T55 - Julho/Agosto 2020

As empresas vão continuar a produzir Equipamentos de Protecção Individual?

Máscaras, batas, cogulas, cobre-botas ou fatos de protecção integral. Em poucos meses, a indústria têxtil portuguesa deu provas do seu know-how e versatilidade, com muitas empresas a adaptarem as linhas de produção e a desenvolverem novos produtos. Mas terá sido apenas uma resposta em tempos de emergência ou é um novo segmento que veio para ficar? Entre os empresários esta é uma aposta para manter. Portugal tem condições para se afirmar como um produtor de qualidade e excelência neste sector, mas é preciso que o mercado mude dos descartáveis para os reutilizáveis.

António Moreira Gonçalves

“Os portugueses mostraram uma capacidade incrível de resiliência, ainda mais na indústria têxtil. Soubemos mostrar o valor deste sector”. As palavras são de Alexandra Araújo, CEO da LMA, uma das muitas empresas que certificou novos produtos para a produção de Equipamentos de Protecção Individual (EPI). Nos primeiros meses de pandemia, a indústria têxtil portuguesa protagonizou uma maratona em ritmo de sprint, com muitas empresas a reestruturarem linhas de produção, lançarem novos produtos e a transitarem dos seus negócios-base para a confecção de EPI. Aos laboratórios do CITEVE – a trabalhar em verdadeiro overbooking – chegaram em semanas milhares de amostras para analisar e certificar.

Coloca-se agora a questão se a produção destes equipamentos de protecção ficará circunscrita à fase pandémica ou se continua a ser uma aposta para futuro. E se muitos produtores regressam naturalmente ao seu core business, também surgem vários exemplos de empresas que vêm nesta adaptação a oportunidade de criar um novo ramo de negócio, com uma aposta autonomizada para responder às exigências deste mercado.

É o caso do grupo Inarbel, que investiu cerca de 400 mil euros, numa nova unidade de produção e numa nova marca, Skylab, especializada em batas, cobre-botas, túnicas e outros equipamentos de protecção. “Estamos prontos e já mostramos que sabemos produzir tudo o que os hospitais precisam”, afirma o CEO da empresa, José Armindo Ferraz, que não tem dúvidas que este pode ser um negócio de futuro para Inarbel. “Nós já temos uma unidade própria e criamos uma nova marca. Temos todas as condições para ser competitivos, numa base reutilizável e com maior qualidade e protecção”, explica.

O foco nos equipamentos reutilizáveis – capazes de manter a proteção por ciclos de várias lavagens – será para os empresários portugueses a marca de água da produção nacional, mas também o grande desafio na abordagem ao mercado. “Nós vamos investir em certificações a longo prazo, queremos ter artigos que possamos fornecer a hospitais, clínicas e ao SNS. Mas em Portugal só podemos ser competitivos numa base reutilizável, e o descartável continua demasiado implementado. Será necessária uma mudança na regulamentação e uma mentalização por parte dos profissionais de saúde”, salienta Andreas Falley, CEO da Temasa, empresa têxtil do Marco de Canaveses, que durante a pandemia se dedicou também à produção de equipamentos hospitalares.

Andreas Falley
“Só podemos ser competitivos numa base reutilizável e o descartável continua demasiado implementado”

Depois de um período de grande procura, a Temasa sente já um abrandamento nos pedidos. “Vemos vários clientes a voltar para o descartável, a não ser algumas clínicas privadas, que veem as vantagens, ou mercados como a França e a Alemanha onde percebem a razão de ser dos reutilizáveis”, explica o responsável da empresa. São as encomendas destes clientes que permitem à Temasa apostar em certificações a longo prazo e até considerar investimentos, como a aquisição de novas máquinas de corte, mais adaptadas a este mercado.

O grupo Endutex está também a avaliar a possibilidade de integrar novos equipamentos na sua casa de máquinas. “Até agora, o investimento que fizemos foi mais em tempo dedicado à investigação, desenvolvimento e certificação. Mas esta experiência permitiu-nos identificar equipamentos que seriam muito úteis e já apresentei uma candidatura a um projecto. Estamos a aguardar os resultados”, adianta Vitor Abreu, presidente do grupo. No pico da epidemia, a Endutex forneceu materiais para a produção de EPI a várias empresas do sector. Um serviço que vai continuar a prestar: “Não vou tão longe ao ponto de dizer que pode surgir um cluster têxtil português na área da saúde, mas os artigos que desenvolvemos vamos continuar a tê-los no nosso portefólio fora deste ciclo da pandemia”, esclarece Vitor Abreu.

Alexandra Araújo, CEO da LMA, acredita que estão criadas as condições para a indústria portuguesa se afirmar neste mercado. “As pessoas ficaram agora com mais know-how e começam a saber distinguir as soluções e os fornecedores existentes. Sem dúvida que se abriu aqui um novo corredor para a indústria portuguesa, não só têxtil, mas também química e dos acrílicos, por exemplo. Chegou o momento de repensar as cadeias de fornecimento e questionar a utilização dos descartáveis”, salienta a empresária. “Não podemos tirar os sacos plásticos dos supermercados e manter os descartáveis nos hospitais, que representam também muito desperdício”, acrescenta, relembrando o impacto ambiental desta decisão.

Vítor Abreu
“Os artigos que desenvolvemos vamos continuar a tê-los no nosso portefólio”

Repensar as cadeias de fornecimento parece ser o ponto-chave desta transição, especialmente depois de um momento em que ficaram demonstrados os perigos de uma excessiva dependência da Ásia. “Portugal como país com forte predominância e tradição no fabrico têxtil, pode e deve aproveitar esta oportunidade de ouro para elevar o valor acrescentado dos produtos e apostar na criação de marcas próprias para fornecer a Europa. Temos a mão-de-obra, as máquinas, as matérias-primas e o método”, salienta Rui Araújo, Chief Operating Officer da Unifardas, outra das empresas portuguesas que se dedicou à produção de EPI e que vai levar as novidades à próxima edição da Medica Trade Fair, a principal feira europeia de equipamentos para a área da saúde, em Novembro, em Dusseldorf.

Na mesma feira – onde a comitiva From Portugal contará com o triplo do espaço de exposição e um número recorde de empresas – a Trim NW será um dos estreantes a apresentar as suas novidades ao mercado internacional. “Para nós é uma área completamente nova, com clientes novos e muito trabalho pela frente, quer no mercado nacional como internacional”, começa por explicar o CEO Rui Lopes. A empresa, que habitualmente produzia tecido-não-tecido para a indústria automóvel, certificou também vários produtos para a confecção de EPI. Um esforço que será para continuar: “é uma área nova, onde temos apenas três ou quatro meses de trabalho, mas a ambição é poder vir a fornecer o mercado europeu neste sector”, esclarece o empresário.

Do turbilhão da pandemia parece resultar assim um novo rastilho para a inovação da indústria têxtil portuguesa. No entanto, os empresários salientam que é necessária uma mudança estrutural e não bastará a iniciativa das empresas. “Espero que os discursos da reindustrialização da Europa não sejam palavras que se esquecem passado 24 horas”, comenta Vitor Abreu. “O Estado deve investir e apoiar a indústria portuguesa, Portugal tem todas as condições para ser competitivo e neste caso é preciso incentivar a substituição dos descartáveis pelos reutilizáveis, que poderão ser produzidos em Portugal”, concçui José Armindo Ferraz.

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