T62 - Março-Abril 2021

As fábricas continuam voltadas para a produção de máscaras?

As empresas voltam a focar-se na moda, nos têxteis técnicos e nos têxteis-lar, onde se registam sinais de retoma. Para a indústria têxtil, as máscaras são agora um negócio de nicho depois de um ano em que a sua produção fez com que fosse possível manter as portas abertas e evita uma queda abrupta dos negócios. A resposta rápida foi um exemplo da capacidade de adaptação da ITV, mas agora o negócio das máscaras parece ter esmorecido. Mais cedo que a própria pandemia.

António Moreira Gonçalves

Um ano depois da rápida adaptação para dar resposta à necessidade de produção de Equipamentos de Protecão Individual a indústria têxtil começa a voltar ao ponto de partida, ou seja a produção de tecidos, malhas, vestuário, têxteis técnicos e têxteis-lar. O panorama é outro, e as máscaras tornam-se apenas mais um produto no vasto catálogo da IVT portuguesa.

“É um negócio que já passou e já passou há muito tempo. As máscaras tiveram uma importância muito significativa no segundo trimestre de 2020, acima de tudo por compensarem um pouco a grande baixa que existiu no vestuário, mas agora é tempo de regressar ao negócio tradicional”, explica Carolina Guimarães, administradora da João Pereira Guimarães, especializada na produção de malhas.

Também na Adalberto a retoma já não é de agora. “Desde outubro que nos voltamos a orientar sobretudo para o nosso negócio tradicional, a moda e os têxteis-lar”, explica a CEO Susana Serrano. A empresa de Santo Tirso – que se notabilizou por lançar no mercado, em parceria com a Sonae, a máscara MOxAd-Tech, a primeira capaz de inativar o vírus – continua a produzir o modelo, mas de uma forma apenas residual. “Tivemos um pico de três meses quando começamos a produção em abril de 2020, depois entre agosto e outubro voltou a aumentar, mas a partir daí foi descendo sempre”, resume a responsável da empresa.

Especializada em sportswear e vestuário técnico, a Pafil também há muito que já está de novo totalmente focada no seu negócio habitual. “Tivemos um pico de produção em Maio Junho e Julho, foram os nossos melhores meses em termos de máscaras, depois um novo pico em setembro, e desde aí está em queda”, explica o Financial Manager, João Rui Pereira. Mesmo assim, o negócio das máscaras foi apenas um complemento, “felizmente fomos tendo sempre atividade no vestuário, nunca se tornou o nosso negócio principal”, completa o gestor.

Também para a especialista em roupa de bebé FS Confecções, a moda infantil começa a dar sinais de retoma. “Felizmente os bebés crescem rápido e estão sempre a precisar de novas peças, a retoma das vendas é mais rápida neste tipo de produto”, conta Rodney Duarte, Export Sales Manager. Entre as encomendas de private label e a marca própria FS Baby, a empresa vai sentindo sinais de uma aceleração, pelo que “neste momento continuamos a vender máscaras, mas de forma muito mais pontual”, explica o responsável pelas exportações da empresa.

Susana Serrano
"Desde outubro que nos voltamos sobretudo para o nosso negócio tradicional, a moda e os têxteis-lar"

Já no caso da BrandBias nem se trata propriamente de retoma, já que a anormal produçºao nunca abrandou significativamente. “Trabalhamos sobretudo no sportswear, lougewear, casualwear e os nossos clientes são a maior parte marcas online, que durante a pandemia mantiveram sempre alguma actividade”, explica Gonçalo Serra, diretor-geral empresa. “É certo que produzimos algumas máscaras durante o ano passado, mas abandonámos essa produção já há alguns meses e estamos concentrados nas nossas encomendas”, esclarece.

O problema é agora outro. “Tem havido alguma escassez de fio no mercado, recebemos encomendas até relativamente grandes e é uma chatice não ter matéria-prima para lhes dar resposta”, lamenta Gonçalo Serra.

A par da retoma, as máscaras têxteis tornaram-se também menos procuradas. “Houve um burburinho muito grande, que foi iniciado pela Alemanha, anunciando que as mascaras FFP2 seriam mais eficazes em relação à pandemia. Isso foi sendo replicado por vários países, mesmo no nosso governo os ministros começaram a aparecer com essas mascaras. Logo a seguir surgiu um desmentido, mas a situação teve um impacto grande”, afirma António Archer, General Manager da têxtil Crivedi. “O boicote às máscaras têxteis por parte de alguns países europeus teve um impacto brutal em termos de consumidor e de imagem pública. A produção de máscaras baixou muito, com os mercados a orientar-se mais pelas soluções descartáveis”, acrescenta João Rui Pereira, Financial Manager da Pafil. “Quando a Alemanha falou das máscaras FFP2 o mercado voltou para os descartáveis”, concorda Susana Serrano.

Para as empresas têxteis faltou uma estratégia centralizada por parte dos decisores europeus de forma a proteger a produção local de máscaras e a salientar as vantagens das soluções reutilizáveis. “Existiram muitos avanços e recuos. Primeiro não se deviam usar máscaras, depois já se deviam usar, a determinada altura existiu uma campanha pelas máscaras reutilizáveis, depois começaram a dizer que as máscaras têxteis não eram seguras. Tudo isso criou muitas dúvidas”, refere Mónica Afonso, diretora-geral da Marjomotex.

Esta empresa também já está a abandonar a produção de máscaras.

João Rui Pereira
"Fomos tendo sempre atividade no vestuário, as máscaras nunca foram o nosso negócio principal"
“Neste momento já estamos de novo concentrados no nosso core business, a moda e o casualwear”, explica a gestora.

Para além da concorrência dos descartáveis, que é determinante – “Há sempre uma tendência para o facilitismo, e regra geral as pessoas preferem as descartáveis a ter de lavar uma máscara”, relembra Carolina Guimarães – também dentro dos têxteis a concorrência é orientada sobretudo para o preço, um critério que não favorece a ITV portuguesa. “Há alternativas muito baratas no mercado, e se em alguns artigos se valoriza o design, a qualidade ou a personificação, na máscara a maioria opta pelo preço”, esclarece Rodney Duarte.

“É um produto que em termos de vendas também não é pensado para muitas repetições, porque o que distingue as máscaras têxteis das descartáveis é a sua durabilidade, a capacidade de ser reutilizável, e então é normal que depois de um pico de encomendas os clientes tenham ainda stock, porque as vendas são mais faseadas”, acrescenta Mónica Afonso.

Apesar dos cada vez mais fortes movimentos de retoma na produção têxtil, o fabrico das máscaras parece orientar-se tara para a estratégia padrão da indústria portuguesa: séries mais pequenas com produtos diferenciados e de valor acrescentado.

E enquanto algumas empresas apostaram na tecnologia, como a Adalberto – “os acabamentos antivíricos, antibacterianos e antiodores continuam a ser utilizados para outras peças de vestuário”, exemplifica Susana Serrano –, outras apostam no fator moda. “É um produto que faz parte do nosso portefólio, mas sempre procuramos fazê-la com alguma diferenciação, como complemento às colecções de moda”, explica Mónica Afonso, da Majormotex.

Também a Crivedi, que criou a marca-própria Happö, vai continuar a investir neste mercado, porque mesmo sem as quantidades de 2020, a expectativa é que a pandemia tenha desmistificado a utilização da máscara. “Continuamos a fazer máscaras, bastante menos do que fazíamos, mas é um acessório que se vai manter. As pessoas habituaram-se à ideia de que é uma protecção, e provavelmente vão continuar a usar quando vão a um hospital, quando estão numa multidão ou quando chega a altura das gripes”, aponta António Archer.

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