer saber”.

Dai a conclusão: “por isso mesmo penso que não é com fiações que vamos resolver algo, mas sim com outras medidas estruturais bem mais importantes”.

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